Desde os primórdios, o Homem vive inúmeros tormentos por causa da sua relação com a matéria. Nas famílias, o apego aos bens não raramente cria litígios e destrói os laços afetivos; na esfera pública, gera a corrupção, que indiretamente mantém os povos na ignorância e mata; na política, causa disputas por territórios, levando à guerra e devastando sociedades inteiras.
Mas os danos dessa relação nociva não param por aí. No último século, estudiosos da mente humana repararam que as consequências desse vínculo iam muito além do prejuízo material, chegando a afetar de forma penosa a psique[1] humana.
Os Espíritos nos explicam, no capítulo XVI de O Evangelho segundo o Espiritismo, que ao se concentrar em adquirir bens materiais, o Homem pode perder de vista o que é realmente importante e valioso na vida. O apego à riqueza e às aparências pode levar a uma vida vazia e sem sentido, onde o indivíduo se sente insatisfeito e infeliz.
Esse descontentamento muitas vezes se transforma em depressão, ansiedade e outros distúrbios psicológicos decorrentes do fato de não estarmos atendendo à nossa vocação. Tratando-se de Seres espirituais, deveríamos ter a capacidade de entender que a matéria jamais será capaz de nos completar. Ela é tão somente um meio para que possamos atingir a finalidade da evolução espiritual, mas não é um fim em si.
Então, o que nos leva a termos tanto apego às coisas, à aparência, à fortuna? Observamos que aqueles que vivem em função do dinheiro, da autoimagem e dos bens materiais costumam ter ao menos uma das duas características: (1) a falta da fé no porvir e/ou (2) a incredulidade na pluralidade das existências e na imortalidade da alma.[2]
Quando uma pessoa não possui a fé no porvir, não consegue acreditar que a Providência Divina lhe abençoará o trabalho, provendo-lhe as necessidades, na medida em que ela mesma faça o seu melhor. A falta dessa crença a faz ter apego às coisas materiais e medo de perder o que já possui. Tais indivíduos, de modo geral, não sabem partilhar e não são caridosos, pois acreditam que algo pode lhes faltar. Eles podem até acreditar na necessidade da caridade, mas sempre adiam para um momento mais oportuno, que nunca chega.
A falta de crença na reencarnação e, por consequência, na imortalidade da alma, faz com que o sujeito queira viver tudo o que pode na existência atual. Ele pensa: se não há nada após o túmulo, por que não viver acumulando bens para poder esbanjar, consumir e saciar as vontades da carne e a vaidade sem tanta preocupação com o seu interior, sem alimentar o próprio Espírito, já que a vida acaba “logo ali”?
Mas não! Somos seres imortais. Vivemos, desencarnamos e renascemos repetidamente para que possamos cumprir com a nossa missão evolutiva. Temos em nosso DNA espiritual o progresso como meta e responsabilidade para conosco e para com o crescimento do orbe onde vivemos. O apego aos bens terrenos é um dos principais obstáculos ao adiantamento do Homem.
O Evangelho segundo o Espiritismo traz, em seu capítulo II, item 8, o depoimento “Uma Rainha de França”. Encarnada, ela não foi uma boa monarca para seu povo. Após o desencarne, a soberana reconheceu a esterilidade das honras e grandezas terrenas, falou sobre a ilusão dos bens materiais e a humilhante recepção no plano espiritual.
A governante acrescentou a importância da abnegação, humildade, caridade e benevolência para alcançar o reino celestial que Jesus prometeu, além da necessidade de ajudar os outros: não se vos pergunta o que fostes, nem que posição ocupastes, mas que bem fizestes, quantas lágrimas enxugastes.
O ditado popular “dinheiro não traz felicidade” se refere à verdadeira felicidade, aquela que perdura no plano espiritual à qual a rainha de França se referiu em sua mensagem. Todavia, caro leitor, atente que não queremos demonizar justamente o elemento que viabiliza o crescimento dos povos e do planeta como um todo. Nosso alerta se refere à importância de sabermos discernir a nossa finalidade (desenvolvimento pessoal e do planeta) dos meios para atingí-la (dinheiro), sem inverter a lógica do nosso propósito no globo terrestre.
Diz O Evangelho segundo o Espiritismo, em seu capítulo XVI item 7, “se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem. […] Compete ao homem fazê-la produzir o bem. […] Se não é um elemento direto de progresso moral, é, sem contestação, poderoso elemento de progresso intelectual. […] Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta.”
É coerente, pois, afirmar que toda matéria existente é ferramenta criada pelo Pai da Vida para que cumpramos a nossa meta encarnatória. O Homem é mero usufrutuário desses bens, tendo a responsabilidade de produzir, multiplicar e distribuir a riqueza, na forma da criação de postos de trabalho, de tecnologias, investir em saúde e educação, aplicando todas as bênçãos recebidas no crescimento das sociedades e do planeta[3].
Contudo, não subestimemos as pequenas doações que, somadas, são capazes de trazer um bem imediato com a mesma dimensão de uma grande ação. Cada um deve fazer o que está ao seu alcance, dentro da quota material que lhe coube. Deus ajuda a criatura através da criatura. Somos todos instrumentos de execução da obra do Pai! Quando desencarnarmos, deixaremos tudo para que outros continuem a tarefa na qual trabalhamos.
A verdadeira propriedade do Espírito é somente o que podemos levar deste mundo: o conhecimento adquirido, os sentimentos lapidados e as realizações em prol do próximo. Mantenhamos em mente que a finalidade da nossa encarnação é o aprimoramento de nós mesmos e do orbe, e que os bens materiais são somente um meio para viabilizar esse fim.
O desprendimento da matéria é um passo importante no caminho para uma vida mais plena e significativa. A verdadeira felicidade somente será encontrada na realização de valores mais elevados como o amor, a solidariedade e a compaixão.
Lila
[1] Psique é a palavra com origem no grego psykhé e que é usada para descrever a alma ou espírito. Também é uma palavra relacionada com a psicologia, e começou a ser usada com a conotação de mente ou ego por psicólogos contemporâneos para evitar ligações com a religião e espiritualidade.
[2] KARDEC, Alan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo II, itens 5 ao 7.
[3] KARDEC, Alan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo II, itens 9 ao 13.