A teoria da imortalidade da alma, que teve seus primeiros ensaios nas civilizações antigas, tornou-se realidade inconteste com as experiências científicas produzidas em meados do Sec. XIX, merecendo destaque as pesquisas feitas pelo Sr. Robert Dale Owen (1801/1877) em torno dos fenômenos mediúnicos de efeitos físicos (tiptologia, escrita direta), psicofonia, vidência e materializações, produzidos pela família Fox Underhill, em Nova York, e por outros medianeiros em locais e condições diferentes, relatadas na obra REGIÃO EM LITÍGIO, publicada em 1.861, onde narra casos observados no período de 1846 a 1861.([i]) Nessa mesma obra, Owen aproveitou ensaios do barão de Guldenstubbé, natural da Rússia, igualmente pesquisador de fenômenos espíritas, que acumulara cerca de quinhentos experimentos da mais variada natureza revelados em obra editada em 1857. Enquanto isso, no Continente Europeu, o pedagogo francês Allan Kardec (1804/1869) realizava experimentos semelhantes na capital parisiense, iniciando com as mesas girantes (1855), tendo como médiuns os membros da família Baudin; posteriormente, contando com mais de dez médiuns, passou a realizar um trabalho sério e meticuloso destinado a comparar e fundir as respostas dadas pelos Espíritos comunicantes, trabalho esse que lhe possibilitou editar em 18/04/1857 a primeira obra do gênero – O Livro dos Espíritos. ([ii]) Essas experiências inspiraram Kardec na elaboração de um compêndio específico sobre os fenômenos espirituais e as condições em que eles se podem produzir, dando-lhe o nome de Livro dos Médiuns (1861).
Anteriormente o mundo tateava numa nebulosa aparentemente intransponível acerca da vida póstuma e sobre o intercâmbio entre os dois planos, apesar de Jesus haver dado testemunho pessoal desses dois fenômenos espirituais ao aparecer a seus apóstolos e discípulos após o sacrifício do calvário (Lc 24, Mat 28, Mac 16 e Jo 20). Outro aspecto dessa matéria de natureza escatológica reside na teoria da ressurreição, que desafia os tempos. Para os fariseus, era uma esperança de que um dia retornariam a seus corpos inertes, sem saber exatamente como isso poderia acontecer. O apóstolo Paulo tinha convicção sobre a imortalidade, mas não teve alcance para entender a ressurreição, justamente porque a seu tempo isso era de compreensão limitada. Recordemos o que ele disse perante o Sinédrio: “Varões, irmãos: eu sou fariseu, filho de fariseu; no tocante à esperança e à ressureição dos mortos sou julgado.” Essa declaração provocou grande celeuma entre fariseus e saduceus, pois estes não acreditavam nem em Espíritos quanto mais em ressurreição. De quebra, e na mesma ordem de intolerância, os judeus prepararam uma cilada para exterminar Paulo, felizmente desarticulada a tempo graças à intervenção do Comandante Claudio, que deslocou o prisioneiro para Cesaréia (ATOS, 23).
Sua convicção vem reforçada nessa declaração: “E se o Cristo não ressuscitou vã é a nossa pregação, vã é a nossa fé.” (Coríntios, 15:14). Isso teria sido um dos motes para a Reforma fundada na teologia luterana e calvinista, que dava mais ênfase à fé cega do que à razão e desdenhava as obras salvacionistas. O que pregavam os discípulos não era a ressurreição no sentido materialista, mas a sobrevivência da alma e sua capacidade de se manifestar e se fazer reconhecer pelos que permanecessem no plano da matéria, conquanto ainda vacilantes quanto à forma, porque influenciados pelas teorias incompletas de seus antecessores. É o que se depreende do seguinte trecho: “Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (Cor. 15:44). Essa incoerência faz sentido para quem não encontra senão na fé cega seu sustentáculo. Por isso mesmo, exige reflexão fundamentada na Ciência que, como a religiosidade, obedece a critérios evolucionistas.
Atribui-se a Zoroastro a fonte dessa teoria; os egípcios acreditavam que o faraó seria ressuscitado, em carne e osso, mas não aceitavam a ressureição das massas. Os evangelhos sinóticos mencionam a palavra ressurreição, como o faz o apóstolo Paulo, isto é, diante de um fenômeno para eles desconhecido.
