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Ainda é frequente nos dias de hoje que os homens emprestem a Deus os seus humores e tendências, mantendo o Criador como uma espécie de imagem e semelhança da criatura.

Muitos afirmam que Deus faz milagres, e justificam sua premissa afirmando que o Criador assim procede para atestar o seu poder.

E a criação, bela, útil e harmônica se vê, de repente, privada de uma ou outra Lei imutável por definição, para que um deus caprichoso de face humana mostre a todos que ele pode tudo, inclusive derrogar aquilo que criou.

Mas toda estética do conjunto, as forças dinâmicas do Universo, a manifestação equalizada da Natureza, a existência de Leis que hão de reger o micro e o macro são, por si só, demonstrações da existência de um Criador por trás desta maquete perfeita a que chamamos criação.

Vindo de Deus, tudo é perfeição e como tal tem a natureza da imutabilidade.

Por isso o Criador não derrogaria, mesmo que pequena parte de suas Leis, para atender a impulsos que fossem eminentemente humanos, e não divinos – o de provar o seu poder por uma ação miraculosa.

Também o “demônio” não poderia derrogar essas mesmas Leis, como querem alguns cristãos que parecem cultuar mais a Lúcifer do que a Deus, pois que se o diabo pudesse alterar as disposições de Deus, sem a sua permissão, colocaria em xeque a onipotência do Criador, e então teríamos uma confusão de deuses ou gênios que se dividiriam entre o bem e o mal – os milagres bons seriam de Deus e os milagres maus do demônio, de modo que voltaríamos no tempo e rogaríamos por Moisés, buscando reviver a imperecível instituição do Deus único.

Por qualquer ótica que se examine a questão, constata-se que não há razão para a modificação da Lei, como bem afirmado pela letra de A Gênese, cap. XIII, 15: “Não sendo necessários os milagres para a glorificação de Deus, nada no Universo se produz fora do âmbito das leis gerais. Deus não faz milagres, porque, sendo, como são, perfeitas as suas leis, não lhe é necessário derrogá-las.”

E, se o Criador não faz milagres, seu maior emissário, O Cristo, também não, mesmo que se contem os 38 fenômenos no Evangelho rotulados como excepcionais, invulgares e, sobretudo, inexplicáveis.

Para os teólogos, a ocorrência desses fenômenos representa a alteração da Lei imutável, criando excepcionalidades que são típicas dos homens, e não de Deus.

Porém, dos 38 eventos tidos como milagrosos, 24 deles ocorrem todos os dias nas casas espíritas e espiritualistas, nos templos católicos e protestantes, diferindo entre si apenas pelas técnicas utilizadas, e não pelos efeitos que logram atingir.

São as curas das doenças do corpo e as práticas de afastamento de Espíritos obsessores, conhecidas por cristãos não espíritas como expulsão dos demônios, e pelos espíritas por desobsessão.

As frequentes repetições desses fenômenos invalidam qualquer discurso que os queira enquadrar como atos admiráveis ou sobrenaturais, exatamente porque lhes falta a excepcionalidade que as teorias sobre os milagres afirmam que tais eventos devam ter.

Sendo comuns entre nós, mesmo que inexplicáveis ante os fundamentos das leis conhecidas pela Ciência, é forçoso reconhecer-se que há outras Leis que regem a grande maioria dos milagres praticados por Jesus, que foram constatadas pelo empirismo, pela experiência daqueles que, de boa vontade, amor e desprendimento, mimetizaram o Cristo de Deus, impondo as mãos em ação de cura ou na expulsão fraterna dos obsessores, oferecendo valioso material sobre a singularidade de alguns encarnados dotados de energia vital curadora, e de como esse processo, eminentemente biológico, se concretiza no cosmo espiritual do enfermo, além de constatarem, dentre outros detalhes, a necessária adesão, mesmo inconsciente, do doente, do obsessor e do obsediado a caminho da libertação. Tudo isso, e muito mais, foi catalogado por Allan Kardec em sua obra filosófica monumental, demonstrando que as Leis de Deus são inalteráveis e que Jesus, Espírito puro, as aplicava no trato com encarnados e desencarnados, objetivando não só auxiliar os necessitados, como também produzir marcas indeléveis nos corações e nas mentes daqueles a quem queria impactar.

