A vida é uma só. Não como a compreendem os adeptos do niilismo ou o homem comum desprovido de ideologias, que a admitem apenas no lapso temporal que vai do berço ao túmulo. Ela é única a partir do instante mágico em que o Ser Humano conquista sua individualidade, e assim permanecerá para todo o sempre, posto titular do atributo imortalidade. Haja o que houver no curso das águas da vida, nada reverterá essa realidade, nem mesmo as tormentosas tentativas de autoextermínio provocadas em estados agudos de desequilíbrio existencial, ou nos desmandos culposos que reduzem sensivelmente o tempo de duração útil do corpo físico. É que Deus, em sua sabedoria suprema, não haveria de permitir que o fruto de sua Criação houvesse de se esfumaçar como se nunca tivesse sido por Ele mesmo criada.
Esse conceito de vida faz toda a diferença, seja para uma sensata introspecção estimuladora da constante reforma moral, seja para melhor compreensão do comportamento alheio nem sempre alinhado ao nosso. Sob o primeiro enfoque, tem lugar a necessidade de conscientização de que fomos criados para uma gloriosa ascensão, a qual exige muito trabalho, paciência e perseverança, sobretudo para impedir as surpreendentes quedas, porque o serviço no campo da alma é árido e muitas são as adversidades. Inúmeros os impedimentos para uma navegabilidade segura, qual lastro excessivo ou inabilidade do piloteiro. E todas têm a ver com as aflições acumuladas ao longo das existências próximas ou remotas, resultantes, bastas vezes, das ambições desvairadas, dos prazeres incontrolados, que subjugam o indivíduo, levando-o a uma estagnação pecaminosa.
O nosso estado psíquico constitui obra nossa, de sorte que o grau de compreensão que possuímos é fruto de nossos esforços prolongados, através dos quais edificamos o próprio destino. Com efeito, no curso das sucessivas existências, que compõem o grande colar da vida, o homem cria episódios bons e maus, acumula créditos e débitos perante a economia espiritual, os quais resultarão em alegria e tristeza. Disso resulta não nos ser lícito atribuir os desequilíbrios aos fatos e a terceiros. Se algo ou alguém nos afeta negativamente, é porque ainda gravitamos na grosseria dos sentidos. Trata-se do cumprimento da Lei da Causalidade.
Deve-se o retardo no processo ascensional à visão canhestra que se tem sobre os bens garantidores da existência corpórea. Há uma severa dificuldade de se separar aqueles que lhe sejam efetivamente úteis e indispensáveis, dos fúteis, destituídos de valores para o Espírito e que fazem o barquinho da vida encalhar. O Apóstolo Paulo enviou mensagem epistolar aos Hebreus (1:11) com o seguinte dizer: “Eles perecerão, mas tu permanecerás; e todos eles, como roupa, envelhecerão”. Perecem como roupas velhas carcomidas pelo tempo, sem renovação, desatualizadas, postas de canto, porque não se desapegaram daquilo que lhes serviria apenas na transitoriedade. Criaturas que guardam o ranço da amargura porque lutaram desmesuradamente para adquirir certos bens de vida e deles não se podem afastar. Mentes e corações presos a coisas e a fatos impedem a libertação do Espírito. Enquanto isso, os verdadeiros discípulos permanecerão junto ao Mestre, dele haurindo os mais autênticos e sublimados ensinamentos para hoje e para a vida futura.
Aqueles sofrem para adquirir, sofrem para não perder, sofrem porque não conseguiram o que sempre perseguiram. Seguem-se as contendas internas, fonte de desequilíbrio, e as externas, causas de demandas muitas vezes pitorescas. Lembramo-nos, uma vez mais, do precioso ensinamento do Apóstolo dos Gentios acerca do tema: “Porque a tristeza, segundo Deus, opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo gera a morte” (II Coríntios, 7:10). São as aflições da posse e da não-posse, que geram tristezas ligadas diretamente às necessidades psíquicas, cuja libertação só se dará ao longo de penosas reencarnações. Já a tristeza segundo Deus é a resultante do reconhecimento dos erros cometidos a gerar lágrimas de purificação, de superação, de salvação.
O segundo enfoque do conceito acima nos conduz à simples constatação de que, à medida que nos ajustamos à Vontade Suprema, passamos a ver nosso semelhante com as mesmas necessidades que enfrentamos e superamos as diferenças.
Cuidemos de refletir sobre a transitoriedade da vida corpórea, sobre os bens materiais e morais que lhe são efetivamente úteis e autênticos instrumentos à consecução de sua divina finalidade, qual seja, a da redenção do Espírito, neutralizando, tanto quanto possível, a densidade mental sobre aqueles que nos aprisionam os sentidos.
Marcus Vinicius
Fontes:
Caminho Verdade e Vida – pelo Esp. Emmanuel – psicografia de Chico Xavier – Ed. FEB, números 72 e 130.
No Invisível, Léon Denis – FEB – 26ª Edição, pág. 47