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Você já se perguntou a função do erro na vida do homem? Muitas pessoas diriam que erramos para aprender. Todavia, essa é uma resposta puramente intelectual, porque, intimamente, todos temos medo de falhar. Se realmente acreditássemos que o erro pode ser proveitoso, por que o temeríamos?

Há registros de que, há quase quatro milênios, governos e religiões vêm colocando a punição e o sofrimento como condição primordial para a redenção[1]. Essa era uma necessidade disciplinadora e moralizadora, dado o alto grau de imaturidade espiritual da Humanidade.

Sucessivas reencarnações vêm burilando a consciência do Ser ao longo da história da Humanidade. Chegamos a um grau de evolução moral em que as pessoas já são capazes de sentir quando estão em erro, ainda que apenas subliminarmente.

Adentramos o século XXI e, a despeito da nossa evolução, na maioria das nações o sistema penal continua punindo em vez de buscar a reforma do infrator, as religiões ainda pregam o sofrimento como forma de expiação e as crianças são educadas pela via da culpa. Por consequência, o erro vem consistentemente sendo visto como sinônimo de fracasso. Essa crença ficou cristalizada na cultura dos povos, não somente pela tradição, mas por sermos nós os mesmos Espíritos que vivenciaram os costumes milenares.

Hoje em dia, fala-se bem mais em tolerância e solidariedade a ponto de já termos consciência de que o erro pode ser sinônimo de oportunidade de aprendizado, mas ainda não praticamos o que teorizamos, pois, invariavelmente, sofremos ao falhar, muitas vezes na forma de culpa, vergonha e remorso.

Urge nos convencermos de que podemos mudar esse ambiente mental que nos impede de evoluir mais rapidamente. Importa-nos, então, racionalizar a questão, entender quando o sofrimento é útil e como aproveitar o erro.

Sob a perspectiva Espírita, os suplícios não expiam as nossas dívidas: “só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta se não atinge o homem no seu orgulho, nem nos seus interesses materiais”[2]. Pela dor, o homem vence o seu orgulho e a sua vaidade e prioriza os valores intangíveis que o levarão à verdadeira evolução espiritual. Notemos que a função do sofrimento não é punitiva, mas pedagógica. Quantos exemplos já vimos sobre experiências de doenças terminais ou de ruína material que transformaram seus atores em pessoas mais caridosas e tolerantes!

Por essa mesma lógica, também a dor gerada pela autopunição não leva à redenção. A imersão na autopiedade nos conserva em inércia e nos atrasa em todos os sentidos. O sofrimento sem aprendizado mantém a frequência das vibrações nas zonas inferiores e é capaz de levar seu sujeito à depressão e a atrair obsessores, sem qualquer resultado positivo do ponto de vista ascensional.

O Evangelho traz inúmeros exemplos do Cristo e não encontramos qualquer fato relativo ao estímulo às (auto)punições. Ele, antes, compreendia as criaturas por saber da sua fragilidade e falibilidade, e via os erros como consequências naturais da fase evolutiva pela qual a Humanidade estava passando.

Na mão inversa da penalização, O Mestre atuava como verdadeiro psicólogo. Ele sabia que ninguém erra porque quer, mas por ignorar as próprias potencialidades Divinas e não ter consciência dos objetivos maiores relacionados à sua existência. Estava ciente de que a inferioridade espiritual do homem muitas vezes o induz a escolhas contrárias ao próprio bem-estar. Assim como viveu, desencarnou: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.”[3]

Jesus sabia que o erro é componente essencial ao processo de aprendizagem e de evolução do Ser Humano. São as escolhas equivocadas que fazemos ao longo da vida que nos permitem angariar experiências e criar referenciais para podermos tomar as decisões relativas ao nosso dia a dia e futuro. Então, engana-se quem acredita que o erro em si é um problema. Dependendo de como encarado, ele pode ser um obstáculo ou uma mola propulsora.

Falhar ao longo do percurso é inevitável, mas as decisões tomadas a partir de cada tropeço é o que diferenciarão as trajetórias de cada um de nós: quando nos recusamos a compreender e assimilar as lições, elas retornam às nossas vidas revestidas em novas embalagens.[4] Ao negarmos nos reconhecer falíveis, estimulamos o orgulho, aumentando o risco de errarmos novamente e cairmos em um ciclo estagnador.

É passado o tempo em que o erro nos tornava indignos ou incompetentes; precisamos começar a senti-lo como oportunidade evolutiva. Para sermos capazes de aproveitá-lo, devemos reconhecer a nossa falibilidade, esquecer os adjetivos que nos limitam e buscar entender como deveríamos ter agido para obtermos resultados mais salutares. Se formos humildes, identificarmos a oportunidade de fazer melhor e buscarmos não somente a reparação, e acertar mais do que errar dali em diante, o sofrimento passará a ser menos frequente em nossas vidas.

Sim, fomos criados imperfeitos, mas recebemos os recursos do intelecto e da consciência para a absorção de conhecimento e reflexão. Não precisamos ficar repetindo padrões de comportamento aprendidos em encarnações passadas. Já temos conhecimento suficiente para compreendermos que Deus não castiga, que a política “olho por olho dente por dente” não compensa, que a autoflagelação não resgata e que a autopiedade não redime.

Sabemos que não é fácil se desvencilhar de hábitos profundamente arraigados. É necessária muita vigília, mas percebamos que a mudança de paradigma que propomos foi exemplificada pelo Cristo há dois mil anos! O Pai é justiça e amor, não quer que soframos, mas que aprendamos. O sofrimento é produzido pelo próprio homem quando se recusa a aprender.

Se errar é humano, acertar também o é! Não nos detenhamos na ideia do sofrimento como redenção. Só evoluímos quando aprendemos!

 

Lila

 

[1] O código de Hamurabi é o primeiro código de leis registrado por escrito, criado na Mesopotâmia por volta do séc. XVIII a.C. Ele versava sobre crimes e penas. Moisés apresentou um Deus único e bravio no séc. XIII a.C., juntamente com os “Os Dez Mandamentos à Humanidade” e um conjunto de leis disciplinadoras. A cultura greco-romana apresentou Deuses coléricos e vingativos, que disciplinavam pelo medo.

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 1000.

[3] Lucas (23:33-34)

[4] Adaptado de: HAMMED (espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). A imensidão dos sentidos. Cap. “Falibilidade”.

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