O movimento da Inquisição foi um dos mais bárbaros que a História registrou.
Essa Instituição, também conhecida por Santo Ofício, era formada pelos tribunais da Igreja Católica que perseguiam, julgavam e puniam pessoas acusadas de se desviar de suas normas de conduta.
A preocupação do papa Gregório IX com o crescimento das seitas religiosas fê-lo criar em 1252 um órgão especial para investigar os suspeitos. Qualquer um que professasse práticas religiosas diferentes do Cristianismo, era considerado herege.
De início as penas eram mais brandas, como por exemplo, a excomunhão, embora a tortura fosse autorizada pelo papa para arrancar confissões.
Todavia, num segundo momento (1478), surge com toda força na Espanha, onde o alvo principal eram os judeus e os cristãos novos, como eram chamados os recém convertidos ao Catolicismo, acusados de continuarem praticando o Judaísmo secretamente. A justificativa dessa implantação mais rígida era a necessidade de fiscalizar a fidelidade desses conversos, diz o historiador Nachman Falkel, da Universidade de São Paulo (USP). E para isso utilizavam argumentos banais, por exemplo: quem usasse toalhas limpas no início do sábado, ou não comesse carne de porco, era acusado de Judaísmo.
As punições tornaram-se mais pesadas com a instituição da morte na fogueira, da prisão perpétua e do confisco de bens. Incalculável o número de pessoas condenadas e executadas.
Foi a imposição religiosa mais cruel de que temos notícia.
Vale lembrar que esse erro repetiu-se com o Protestantismo, com idênticas finalidades e consequências, embora no início dessa nova doutrina, a tolerância fosse obrigatória; mas assim que o movimento adquiriu maior impulso, também o Protestantismo perseguiu e oprimiu.
Nos dias atuais ainda encontramos muita alma inquisitorial escondida sob a veste de diferentes seitas. Óbvio que essas deformações filosóficas não cabem propriamente às Instituições Religiosas, mas sim, aos homens que as dirigem.
Em geral, tais Instituições têm início na pureza e simplicidade das ideias que as originaram, mas com o correr do tempo, forma-se à volta delas um mecanismo de poder temporal necessário, uma vez que essas ideias devem ser propagadas. São, então, criados encargos e obrigações que redundam em funções administrativas responsáveis para manter acesa a chama sagrada do culto. Começa então, a luta pelo poder. E assim, lentamente, vão perdendo o objetivo espiritual para o qual foram criadas, cedendo lugar ao poder dos interesses materiais.
Recorremos à História para citar o exemplo dos judeus na Espanha. Houve um tempo em que o papa Honório III lhes garantiu a prática das suas cerimônias e prescreveu que nenhum judeu poderia ser forçado a se converter ao Cristianismo. Terminava, desse modo, a perseguição a eles.
Entretanto, ao passar dos anos, os israelitas conquistaram relevantes posições nos negócios, nas Artes, nas Ciências, na Administração Pública, tornando-se ricos e poderosos. Não contentes com sua opulência, faziam questão de lançá-la ao rosto dos católicos (entenda-se cristãos) empobrecidos. Tornaram-se arrogantes, desprezando a comunidade cristã acusando-a de sub-raça incompetente.
Pagaram um preço alto por tais desvarios, ao surgir na época, a figura sinistra do frei Hernando Martinez, que se transformou no maior pregador antissemita. Sua palavra sanguinária influenciou multidões que, enfurecidas, mataram judeus, depredaram suas propriedades, roubaram seus bens.
Nessa situação deplorável, milhares de judeus recorreram à Igreja, mais interessados em salvar seus bens e a si mesmos, do que salvar suas almas. Era assim que surgiam os conversos, os cristãos novos. Pelo batismo, tornavam-se cristãos e como judeus estavam a salvo dos inquisidores.
Isso em teoria, porque o batismo não tinha o poder de lhes infundar, de uma hora para outra, toda uma teologia que no íntimo desprezavam, para superar aquela que lhes estava arraigada no Espírito pela tradição milenar. Muitos praticavam o Cristianismo abertamente e o Judaísmo às escondidas.
O leitor deve estar se perguntando a que vem essa história dos judeus. Dizemos que, apenas para ilustrar uma questão de suma importância: religião não se impõe a ninguém. Cabe a nós chegar até ela pelos nossos próprios recursos e interesses.
Sempre que alguém quer nos tirar à força do lugar em que estamos, não arredamos pé. Os motivos podem ser bem intencionados, mas não podemos “salvar” aqueles que não desejam ser salvos, segundo nosso modo de entender a salvação.
O desejo de querer converter o outro aos princípios religiosos que esposamos tem como fundamento, a salvação, que, por ironia, não está na posse de religião alguma, senão no próprio indivíduo, conforme as transformações morais que venha a conquistar no combate às paixões inferiores que lhe maculam o Espírito.
A propósito da “salvação”, deixo ao leitor, interessante reflexão do conceituado escritor espírita Hermínio C. Miranda:
“O céu teológico é uma fantasia das mais prejudiciais ao Espírito humano. O crente que morre em estado de graça e se julga com direito inalienável à sua vaga no céu experimenta as mais amargas decepções e revoltas, pois, infelizmente, para ele as coisas não se passam como lhe disseram e asseguraram. A distância entre o homem e Deus não se vence numa simples arrancada, ao cabo de uma única existência, ainda mais quando essa vida teve apenas um arrependimento de última hora, depois de longo período de erros.
É muito cômodo pecar à vontade e depois, no apagar das luzes, fazer uma boa confissão, comungar piedosamente e partir direto para Deus. A verdade, porém, é outra.
Admito que muitos desses arrependimentos sejam absolutamente sinceros e movidos pela mais pura e legítima das intenções. O caso é que arrepender-se é apenas metade do caminho ou nem isso – a maior porção da estrada é fazer bem o que se fez errado, reparar o mal que se praticou. Quem bate esquece – diz o provérbio – , mas quem apanha lembra sempre”.
Yvone
Fontes de consulta
- Revista Superinteressante de 18 de abril/2011.
- Os Procuradores de Deus – Hermínio C. Miranda – textos 32 a 35.