O mundo civilizado convenceu-se de que as Leis Naturais, fruto da Criação, são universais, invariáveis e eternas, o que significa que elas não são modificáveis, nem mesmo o seriam por vontade divina porque, se fosse para criar exceções a valerem em certas ocasiões ou para atender a determinados interesses, não seriam justas e seu Criador também não, hipótese absurda, que implicaria na negação de Sua existência. Por isso que a questão deve ser vista em face das limitações dos conceitos religiosos e dos interesses políticos das épocas. Outrora, todos os fenômenos espirituais eram considerados milagre, embora Jesus e seus discípulos os produzissem com os mesmos elementos que a Natureza fornece aos curadores de todos os tempos. A respeito, advertiu Kardec: “Para os que consideram a matéria a única potência da Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso, ou sobrenatural, e, para eles, maravilhoso é sinônimo de superstição”.([iii])
O moderno raciocínio religioso, reforçado pela Ciência, não sustenta as fantasias criadas pelo homem inculto. Nenhum Espírito, por mais puro que seja, poderá deixar seu corpo reconhecidamente morto, decomposto, células falidas, átomos dispersos, vitalidade inexistente, para a ele retornar. O profeta Daniel já havia compreendido isso ao sentenciar: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e horror eterno” (Daniel 12:2), embora eternizando o mal por desconhecer à época, a abrangência da misericórdia divina. Mas deixou claro que a morte abre caminho para a eternidade (vida espiritual) e não admite retrocesso para o mesmo corpo. Por isso, a teoria da ressurreição como foi entendida e sustentada como dogma pelas Igrejas ao longo de séculos cedeu lugar à da desencarnação definitiva, viabilizando a reencarnação do mesmo Espírito e em condições outras apenas pela via da maternidade. O corpo de que se serve o Espírito na erraticidade (desencarnado) recebe o nome de perispírito e tem as mesmas propriedades daquele mais denso, podendo ser mais ou menos fluídico, conforme seja o grau evolutivo de seu usufrutuário. Em suma, ninguém leva para o plano espiritual o corpo inerte que deixou em solo terreno disponível às mutações da matéria, nem a ele retorna para lhe restaurar a vida. Mas está apto a se manifestar com todos os seus atributos, conforme as circunstâncias, qual demonstrado cientificamente.
A questão da ressurreição do Cristo, posto ocupar posição central na teologia, constitui para os crentes conceito irretocável, conquanto demonstrada racional e cientificamente sua insustentabilidade. Ela rendeu discussões severas entre os chamados papistas e reformistas, defensores do dogma da Santíssima Trindade, levando à execução muitos dos que ousaram racionalizar a questão e foram julgados hereges pelos tribunais inquisitoriais. Um dos anatematizados foi o espanhol Miguel Serveto, educado para eclesiástico, que defendia a existência de um único Deus, do qual Jesus-Cristo é filho, mas não desde a eternidade, e inconfundível com o próprio Pai. Firme nessa tese, editou sua primeira obra – Os Erros da Trindade (1531). Insatisfeito com a Igreja, e sem o amparo de Calvino, resolveu publicar sua principal obra – Restauração do Cristianismo, a qual findou por lhe custar a vida. Foi atado a um poste e queimado vivo, sustentando até o fim suas convicções que irritavam católicos e protestantes. ([iv])
Antes que o amável leitor se escandalize perante a queda do dogma da ressurreição, recomendo a leitura das obras que contém relatos de experiências científicas dos chamados fenômenos espíritas. Ao cabo, concluirá que, se o Espírito comum, impuro, ainda claudicante no caminho da evolução é capaz de se manifestar pelas mais variadas formas, inclusive materializando-se com elevado grau de autenticidade, imagine o que pode fazer de maravilhoso o Espírito sublimado de Jesus, que detém o domínio pleno de si mesmo e das energias cósmicas, sem precisar desafiar as Leis da Natureza.
Em face das resumidas reflexões acima, pode-se concluir que o aparecimento de Jesus aos discípulos e a Paulo, quanto a este, seja no encontro a caminho de Damasco, seja em aconselhamentos posteriores, constituíram-se autênticos fenômenos espirituais. Desencarnado, fez-se presente em Espírito pelo processo da materialização, foi visto e ouvido quando julgou oportuno, fosse para fortalecer o ânimo dos discípulos perturbados diante do exício prematuro de seu Mestre e Messias, fosse para confirmar Seu compromisso de permanecer com eles à frente da obra em benefício da Humanidade.
Marcus Vinicius
[i] Owen, Robert Dale – Região em Litígio entre este mundo e o outro – Tradução da 3ª edição por Francisco Raimundo Ewerton Quadros – FEB, págs. 310 e seguintes.
[ii] Kardec, Allan – O que é o Espiritismo – Biografia de Allan Kardec, por Henri Sausse – FEB – 46ª edição, págs. 9 e seguintes.
[iii] Kardec, Allan – Livro dos médiuns – Tradução Guillon Ribeiro – FEB 59ª edição, Cap. II, item 10, pág. 30.
[iv] Owen, Robert Dale – ob. cit. Págs. 46 a 58.