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2020 foi um ano em que a Humanidade, voluntariamente, restringiu aos próprios lares o seu direito de ir e vir, quando a necessidade de protegerem-se uns aos outros foi maior do que a de liberdade física. A convivência ostensiva com os familiares dentro dos lares revelou muito sobre nós e expôs um ponto nevrálgico dos relacionamentos: os limites da liberdade de expressão.

Todo indivíduo é livre para pensar, escolher e agir. Esse é um direito garantido constitucionalmente e, também, lei natural[1]. Essa prerrogativa, no entanto, não é irrestrita, mas limitada à responsabilidade de cada um. Sim, somos todos responsáveis por nossas palavras e atos, e o abuso desse direito traz consequências imediatas ao nosso dia a dia. Isso quer dizer que toda escolha produz um resultado, o qual será tão agradável – ou não – quanto a natureza da ação que o causou[2].

A legislação Humana elenca as atitudes consideradas socialmente condenáveis, mas o senso comum ainda está algo distante do amor ao próximo que Jesus exemplificou. Algumas ações motivadas por sentimentos inferiores ainda são socialmente aceitas e até mesmo celebradas, frequentemente mascaradas sob o pretexto da liberdade de expressão.

Defendemos pontos de vista nobres, mas o fazemos de forma inflexível e ofensiva. Discussões tomam proporções descabidas, onde a posição individual importa mais que o entendimento do pensamento do outro. Preocupamo-nos com o quê, mas ignoramos o como. Reclamamos da intolerância alheia, mas é justamente o que oferecemos. Queremos ter a opinião respeitada, mas não agimos de forma recíproca.

Esquecemo-nos de que é natural discordar e que o consenso não é obrigatório para que a convivência seja saudável. Falta-nos o entendimento de que a pretensão de termos razão não nos autoriza a ultrapassar os limites do respeito, da tolerância e da compreensão que o Cristo exemplificou. Daí, somos capazes de entender por que Ele disse que não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, mas o que sai da boca.[3]

A falta de coerência entre a teoria e a prática denota que podemos conhecer a lei de Deus, sem compreendê-la de fato, do contrário, seríamos capazes de praticá-la. O Cristo recomendou fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem[4]. Se entendêssemos o alcance e profundidade dessa orientação e a seguíssemos fielmente, provavelmente não precisaríamos das leis Humanas.

Na ausência da nossa colaboração, a lei natural nos ensina, atuando de forma clara. Cabe a nós, capitular: toda vez que nossas atitudes refletem aquilo que gostaríamos que fizessem conosco, somos invadidos por uma sensação de paz e leveza; emitimos e recebemos vibrações de frequência elevada, que nos fortalecem e recompensam, e nossas relações com os outros se tornam mais sólidas. Por outro lado, quando agimos estimulados por sentimentos inferiores, sentimo-nos pesados, exauridos; emitimos e recebemos vibrações de baixa frequência, que nos causam sofrimento e, por vezes, doenças físicas, além de cultivarmos desentendimentos que podem nos prejudicar em nosso presente ou futuro, nessa ou em outra vida.

“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (Paulo – Coríntios 6:12)

Sim, somos livres para nos expressar. Mas devemos utilizar a inteligência e o livre-arbítrio para limitar essa liberdade a nosso favor. Precisamos compreender que as nossas escolhas sempre trazem consequências, e que somos os únicos responsáveis pela sua natureza[5]. De fato, vivemos o que criamos para nós e colhemos exatamente o que plantamos à nossa volta.

A crença na liberdade irrestrita apenas confirma a nossa inferioridade, pois, deliberadamente, ignoramos a necessidade do próximo. Quanto mais evoluído o Espírito, maior grau de respeito ele demonstra pelo outro, qualquer seja esse outro.

Sob o ponto de vista espiritual, esse cerceamento à liberdade de expressão pela responsabilidade se restringe às ações[6]. Entretanto, ainda que abdiquemos de nos expressar, somos como antenas emissoras e receptoras que enviam e captam vibrações de frequências consonantes com o caráter do que vai dentro de nós. Logo, não estamos livres do efeito das emissões mentais de qualquer ordem. Pelo nosso próprio bem, devemos vigiar nossos pensamentos[7]. Conforme evoluímos, a nossa consciência nos faz escolher por limitar e direcionar a liberdade de pensar e sentir para finalidades mais nobres.

Jesus veio à Terra para impulsionar a evolução da Humanidade. Exemplificou o amor em toda a sua plenitude, para que pudéssemos aprender a sentir, pensar e agir em harmonia com as Leis Naturais. Toda a sua obra se resume a um único mandamento: amar ao próximo.

O Espiritismo desnudou o mundo espiritual para que pudéssemos melhor compreender, assimilar e aplicar as mensagens do Mestre. As orientações estão logo ali, no Evangelho[8], bem ao nosso alcance. Entendamos, somos livres para escolher, mas o dever de fraternidade precisa ser o norte dessas escolhas. Somente dessa forma estaremos em sintonia com as leis de Deus.

Sócrates[9], um dos precursores da ideia Cristã e do Espiritismo, desenvolveu uma técnica de perguntas às quais podemos submeter tudo o que pretendemos expressar em voz alta: reflita sobre a verdade, a boa-fé e a utilidade do que pretende dizer. Se há alguma dúvida sobre qualquer desses três pilares da ética, é melhor se abster, até encontrar uma forma de comunicação colaborativa e empática.

Aproveitemos 2021 para renovar a forma de comunicação inspirando-nos em Sócrates e no Mestre Jesus, limitando voluntariamente a nossa liberdade de expressão pela via do amor ao próximo. A caridade começa em casa. Que o ano que se inicia seja campo fértil para o diálogo. Feliz ano novo!

 

Lila

 

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões 825 a 828.

[2] Lei de causa e efeito.

[3] Mateus, 15: 1-20.

[4] Mateus, 7: 12.

Sugestão de leitura complementar: MIRANDA, Hermínio C. “Os Procuradores de Deus

 

[5] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 780, “a”.

[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 833.

[7] Sugestão de leitura: Ruy Gibim in “Reformador” – Nossa Vida Mental – JUN/2007

[8] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.

[9] Sócrates (c. 469-399 a.C.), filósofo grego, precursor da dialética, da ética e autor da célebre “conhece-te a ti mesmo”.

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