O significado da palavra inspiração, que nos interessa explorar, difere do ato fisiológico de absorção do ar para os pulmões, conquanto a origem latina seja a mesma (inspiratione) e haja similitude de conceitos no que concerne à captação de algo externo. Trataremos das sugestões e das insinuações que as mentes transmitem umas às outras, o que nos situa na orla dos fenômenos psíquicos.
Somos individualidades capacitadas a emitir e captar pensamentos – ao mesmo tempo psicotransmissores e psicorreceptores – cada qual em determinado grau, tal como se dá na sensibilidade mediúnica, isto é, mais ou menos intensa, mas sempre espontânea, independentemente da vontade do agente. Com efeito, “O autor espiritual desencarnado, André Luiz, em seu livro ‘Mecanismo da Mediunidade’, ensina-nos que o pensamento é uma onda mento-eletromagnética, isto é, uma onda eletromagnética emitida pela mente do Espírito, que se gradua nas mais diversas frequências, variável, em função do grau de desenvolvimento de cada um. Assim, a mente de cada Espírito irradia, para o espaço, isotropicamente (em igual intensidade para todas as direções), fluxo de ondas pensamento de frequência específica, semelhantes às ondas de televisão que transportam pelo espaço, sem se anularem ou colidirem, imagens, sons, cores, movimentos, formas etc”. ([i])
Ao cabo desta breve introdução, avançamos para o estudo desses fenômenos naturais pertinentes à comunicabilidade dos Espíritos.
Allan Kardec cuidou das comunicações mediúnicas via intuição e inspiração, apontando suas sutilezas (itens 180, 182 , 190 e 191 de O Livro dos Médiuns). Os inspirados constituem uma variação da faculdade intuitiva, com a diferença de que a intervenção de uma força oculta é aí muito menos sensível, por isso que, ao inspirado, ainda é mais difícil distinguir o pensamento próprio do que lhe é sugerido. Não obstante os diferentes conceitos emitidos pela Ciência, para o Espiritismo a palavra intuição pode refletir três tipos básicos de ocorrências : a) manifestação da faculdade anímica ou emancipação da alma; b) expressão da faculdade mediúnica; c) lembrança de aprendizado adquirido em épocas passadas e/ou no plano espiritual.([ii])
Robert Dale Owen (1801/1877), devotado estudioso e divulgador da Doutrina Espírita nos Estados Unidos, pontifica: A forma mais simples e mais usual de inspiração é a comumente chamada a do gênio, cujos resultados aparecem em eminentes trabalhos literários, em primores de arte, em algumas das nossas mais maravilhosas descobertas científicas e invenções mecânicas. ( [iii])
Alguns exemplos de inspirações geniais confirmam a assertiva:
Mozart chegou a revelar que, quando em estado de quietude, ouvia espiritualmente linhas melódicas completas e acabadas, que ele ia retendo na memória, de sorte a ter uma visão estática da peça toda, com suas partes executadas ao mesmo tempo, o que seria impossível em estado normal de consciência. ([iv]) Dissera ele em uma carta a certo amigo: “Dizeis que desejaríeis conhecer o meu modo de compor e o método que sigo escrevendo obras de alguma extensão. Sobre isso, não vos posso dizer mais do que o seguinte, porque eu mesmo nada mais compreendo, nem vos posso expor; “quando me torno completamente eu mesmo, quando estou inteiramente só e bem disposto, viajando em carruagem, passeando depois de uma boa refeição, ou de noite, quando não consigo conciliar o sono, é que sinto as ideias me assaltarem com mais força e abundância. Donde e como elas me vêm, não sei dizê-lo” (……) ”Mas o melhor é depois, a audição do todo completo. Não posso esquecer facilmente o que assim se produziu. Este é, talvez, o melhor dom que me concedeu o Divino Criador”. ([v])
Sócrates, ao se defender de acusações diante de juízes, referiu-se a influências divinas e espirituais que o impediram de se envolver na política e de cometer injustiças. Beethoven revela a Bettina sentir que a corrente da melodia saia do foco da inspiração a se derramar por todos os lados, corrente essa que ele seguia apaixonadamente, mas que algumas vezes lhe escapava e ele a retomava, sendo-lhe impossível apartar-se dela (Goethe citado por Robert Owen). ([vi])
Engana-se quem imagina que as inspirações constituem privilégio das mentes iluminadas, pois, como aclarado, todos somos receptores. A qualidade da inspiração depende da pureza da fonte de onde ela emana. Os homens de gênio, posto serem Espíritos adiantados, recebem inspirações elevadas em benefício do avanço das Artes, Ciência, Tecnologia e sobretudo do progresso espiritual da Humanidade. Mas quem não esteja nesse padrão será inspirado na razão direta de sua evocação e capacidade de assimilação. Questão de sintonia. A observação de Emmanuel é por demais esclarecedora: “As inspirações e os desígnios do Mestre permanecem à volta de nossa alma, sugerindo modificações úteis, induzindo-nos à legítima compreensão da vida, iluminando-nos através da consciência superior, entretanto, está em nós abrir-lhes ou não a porta interna” (Vinha de Luz, 11 – Abre a porta).
Considerando que nossa faculdade receptora ainda não é seletiva como deveria, segue-se estarmos com nossos canais permanentemente abertos para as inspirações de variados padrões, sintonizados mais facilmente com aquelas de baixo teor vibratório, que fatalmente nos conduzem a comprometimentos.
A História Universal revela individualidades famosas que se enredaram com mentes malignas, cujos nomes preferimos omitir porque muitas delas podem estar trilhando os árduos caminhos regenerativos, merecendo ser poupados nesta fase. Mas isso não impede que o querido leitor as identifique em seu próprio acervo cultural.
Experimentemos um exemplo rudimentar sobre a faculdade humana em pauta: numa sala de aula, o professor recebe uma inspiração inopinada sobre a forma de abordagem de determinado tema, que facilitará sobremaneira a assimilação pelos alunos. Esmera-se na exposição, convicto de que todos absorveriam plenamente a lição. Contudo, certo discípulo de mente distraída, captava influência exterior que por ali gravitava simultaneamente, mas em outra faixa vibratória, levando-o a se desviar para interesses incompatíveis com o conteúdo da aula. O tempo, o lugar e as pessoas eram os mesmos. Contudo, aquela aula ficou perdida para o desatento, que haverá de buscá-la na recuperação ou na repetência.
Assim ocorre com as lições de vida, cercadas de inspirações dos mais variados matizes, às quais nos curvamos por sintonia. Disso resulta a necessidade de aprimoramento pessoal de molde a nos habilitarmos a captar as ideias cada vez mais iluminadas, em substituição àquelas que prejudicam nosso progresso. Este despertar depende de uma constante autoanálise e de conquistas individuais, personalíssimas. De degrau em degrau, devagar, mas sempre e resolutamente, alcançaremos a faixa por onde transitam as melhores inspirações, abandonando aquelas que ainda hoje nos induzem a decisões equivocadas.
Marcus Vinicius
[i] A Influência dos Espíritos no nosso dia a dia – Wladimyr Sanchez – USE – pág.71.
[ii] Febnet.org.br/portal/2022/05/27. Acesso em 27/11/2023.
[iii] Região em litígio entre este mundo e o outro – 4ª edição – FEB – pág. 222
[iv] Sobrevivência e comunicabilidade dos Espíritos – Hermínio C. Miranda – 5ª Edição – FEB – Cap. 11 – Inspiração e Mediunidade – pág. 251.
[v] Região em litígio entre este mundo e o outro – 4ª edição – FEB – págs. 224/225
[vi] Idem, pág. 224.