“Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados.” (Lucas 6:37)
O perdão é um dos pilares fundamentais do Cristianismo. Os quatro Evangelhos Canônicos trazem diversas passagens nas quais Jesus demonstrou, através de palavras e atitudes, a necessidade de perdoar. Ele nos apresentou uma maneira inovadora de se relacionar com o próximo, baseada na caridade.
Se hoje vivemos em um mundo civilizado, onde as nações se comprometeram a buscar a fraternidade entre os povos, isso foi iniciado por Ele. Não raro as coletividades vão às ruas levantando a bandeira “o mundo precisa de mais amor” e pedem tolerância e respeito. Mas, observando as nossas atitudes individualmente, no microcosmo dos nossos lares, será que somos capazes de agir como esperamos que os outros ajam? Estaríamos acima dessas demandas atuais?
A verdade é que, dois mil anos após a vinda do Mestre, ainda temos dificuldade de perdoar quem nos ofendeu, magoou, maltratou, traiu ou prejudicou, mesmo sabendo que é o certo a ser feito. Embora a Humanidade tenha evoluído exponencialmente, intimamente ainda estamos acorrentados aos sentimentos feridos, ao sofrimento que a memória insiste em nos reapresentar e à cultura milenar da punição.
Se formos sinceros, reconheceremos que, nos momentos em que nos sentimos injustiçados, frequentemente desejamos que o ofensor seja punido, que “pague” para que consigamos seguir em frente. Porém, a necessidade de que o outro sofra para que nos libertemos é apenas um reflexo da nossa inferioridade. Queremos presenciar a queda ou a dor do outro, sendo essa a expressão do mal que habita em nós e não nos permite descansar e seguir em frente.
É certo que, quando alguém nos “ofende”, não somos nós que erramos, mas o outro. Logo, deveríamos seguir em paz, com a consciência tranquila de que nenhum mal fizemos. Ocorre que, quando sofremos uma ofensa, não é a porção Divina do nosso Espírito que sente, mas aquela que comporta o orgulho e a vaidade. Então, quando nos incomodamos com a ofensa, são as nossas imperfeições gritando para que revidemos à altura, como se nunca tivéssemos errado, como se fôssemos juízes dos outros, como se sermos feridos nos desse o direito de perpetuar o mal e isso fosse nos libertar.
Sob o ponto de vista espiritual, essa libertação jamais virá pela via da revanche, mas da elevação moral. Frequentemente buscamos transformar o outro, sem nos darmos conta das oportunidades de aprimoramento pessoal que surgem, cegos pelo mal que se manifesta por meio de nossas raiva e frustrações.
“Vingança” e “castigo” não estão no vocabulário Celeste. Jesus ensinou-nos que a única forma de libertação que encontraremos será pela via do perdão.
As ciências psicológicas da atualidade, em concordância com o Mestre, afirmam que é preciso libertar o coração de quaisquer ressentimentos e estabelecer o equilíbrio na governança de nossas potências mentais, para que a tranquilidade se manifeste em nossa existência, sob a forma de saúde e harmonia.
Como, porém, perdoar quando a dor é tão profunda, quando tanto foi violado? A verdadeira compreensão não surge de meras palavras, é necessário reconhecer que o perdão demanda transformações profundas nas estruturas da consciência.
Grande parte da problemática reside no fato de que tomamos a nós mesmos como medida para julgarmos o comportamento dos outros. Utilizamos a mesma régua, mas esquecemo-nos de que precisamos aprender lições diferentes, ou seja, todos temos defeitos e virtudes em proporções variadas. Há quem cometa erros que não cometemos mais e o inverso também é verdadeiro: por vezes, seremos nós a magoar, ferir, trair, ainda que sem premeditação ou intenção. Se queremos que aquele a quem machucamos entenda nossas limitações e nos perdoe, como vamos agir de forma diferente quando somos nós os prejudicados?1
A despeito do que digam as leis e as regras sociais, as pessoas não erram porque querem errar, mas porque não entendem2 a gravidade e a extensão das consequências das suas atitudes, seja na presente existência ou nas seguintes. É somente através da lapidação dos sentimentos e da aquisição de conhecimento que esse entendimento aflora. Tal processo pode demorar anos, décadas ou, até mesmo, encarnações. É preciso ter grandeza de espírito para tolerar, compreender e não revidar3. Devemos nos lembrar que ora seremos nós nesse processo de resgate e renovação – e precisaremos que alguém nos apoie, ora serão os outros. Como pedir tolerância quando não a oferecemos? É necessário autocrítica!
Quando na Prece Dominical dizemos “perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores”, devemos compreender que, a despeito da reciprocidade que pedimos, quem perdoa é o Criador que, em sua Justiça Suprema, aceita o verdadeiro arrependimento e a reforma íntima como condições iniciais para esse perdão, concedendo a necessária paz de espírito para o continuar da caminhada espiritual. Portanto, para que os nossos “devedores” fiquem quites com as suas próprias dívidas, eles não precisam de que nós lhe perdoemos, mas de autoiluminação para que passem a realizar o bem, muito além do mal que provocaram.
Aguardar por uma reparação, um pedido de desculpa ou punição é perda de tempo, pois não se trata de “nós” ou “eles”, mas de cada um com Deus. Urge compreender que há uma Justiça Divina, baseada na Lei de Amor, que governa a tudo e a todos: assim como o bem que fazemos não necessariamente retornará a partir do beneficiado, o mal que nos fazem pode nos ser compensado por outra pessoa. Toda e qualquer cura ou resgate provém de atos de amor e de serviço, por mãos que somente a Inteligência Maior pode explicar, mas que compõe com perfeição a Justiça de Deus.
O aparente descompasso nesse imenso sistema de “compensações” se explica porque, em Sua grandeza, o Criador, aguarda amorosamente que estejamos prontos para darmos mais um passo, conforme o tamanho das nossas pernas. Nessa caminhada, em vez de julgar, devemos nos apoiar, vez que somos instrumentos de Deus na iluminação uns dos outros.
O perdão é ferramenta poderosa que nos liberta da nossa inferioridade, dos sentimentos mesquinhos e rancorosos, e transcende as limitações impostas pelo orgulho e pela vaidade.
O fato é que “fazer aos outros somente o que desejamos para nós” continua sendo uma excelente orientação para que sejamos capazes de perdoar e seguir em paz em nossa jornada evolutiva.
Lila