Constitui aspiração de toda criatura viver em paz, onde quer que esteja, porque isso lhe garantiria estabilidade emocional, segurança, equilíbrio e bons resultados no inter-relacionamento. De quebra, teria a companhia permanente dos bons Espíritos e gozaria da plenitude. Para seu desengano, essa realidade parece inatingível, na medida em que acontecimentos externos o influenciam negativamente e lhe causam transtorno. O tempo flui inexorável, enquanto nada muda. A frustração se transforma em conformação. Descobre que o mundo onde estagia é de expiação e provas, com predomínio da discórdia. Estaria ela aí por engano?
Ninguém é alocado por engano para este ou aquele planeta. Tudo é regido pelas Leis Divinas e obedece naturalmente ao fenômeno da atração. O Espírito se ajusta às condições psíquicas e energéticas locais, e traz consigo a obrigação de reparar os distúrbios que haja causado na atmosfera desse orbe quando aqui transitava ao abrigo de suposta inconsequência. É o que se depreende da seguinte passagem evangélica: “Em verdade vos digo que de maneira alguma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil”, referindo-se ao aprisionamento psíquico (Mateus, 5:25-26).
Posto isso, conquanto de forma singela, o aspirante à paz perene concluirá que ela ainda não é deste mundo, como dele não é a felicidade. Mas ela poderá ser moldada pessoalmente, como quem se educa na fala, na alimentação, na apresentação, na reação diante de uma provocação injusta. Engana-se quem pensa ser fácil. Justamente por ser uma empreitada difícil para qualquer Espírito humano, é que Jesus, algumas vezes chamado de Príncipe da Paz, assegurou aos seus discípulos quando lhes transmitiu as últimas instruções antes do suplício no Gólgota: a) “A paz vos deixo, a minha paz vos dou. Eu não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João, 14:27); b) Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflição, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João, 16:33) e nas aparições após a ressurreição: i) aos discípulos trancados com medo dos judeus: “A paz esteja convosco” (João, 20:19) e ii) oito dias depois, quando presente estava Tomé, repetiu o mesmo augúrio (João, 20:26).
Observemos que a paz que o Cristo nos transmite é aquela representativa da água viva, que dessedenta o Espírito para todo o sempre e não a que implica em mero bem estar para gozo momentâneo, efêmero. Diante do sacrifício iminente, e depois dele, insistiu de maneira professoral: não turbe o vosso coração, não tema, confie, tenha ânimo, mantenha a paz diante de qualquer espécie de aflição, porque, seja qual for, traz ensinamento e auxilia no engrandecimento da alma. Cuidemos de identificar essa paz que o Cristo nos deixou, conservando-a como elemento integrante de nosso Ser, qual luz e energia inabaláveis a sustentar os mais variados desafios dos quais somos merecedores.
Mas se a paz que vem de Jesus ou de algum mensageiro do Alto não encontrar receptividade, o destinatário – que é o homem da Terra – não a registrará, como não a registrou o ingrato irmão do filho pródigo de que cuida a parábola do mesmo nome. Seu enredo revela que ele foi tomado de um ciúme incontrolável, embora tivesse de tudo para ser um homem feliz. Recordemos que a paz se constrói no íntimo, vagarosa e insistentemente, dia após dia, mediante vigilância constante, como todas as virtudes e aptidões que se agregam à individualidade. Exige, de pronto, harmonia pessoal, equilíbrio, controle, enfrentamento da realidade, sem desculpismo ou autopiedade. A paz interior passa a ser o foco, para que todos os desaires não se transformem em aflição e deles possamos extrair as devidas lições. Cultivá-la é preciso, como orienta Emmanuel ([i]) ao comentar mais uma diretriz do Divino Mestre a seus discípulos quando os preparava para divulgação da Boa Nova: “E, se ali houver algum filho da paz, repousará sobre ele a vossa paz; e se não, ela voltará para vós” – Jesus (Lucas, 10.;6). Diz ele: Ninguém atinge o bem-estar em Cristo, sem esforço no bem, sem disciplina elevada de sentimentos, sem iluminação do raciocínio, de sorte que, se o homem ouve a lição da paz cristã, sem o propósito firme de se lhe afeiçoar, esse bem celestial (a paz) retornará ao núcleo de origem, sem beneficiar aquele que esperava obtê-la.
Ainda não estamos preparados para viver na plenitude da paz. Mas ela reinará no Planeta quando seus habitantes se deixarem iluminar pela luz do Evangelho de Jesus, amando-se como verdadeiros irmãos em Cristo, sentimento que, em sendo verdadeiro, elimina o “egoísmo de cada um, que se corporifica na discórdia do lar, e se prolonga na intolerância da fé, na vaidade da inteligência e no orgulho das raças”.
Importa distinguir a paz, da felicidade. A primeira, como dito acima, é aquisição do Espírito que investe em seu equilíbrio, visando o bem estar integral para melhor seguir sua jornada e auxiliar o semelhante com seu exemplo edificante. A segunda tem a ver com o sentimento. A pessoa pode não ser feliz como gostaria, em virtude de múltiplos fatores, por exemplo: quando o relacionamento afetivo a desagrada; a saúde precária a impede de realizar coisas; carecer de força de vontade para alterar comportamento reconhecidamente inadequado às leis morais etc. Sabendo que a infelicidade tem a ver com encargos do passado e obedece a circunstâncias da presente existência, e que isso faz parte de um intrincado plano evolutivo e que por isso mesmo é passageira, conviverá com ela enquanto necessário for. Não obstante infeliz, poderá e deverá estar em paz para melhor administrar esse lado psicológico. O mesmo se deve dar diante da iminência da dor (aflição) ou durante sua permanência. São necessários equilíbrio, paz, confiança em si mesmo e fé, na certeza de que tudo passará, vencido que seja o período carmático. A maioria, contudo, comporta-se em desalinho, confundindo as coisas. Assume a irritabilidade, por se achar injustamente enredada em compromissos para os quais dera azo e insiste nas provocações, discussões intermináveis, exasperações, atos de intolerância. Nesse cenário, paz alguma terá, mantendo o campo mental favorável a energias grosseiras de seus contendores, sejam eles encarnados ou desencarnados.
É preciso trabalhar muito o mundo íntimo para que a Paz do Senhor esteja conosco.
Marcus Vinicius
[i] VINHA DE LUZ – Emmanuel, pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier – FEB – item 65.