Skip to main content

A curta, mas riquíssima romagem do Cristo de Deus encarnado na Terra, deixou lições de natureza profunda, muitas delas de compreensão ainda complexa ao nosso intelecto espiritual em desenvolvimento.

O próprio binômio envolvendo o Cristo Jesus é tema que suscita controvérsias, justificadas por conta dos fundamentos distintos que ainda pousam nas bases das Filosofias Cristãs.

Em diversas passagens evangélicas observamos o Mestre referindo-se a si próprio como o Filho do Homem, cuja origem encontra-se nas preleções dos profetas Jeremias (49:18 e 33, 50:40 e 51:43) e Daniel (7:13), em uma clara iniciativa de alcançar o entendimento do povo de Israel. Na descrição do sonho do profeta Daniel com as quatro feras, encontra-se a menção de que o Filho do Homem vinha das nuvens e a ele foi concedido todo o poder, sendo o seu império eterno e indestrutível. (7:13-14)

Em Atos (7:55), antes de ser apedrejado por determinação de Saulo, Estevão, em visão espiritual certamente propiciada pela iminência do desencarne, descreve ver a glória de Deus, e Jesus ao Seu lado – O Filho do Homem de pé, à direita de Deus.

Mas é no Evangelho de João, na passagem em que Jesus estabelece diálogo com o fariseu Nicodemus sobre como ser possível nascer de novo, que melhor compreendemos o alcance da expressão Filho do Homem, a saber: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem”. (Jo 3:13)

Para os hebreus o Filho do Homem era o Messias aguardado, aquele que libertaria Israel do jugo romano, assim como Moisés fizera em relação aos egípcios.

A expectativa dos hebreus era de um Messias-libertador que liderasse o enfrentamento em face do império, e é por essa razão que alguns historiadores afirmam que toda a movimentação de Judas Iscariotes deu-se no sentido de provocar a adesão do povo hebreu à causa revolucionária dos zelotes, tese abonada por Emmanuel (Palavras de Vida Eterna, cap. 12 – Perante Jesus), por Eliseu Rigonatti (O Evangelho dos humildes, cap. XXVI, O preço da traição) e por Humberto de Campos/Irmão X ( Boa nova, cap. 24 – A ilusão do discípulo e Lázaro redivivo, cap. 48 – O discípulo ambicioso).

No entanto, a causa de Jesus não era mundana. Sua ação pedagógica era cósmica e por isso Ele “subiu ao céu onde logrou chegar por ter alcançado o estágio da pureza espiritual, e desceu do céu para exercer a ação do verbo de Deus, porque só os Espíritos puros compreendem a Deus. (Vide O Livro dos Espíritos, questão 11)

Por ter alcançado a pureza, a perfeição, Jesus “subiu” ao céu não tendo mais que se submeter a provas e expiações (vide O Livro dos Espíritos, item 113), porém, “desceu à Terra por missão de amor aos seus irmãos pequeninos, a quem Deus Lhe confiou.

Jesus, o Filho do Homem, é o Espírito puro que não mais necessita submeter-se, compulsoriamente, aos ciclos reencarnatórios, opondo-se, segundo Carlos Torres Pastorino, à expressão “filho da mulher,” que representava o homem ainda sujeito às reencarnações, ainda não liberto de nascer através da mulher” (Sabedoria do Evangelho, 1º volume, Jo 1:43-51, pag. 131).

E o Espírito puro (Filho do Homem) que compreende a Deus, reúne condições de ser O Seu Mandatário, pois Nele viceja o Verbo em movimento.

Jesus (o Filho do Homem), passa a ser O Cristo (o Filho unigênito de Deus), quando executa a Sua ação missionária na Terra, refletindo a Deus em Sua absoluta integralidade. (“Eu e o Pai somos um” – Jo 10:30)

Não por outro motivo, o Cristo repetiu exaustivamente a expressão título deste artigo: “Eu Sou”.

Apenas no Evangelho de João a encontramos oito vezes, a saber: “EU SOU o pão da vida” (6:35), no sentido de ser o alimento imperecível ao Espírito, o pão de Deus que desceu do céu; “EU SOU a luz do mundo” (8:12), pois que através Dele se obtém a “luz-Vida” (Jo 1:4); “EU SOU a porta das ovelhas” (10:7), símbolo de ingresso no conhecimento espiritual superior; “EU SOU o bom pastor que dá a sua vida pelas ovelhas” (10:11), porque as ama, empreendendo todo o Seu esforço para fazê-las evoluir; “EU SOU a ressurreição, quem crê em mim jamais morrerá” (11:25), referência à vida verdadeira que jamais perece; “EU SOU o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai se não for por mim” (14:6), significando que o Cristo, a manifestação do Verbo (Deus) na Terra, é o meio pelo qual se atinge a evolução espiritual, e sem a Sua ética não se chega ao Pai, porque não é possível compreendê-Lo; “EU SOU a videira verdadeira e o meu Pai o agricultor” (15:1), a videira, símbolo de Israel e mãe do fruto que dá vida à sabedoria espiritual profunda (o vinho) e, finalmente, “Antes que Abraão existisse, EU SOU” (8:58), no sentido de a tudo preceder, porque o todo neste orbe procede da Sua ação. (Veremos isso mais adiante)

Há outros EU SOU em O Novo Testamento, mas é importante compreender-se a razão pela qual o Cristo utilizou-se dessa expressão com tanta frequência. E encontramos a resposta em Êxodo, capítulo 3.

