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Muitos são os antagonismos que permeiam o relacionamento do homem sobre a Terra. Povos de diferentes etnias e orientações religiosas definem para si conceitos muito diversos de certo e errado, com base em costumes e crenças que se tornam leis. Casamentos precoces, sacrifício animal, poligamia, intervenção bélica e muitas outras práticas chocam oriente e ocidente, cada qual a seu tempo. Sob essa ótica, tais definições dependem de fatores não universais, pois se adequam aos diferentes graus evolutivos entre os povos, divididos geopoliticamente. Essa é a razão pela qual há núcleos tão distintos, sobre nosso planeta: cada grupo atende aos diferentes estágios morais, intelectuais e espirituais, conforme requerido em cada processo encarnatório.
Temos um outro tipo de antagonismo, mais profundo que o “certo e errado”, porque permeia a consciência humana desde que dela se tem percepção e nos traz um caráter de urgência para os tempos atuais: bem e mal antagonizam-se principalmente porque esbarram em nossa relação com o próximo, nossa vocação para o auxílio, nossa visão para o etéreo.
Como diferenciar os dois conceitos? É preciso compreender que, sendo Deus a essência absoluta do Universo, está acima das referências religiosas (já desgastadas pelos interesses humanos). Segundo definições simplificadas da Codificação Espírita, “[…] o bem é tudo o que é conforme à lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta”. Enquanto as divergências culturais sobre “certo e errado” são aceitáveis, há certa unidade na compreensão de que o Bem é tudo aquilo que não afeta o outro e o Mal, aquilo que se faz com a intenção de prejudicá-lo.
A prática do bem é uma questão moral (não prejudicar o outro). “A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando faz tudo pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus”, esclarece Kardec, na questão 629 de O livro dos Espíritos. Em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 17, item 8, temos que o bem está relacionado à virtude: “A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. […]”.
A luta entre bem e mal esbarra nos elementos de provação do Ser, em seu caminho de aprimoramento moral e espiritual. Os pecados prestam serviço, na medida em que o Espírito pode utilizar seu livre-arbítrio para vencê-los ou por ele ser vencido, como nos alerta Jesus: “Em verdade vos digo: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo”. (João, 8:34).
Muitas são as condutas que podem ser elencadas como pecados. No século IV, o monge e escritor grego Evagrius Pôntijos apresentou no livro Origens Sagradas de Coisas Profundas a primeira relação dos chamados “pecados capitais”, não só por sua recorrência, mas pelo risco de comprometer o aprimoramento espiritual do homem. Assim surgiram as referências para gula, fornicação, avareza, descrença, ira, desencorajamento, vanglória e soberba. Dois séculos depois, o papa Gregório Magno excluiu dessa lista a descrença e o desencorajamento. Em 1273, São Tomás de Aquino, em Suma Teológica, substituiu a fornicação pela luxúria, eliminou a vangloria e incorporou a inveja e a preguiça.
Todos, a seu tempo, referiam-se aos pecados como barreiras para a evolução espiritual, pois sem o “orai e vigiai”, torna-se mais sofrível vencer o apego excessivo aos bens materiais (avareza); é dificultoso combater os prazeres excessivos da comida (gula) ou do sexo (luxúria); é fácil nos considerarmos superiores aos demais (soberba), ou desejar para si aquilo que não nos pertence (inveja); adiar as decisões com a procrastinação (preguiça) e viver em beligerância com o mundo (ira)…
Cada um deles, no entanto, tem seu oposto, virtudes que muito nos auxiliam nessa reconstrução, retratadas em A Divina Comedia, de Dante. No combate à Ira está a Paciência. Contra a Inveja oferecemos a Caridade. A Preguiça é afastada pela Diligência. Para vencer a Gula há a Temperança. A Soberba é vencida pela Humildade. Combatemos a Luxúria com a Castidade. Já a Avareza é neutralizada pela Generosidade.
Esses sete “defeitos” têm outros que os complementam, mas, de todos os pecados, a soberba é considerada a mais letal para o Espírito, pois representa o estágio mais avançado e doentio do orgulho, “…o mais temível de todos os vícios”, como afirma Léon Denis na quinta parte do livro Depois da Morte – a Existência da Reencarnação, em seu capítulo XLV. O autor o descreve como o flagelo da Humanidade, pois além de nos afastar do amor do próximo por nós, nos ilude sobre o nosso valor, “cegando-nos sobre os nossos defeitos” e impedindo nossa evolução.
Outro elemento a ser combatido é o egoísmo, “…o maior obstáculo que se opõe a qualquer aperfeiçoamento social… e neutraliza e torna estéreis quase todos os esforços do homem para o bem”. Voltamos, pois, ao paradoxo de Bem e de Mal e concluímos que essa batalha está dentro de cada um de nós. Ela é vencida dia a dia pela prática da caridade, pelo altruísmo e pela abnegação. A fórmula parece muito simples: praticar o bem é pensar no próximo, dedicando-lhe amor e desejando-lhe o melhor, “como a ti mesmo”.

Vanda Mendonça

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