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Ainda lembro da primeira palestra que assisti no Centro Espírita Caminho da Paz: A felicidade não é deste mundo[1]. Na lousa, o expositor havia escrito: “Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.[2]

Em 30 minutos de parlatório sobre o tema, foram semeados importantes conceitos para que eu iniciasse a minha jornada para a fé raciocinada: entendi que estamos em um mundo de expiação e provas, onde as aflições são pedagógicas e necessárias à nossa evolução, logo, eu deveria ser resiliente e atuar apenas naquilo que estava ao meu alcance. Além disso, soube que eu não estava sozinha, pois cada um tem um Espírito Protetor designado para si. Que alento!

Apesar da imediata afinidade com a Casa e seus frequentadores, saí daquela reunião sem estar convencida de que a felicidade não é deste mundo. Como assim não podemos ser felizes na Terra?!?! Não é o que todos perseguimos?

Hoje entendo que não se trata de não poder ser feliz, mas de não sermos capazes de fazer perdurar esse estado de contentamento. A felicidade terrena é fugaz, ela se alterna com a dor. E um dos principais motivos para essa dificuldade de sustentar o estado de graça é: nós não sabemos amar! Esse saber amar começa nas coisas mais insignificantes do dia a dia e se estende até as relações humanas.

Permita-me exemplificar com uma experiência pessoal: particularmente, nunca gostei de cozinhar. Ora a comida queimava, ora esquecia um ingrediente… Enquanto cozinhava, eu ficava pensando que preferia estar fazendo outra coisa e, mesmo sem querer, transparecia o meu desagrado, contaminando o ambiente e as pessoas ao meu redor.

Durante a pandemia de COVID e mais madura, encontrei-me em situação semelhante. Mas entendi que, se não dominasse a minha irritação por ter que assumir o fogão em tempo integral, a convivência familiar ficaria insuportável. Desta feita, resignei-me e investi meu intelecto no aprendizado da culinária doméstica. Enquanto cozinhava, colocava toda a minha energia e atenção no que fazia. Em poucos meses, raramente queimava a comida ou esquecia os ingredientes e terminava a tarefa com a sensação de trabalho bem-feito; cansada, mas genuinamente satisfeita.

Essa experiência me ensinou que o foco e a energia que depositamos nas tarefas transformam o nosso sentimento de desgosto em contentamento. Não precisamos amar o que fazemos para fazermos com amor. Todavia, para sermos recompensados com a felicidade, o amor precisa marcar os nossos afazeres. Para tanto, é necessário escolhermos estar presentes no presente e nos importar com o resultado, ainda que ele não saia como o previsto ou desejado.

Quando se trata das relações humanas, segundo Haroldo Dutra Dias nos explica em sua obra Despertar – Nossos desafios na transição planetária”, um dos bloqueios para amarmos plenamente é o nosso instinto de autopreservação. Já não necessitamos mais desse impulso inconsciente da mesma forma que nos primórdios, mas ele permanece presente em nosso DNA espiritual e insiste em nos colocar dentro de uma zona de conforto. Então, é natural que busquemos pessoas e ambientes com os quais tenhamos afinidade, pois é onde nos sentimos seguros.

Na família, no lazer ou no trabalho, há aqueles a quem elegemos para devotar afeição e confiança. Contudo, quando as opiniões divergem repetidamente, tendemos a nos decepcionar e nos afastar. É como se o outro já não fosse mais digno de nós. Então, simplesmente, deixamos de amar.

Não é fácil aceitar quem discorda ou quem não compreendemos, porque o conflito nos tira da zona de conforto e exige grande dose de autocontrole e boa vontade. Às vezes, não temos capacidade suficiente para lidar com as divergências, e nos acomodamos no estado primitivo em que o instinto de autopreservação nos diz que é mais seguro amar quem é o nosso espelho. Por isso, nos afastamos.

Quantas vezes nos apartamos de alguém sob o pretexto de que “ele mudou”? Uma análise mais apurada poderá mostrar que a relação acabou porque percebemos uma discrepância evolutiva e que não há mais afinidade. Em inúmeras situações, nossa inferioridade espiritual ainda nos coloca como referência para as nossas medidas. Iludidos, procuramos pelo nosso reflexo em vez de buscarmos nos melhorar. E nesse processo narcisista, cremo-nos vítimas, perdemos a oportunidade de aprender e esquecemos de amar. [3]

Entendamos: o amor está relacionado à disponibilidade emocional e começa no sentimento que colocamos naquilo que fazemos. Então, antes de fazer algo ou falar com alguém, pergunte-se: com qual sentimento eu farei isso? Se ele não tiver origem nobre, pare e pense: de que forma é possível modificar esse sentimento? Busque a resposta nos seus conhecimentos evangélicos: caridade, tolerância, indulgência, perdão, gratidão.  Inspire-se nos inúmeros exemplos dados pelo Mestre. Eduque o seu “sentir” para ser capaz de amar verdadeiramente.

Jesus sabia o quão difícil é, para nós, nos desvencilhar dos comportamentos automáticos que se enraizaram em nosso Espírito ao longo de inúmeras encarnações. Por isso, ensinou-nos a necessidade de orar e vigiar. Quando oramos, a conexão com o nosso Espírito Protetor se estreita e podemos intuir a sua influência benéfica, que nos auxilia nos momentos mais sensíveis. A nossa vigília, por sua vez, precisa ser constante, para que identifiquemos a emoção que nos motiva, permitindo-nos educá-la.

Em sua obra “Uma razão para viver”, Richard Simonetti sabiamente diz que “A felicidade não é uma estação na viagem da existência; é uma maneira de viajar”. Ou seja, não faz sentido esperar evoluir para ser feliz em algum ponto da vida. É necessário, sempre, concentrar toda a energia e vontade no momento presente, fazendo o nosso melhor. A única forma de ter contentamento ao longo da jornada terrestre é sentindo, pensando e agindo com amor.[4]

Lila

[1] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap V, item 20.

[2] Mateus 5:12

[3] Intencionalmente, mantive fora desse artigo o tema “amar os inimigos”, contido em KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap XII, pois, aqui, o instinto de autopreservação grita mais ainda em nosso interior e o conceito é um tanto diferente da abordagem desse artigo.

 

[4] Artigo inspirado na obra de Haroldo Dutra Dias, Despertar – Nossos desafios na transição planetária. Ed. Intelítera.

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