Moisés pastoreava ovelhas em Madiã, após ter fugido da corte do faraó por ter assassinado um egípcio. Enquanto apascentava as ovelhas observou que a mata ardia em fogo, mas não se consumia. Do meio das sarças em chamas apareceu, segundo o Êxodo, o próprio Senhor da Vida, dizendo-lhe: “Moisés, Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó (v.6). Agora te envio ao faraó, para que tires do Egito o meu povo.” (v.9). Moisés replica: “Quem sou eu para ir ao faraó ou para tirar os israelitas do Egito?” (v.11). Moisés pergunta ainda: “Eu irei aos israelitas e lhes direi: O Deus de vossos pais me enviou a vós. Se eles me perguntarem como se chama Ele, o que lhes responderei?” (v.13). Disse Deus a Moisés: “Assim dirás aos israelitas: EU SOU me envia a vós. (v.14). Este é o meu nome para sempre: assim me chamareis de geração em geração.” (v.15)

Em hebraico, a expressão EU SOU corresponde ao vocábulo Yhwh ou Yahweh, conhecida entre nós como Jeová, o que justifica a confusão entre o Cristo, criatura criada, e Deus, existência não derivada.

Obviamente, a manifestação espiritual captada pela sensibilidade do médium Moisés não era de Deus, pois que a perfeição é condição fundamental para compreendê-Lo. (O Livro dos Espíritos, questão 11)

Foi o Cristo, provavelmente através de um emissário, considerando a Lei de Sintonia, que se manifestou a Moisés com a autoridade da sua perfeição, algo inimaginável para a Terra daqueles tempos.

Com a autoridade do Espírito Divino, O Cristo de Deus encarnado identificou-se no EU SOU, buscando demonstrar os vínculos daquele que se manifestou a Moisés, com os ensinos de seu Evangelho profundo, mesmo sabendo que os israelitas deixaram de usar o EU SOU em suas preces e cerimônias, substituindo a expressão por Adonai (Senhor), em uma atitude assemelhada a algo como, não usar o nome de Deus em vão.

Porém, o Cristo não foi compreendido, sobretudo porque os hebreus o rebaixaram à dimensão humana. Passou a ser tratado como um profeta incendiário que contrariava a Lei de Moisés, um herege perigoso às vistas do sinédrio, capitaneado por Caifás.

Então, prenderam Jesus, o Filho do Homem, porque o verbo, a manifestação de Deus, não é passível de clausura. Está nas consciências (O Livro dos Espíritos, questão 621), está em todos (Efésios 4:6), sendo tudo em todos (I Coríntios 15:28), evidentemente em potência, pronto a ser “conjugado” pelos que se dispõem à autorrenúncia pelo amor.

E dentre as acusações de heresia que Lhe imputaram, o EU SOU se afigurava das mais graves pois, por não entenderem o Cristo, achavam que Ele externava delírios grandiosos sobre ser Deus.

Talvez a expressão mais ofensiva aos israelitas tenha sido aquela em que o Cristo afirmou: “Antes que Abraão existisse, EU SOU.” (Jo 8:58), considerada desrespeitosa à linhagem originada em Abraão, passada a Isaac e deste a Jacó, da qual decorreram as doze tribos ou núcleos familiares de Israel.

Porém Emmanuel esclarece a expressão, ensinando que o Espírito puro Jesus, integrante da comunidade de seres angélicos e perfeitos, dirigiu, em conjunto com os seus pares, o processo de formação do “orbe terrestre que se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição do planeta…” (A caminho da luz, cap. I – A gênese planetária).

A formação da Terra deu-se há aproximadamente quatro e meio bilhões de anos atrás, o que significa dizer que o Espírito puro Jesus precede a tudo e a todos que se vinculem ou tenham se vinculado neste planeta.

“Desceu” do céu para participar da criação da Terra. Espírito puro, Jesus foi ordenado como o Cristo do planeta, presidindo todos os processos evolutivos das formas e dos seres integrantes de todos os reinos conhecidos e desconhecidos, executando as diretrizes de Deus como Seu Mandatário e realizando, por força da Sua união com o Pai, as obras da criação infinita, pois que essa é a Lei.

Jesus explica esse processo pedagogicamente no Evangelho de João, capítulo 8, verso 28: “Quando desenvolverdes o Filho do Homem, então conhecereis porque EU SOU e nada faço de mim mesmo, mas como me ensinou o Pai, assim falo.”

Ou seja, quando alcançarmos a perfeição e a pureza do Espírito, atingiremos o estágio de compreensão de Deus, a Ele nos associando a tal ponto que seremos a verbalização ativa da Sua vontade, entendendo a ação criadora do Cristo em sua inteireza.

Enquanto isso, sigamos o caminho redentor que se entreabre à nossa frente, lembrando-nos sempre de que para se conhecer EU SOU é preciso, antes de tudo, primar a nossa conduta na disciplina perene que resulta em “deixar de ser”.

 

Cleyton Franco

 

 

Leave a Reply