Por essa razão, além da cura de corpos doentes e almas obsediadas, Jesus caminhou sobre as águas ao condensar Seu fluido perispiritual até a tangibilidade, mediante modificação molecular (A Gênese, XIV, 35/37), usando o mesmo procedimento com Pedro, que não se deu conta da própria projeção e impôs à alma uma regra da matéria (o corpo, mais pesado, afunda em meio líquido), o que lhe rendeu uma advertência do Mestre: “homem de pouca fé”, ou por outra, “Desconfiado, por que duvidaste?”

Jesus transfigurou-se no Tabor (Mt 17:1-9), em um procedimento semelhante às aparições por condensação molecular perispiritual. Porém, nos casos de transfiguração, o corpo fluídico irradia ao redor do corpo físico, como um molde que se densifica e pode assumir outra aparência, em uma espécie de aparição sobre o próprio corpo material (vide Obras Póstumas – Manifestações dos Espíritos, § 3º – Transfiguração e invisibilidade e O Livro dos Médiuns, VII, 122)

Os casos das ressurreições de Lázaro (Jo 11:1-46), da filha de Jairo (Mc 5:21-43) e do filho da viúva de Naim (Lc 7:11-17), por sua vez, encontram explicação no fenômeno conhecido como letargia (Vide questões 422 a 424 de O Livro dos Espíritos), em que a suspensão das forças vitais é geral e dá ao corpo físico todas as aparências de morte. Jesus observou, pela vidência, que havia almas vinculadas àqueles corpos dados como mortos, emanando os seus fluidos magnéticos que os despertaram. Também é possível a interpretação filosófica dessa passagem como o “mergulho na morte” dos iniciados nos mistérios (Egito), ou o mergulho no Jesus interno, para que o Ser, encarnado, renasça outra criatura.

No caso da tempestade acalmada (Mc 4:35-41), encontramos explicação em O Livro dos Espíritos, item 106, onde há referência a uma classe de Espíritos denominados batedores e perturbadores, que manifestam a sua presença por efeitos físicos sensíveis à percepção humana, como pancadas, deslocamentos dos corpos sólidos, agitação do ar e da água. Esses Espíritos são comandados por Espíritos de ordem elevada, que os utilizam quando julgam úteis manifestações desse gênero, incluindo-se tempestades, vendavais, furações etc., instrumentos naturais de renovação planetária. Assim como são aptos a provocar distúrbios climáticos com finalidades específicas, podem suspender a perturbação pelo comando das entidades que lhes são superiores. Jesus participou do fenômeno, intervindo no momento oportuno para sensibilizar os seus seguidores.

Na transformação da água em vinho (Jo, 2:1-11), e na multiplicação dos pães e peixes (Mt, 14:13-21), não se está diante de fenômenos de efeitos físicos, como nos casos anteriores, mas na forma alegórica e figurada de se esclarecer que quem bebe da fonte do Cristo e come do pão da vida eterna será eternamente saciado, pelo conhecimento das verdades morais que Ele nos legou. Os convidados das bodas foram dessedentados e a multidão que O ouvia teve a sua fome satisfeita, porque experimentaram do nectar e do pão espiritual que Jesus lhes ofereceu, tendo arrematado aos apóstolos: “…dai-lhes vós de comer.” (Mt, 14:16), ou seja, transmitam o que já sabem, servindo o vinho que nunca perde a qualidade e o pão que vivifica a alma. Essas passagens não representam milagres, mas sim a pureza da Filosofia Cósmica do Evangelho de Jesus.

Em sua penosa jornada na Terra, de atmosfera densa em razão do profundo atraso moral que predominava entre as criaturas, Jesus demonstrou existirem Leis não conhecidas pelos homens, envolvendo as propriedades dos fluidos e o magnetismo, instrumentos de que se utilizou para realizar os eventos tidos como milagrosos.

Kardec, dezoito séculos após, ao se utilizar do método científico da experimentação, observou eventos semelhantes e deu voz aos Espíritos que proferiram fartas explicações acerca da mecânica desses fenômenos, produzidos desde sempre sob a falsa imagem do extraordinário. Revelada a Lei pelos Espíritos, sucumbiu o maravilhoso e esses fatos passaram à conta da ordem das coisas naturais.

Nem por isso, deixaram de servir às finalidades de amor e caridade propugnadas por Jesus, beneficiando centenas de necessitados.

Também foram fundamentais para insculpir, nos corações e mentes dos doze apóstolos e dos setenta e dois discípulos, a causa pela qual grande parte deles daria a própria vida, e é aqui que nos parece residir a finalidade maior da ocorrência dos denominados milagres, porque eles foram o elemento fixador da certeza de que Jesus era quem dizia ser, para grande parte dos oitenta e quatro arautos do Evangelho.

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