─ Mestre, apesar do júbilo de que se encontram prenhe meus sentimentos, estranha inquietação me entristece a alma. Por que não me consigo tranquilizar?
O Senhor pousou os olhos estelares no discípulo sofrido e, abarcando a noite transparente, numa expressão visual profunda, respondeu:
─ Só o amor em plenitude apazigua. Quando o amor se avizinha da alma, produz alarido e excitação; quando, porém, a domina, propicia calma. O amor, no entanto, para alcançar o clímax, exige a doação total, sem o que promove a excitação, a incerteza, a amargura.
Colhido pela resposta, simples e sábia, o aprendiz voltou à carga:
─ Eu amo; não obstante, não me sinto amado; confio e não repouso; animo a esperança na alma e não me renovo.
─ Tomé – redarguiu o Amigo –, a dúvida sistemática é geratriz de muitos males no homem. Vejamos alguns exemplos da fé a fim de entendermos melhor: o filete d’água avança espaço a fora, e transforma-se em regato; a semente estoura libertando um filamento frágil, e faz-se planta forte; o dia começa tênue e vence a noite… Não indagam, agem; não temem, avançam; nada pedem, doam-se…
Se esperas a vitória de fora e amor em retribuição, ainda não aprendeste a lutar, nem começaste a amar.
─ Ocorre – volveu o discípulo, timidamente, à lamentação – que não me sinto amado pelos companheiros e observo que, em face do meu comportamento estranho, sem os entusiasmos de João ou os aplausos de Pedro, tu mesmo me relegas a um plano secundário…
O Mestre, compadecido do companheiro, advertiu-o:
─ Tomé, a intriga é serpente cruel que esmaga com seus anéis coleantes e mata com a sua picada venenosa…
O Filho do Homem nada pede: ama e dá-se. […] No entanto, o meu amor verdadeiro se expressará mais tarde, na soledade e no abandono de todos, entre duas traves levantadas…
Compreendendo os conflitos que afligiam o homem de frágil fé, concluiu:
─ Ambicionando o mar, não desprezes a fonte; desejando a montanha, não desrespeites a baixada. È necessário valorizar todas as concessões do Pai, sem exigir, nem reclamar, recolhendo as bênçãos de todas as oportunidades. Depois, torna-se preciso não esperar dos outros o que não se pode oferecer, compreendendo as falhas e as limitações do próximo, conforme as próprias condições.
[…] Mergulhando em grave meditação, o discípulo não percebeu quando o Mestre se afastou em silêncio, vindo a despertar ao chamado dos companheiros que se dirigiam ao barco para alcançarem a outra margem do lago.
Amélia Rodrigues / Divaldo P.Franco in “Roteiro de Libertação”