O que nos leva a praticar o bem? A pergunta que parece de fácil resposta, em verdade nos conduz a um pensamento comum na literatura espírita, segundo o qual o bem é o alimento do Espírito. Se nos aprofundarmos mais, observaremos que o bem, na verdade, faz parte da conduta daqueles que já compreenderam as Leis Divinas e as praticam em seu cotidiano, revelando que já se encontram em um grau de evolução diferenciado daqueles que não se afetam diante das agruras alheias, ou daqueles que o praticam de forma esporádica, como é o caso da grande maioria das criaturas, que ainda tateamos o caminho.
A intenção de fazer o bem, quando genuína – ou seja, desprovida de interesses ocultos – é um indício de que estamos no caminho certo. Mas o bem não depende apenas de intenções, pois muitos apenas simplesmente pensam em praticá-lo, mas nada fazem. Falemos então daqueles que decidem dar o primeiro passo quando recebem algum estímulo, seja uma necessidade de alguém próximo, seja a situação de risco de comunidades inteiras.
Calamidades públicas geram grande comoção social, local e mundialmente, e são também janelas através das quais podemos observar as vicissitudes humanas, os descalabros provocados por guerras e a impotência de suas vítimas. Um cenário trágico que se descortina aos olhos da sociedade, para que esta se sinta compelida a auxiliar. Sejam quais forem as causas, tais eventos tendem a aguçar no homem algum traço de solidariedade, em maior ou menor grau, conforme também o seu patamar de evolução espiritual. Ao veicularem tais notícias, os meios de comunicação abrem janelas para a miséria humana, despertando, em algumas pessoas, a necessidade da prática do bem. Muitos movimentos sérios que buscam angariar fundos ou auxílio nascem dessa forma, a partir do impulso que a mídia lhes forneceu.
Ainda assim, estamos falando de atos esporádicos. Nada nos garante que quem se mobilizou para a enchente de sua cidade alcançou, de fato, o significado da prática do bem, porque, como dissemos, o bem é fruto da compreensão e do exercício diário das Leis Divinas (e quem já a compreende não precisa de eventos externos para praticá-la).
Porém, não podemos menosprezar as contribuições daqueles que se oferecem para auxiliar as vítimas, mesmo que de forma esporádica, porque é assim que, com o tempo, consolidarão a prática do bem no dia a dia.
Por isso, as catástrofes, segundo a esfera Espiritual, têm seu grau de importância, na medida em que os flagelos destruidores são uma necessidade para a regeneração dos Espíritos. É o que nos esclarecem as respostas às questões 737 e seguintes de O Livro dos Espíritos, que tratam da necessidade dos flagelos destruidores como instrumento de transformação dos Seres e de seu habitat, mesmo que, na visão rasa dos encarnados, esses flagelos tragam mais prejuízos do que benefícios.
Os que desencarnam cumprem a função de impactarem, pela comoção, os que vivenciam o flagelo no plano material e espiritual, instigando-lhes à ação no bem; angariam para si os progressos decorrentes do sofrimento programado da ocorrência, além de oportunizarem a renovação das edificações e aparelhos das áreas afetadas.
Não nos esqueçamos, também, do gesto e das intenções. Não raro (infelizmente), há os que se apropriam do tempo e recursos dedicados ao próximo para sua ostentação pessoal. Já ensinava Jesus, por meio de Mateus (5:1 a 4), que não devemos fazer nossas boas obras diante dos homens para serem vistas por eles. “Em verdade vos digo […] quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará recompensa”[i]. Portanto, ao “praticarmos o bem”, é imprescindível que o façamos de forma abnegada, num gesto vindo do coração, sem ensejar qualquer outro benefício pessoal, posto que a “recompensa” nos será dada pelo Pai.
Nessa cadeia do bem, ainda há os que se sentem incapazes de auxiliar o irmão menos favorecido, alegando falta de recursos. Tendem a deixar-lhe o “resto”, sem abrir mão dos seus supérfluos. A verdadeira Caridade, ensinam os Espíritos esclarecidos, está na capacidade de compartilhar o pouco que se tem, como exemplifica a passagem do óbolo da viúva[1], retratado nos Evangelhos de Marcos (12:41) e de Lucas (21: 1 a 4). Nela, Jesus observava grandes doações feitas por pessoas abastadas, e notou uma pobre viúva que deixou no gazofilácio[2] apenas duas moedas de pouco valor. Então, o Mestre disse aos discípulos que a viúva, ao dar tudo o que tinha para seu sustento, havia contribuído muito mais do que aqueles que o haviam feito a partir do que lhes abunda. A caridade está no valor moral do que se compartilha – o pouco da viúva foi muito porque era tudo o que ela possuía.
Mas há sempre um alento. Ainda que alguns irmãos associem o auxílio aos recursos, há diversas formas de ajuda que vão além do aporte financeiro ou do envio de alimentos e remédios. Por exemplo, quando dedicamos uma parte de nosso tempo para ouvir o próximo, ou para lhe conceder uma palavra amiga, oferecemos nossa maior riqueza: a da caridade sincera. Essa atitude que brota do nosso coração é capaz de aplacar as dores de alma do semelhante, e nos remete a fazer o bem. Só a realiza de forma genuína aquele que se dispõe a conhecer e seguir as Leis de Deus, como preconizam os Espíritos de Luz em resposta à questão de número 630 de O Livro dos Espíritos[3] sobre o bem e o mal. Os Espíritos Benfeitores que inspiraram a codificação esclarecem que “…o bem é tudo o que é conforme à Lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a Lei de Deus. Fazer o mal é infringir essa Lei”.
O seguidor do Espiritismo tem na Codificação Espírita todas as ferramentas para conhecer a Lei e ampla literatura para ser estimulado a praticá-la. Sabe que as consequências dos atos de hoje serão colhidas no futuro e que depende apenas de si fazer as escolhas presentes, pelo livre-arbítrio.
Que possamos aprender pelo amor, e não pela dor. O amor ao próximo, que nos faz tão especiais aos olhos de nosso Pai, é o único que pode nos conduzir para a realização plena do bem, de olhos atentos para que a nossa prática jamais se desvie dos trilhos da Lei de Deus.
Vanda Mendonça
[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XIII.
[2] Gazofilácio é o nome dado às urnas de captação de doações nas instituições religiosas (Nota do autor).
[3] O Livro dos Espíritos, 182ª edição, IDE (Instituto de Difusão Espírita), Livro Terceiro, cap. I, pag. 208.