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“No extremo polo da vida

Diz a Morte: – Humanidade,

Sou a espada da verdade

E a Têmis do mundo sou;

Sou balança do destino

O fiel desconhecido,

Lanço Cômodo no olvido

E aureolo a fronte de Hugo.” (1)

 

Todos, sem exceção, preparamo-nos a cada dia para o evento a que denominamos morte, mesmo em pleno fulgor da juventude quando os ímpetos desavisados nos guindam aos excessos que lamentamos mais tarde, no outono/inverno da vida.

Morrer é processo que observa, estritamente, a trajetória da criatura ao longo da própria encarnação. Se foi alguém de hábitos frugais, de pensamentos hígidos, de ações fraternas, de manifestações de amor genuíno e de interesses voltados ao esclarecimento, o desenlace observará um rito mais fácil e rápido do que outro “cuja vida foi toda material e sensual”. (2, 2.1 e 3)

No primeiro caso, libertação simples como quem desrosqueia, por um simples giro, a tampa de uma garrafa. No segundo, as dificuldades da rolha inchada e seca que se retém e esfarela no gargalo, exigindo esforço e tempo para a sua retirada. Ali poucas horas. Aqui dias, semanas, meses…

Entre uma e outra um sem número de hipóteses, porque nem sempre as criaturas são inteiramente espirituais ou exclusivamente materiais.

Porém em todas essas mortes, classificadas como naturais, impera o rito do desligamento em três fases, segundo a descrição do Espírito André Luiz (4).

O desenlace se inicia pelo centro vegetativo ligado ao ventre, relativo às funções fisiológicas. Esticam-se os membros inferiores com sintomas de esfriamento. Posteriormente a liberação prossegue para o centro emocional, zona dos sentimentos e desejos, centro esse situado no tórax. Nessa segunda fase é normal o descompasso cardíaco e, por vezes, a sensação de angústia. Finalmente, na terceira e última fase se processa o desligamento do centro mental, que comanda o cérebro.

Em cada uma das três fases porções perispirituais correspondentes aos centros vegetativos desligados se desenlaçam do corpo físico, justapondo-se a ele.

Contudo, mesmo após a morte, ambos os corpos remanescem ligados através de uma espécie de “fio”, por quota de tempo variável, resultante das circunstâncias pessoais do desencarnante (menor ou maior apego material), até o completo desprendimento do corpo.

Na obra Evolução em Dois Mundos (5), o Espírito André Luiz justificou a manutenção da ligação entre os corpos físico e perispiritual no pós-morte, além de estabelecer um pedagógico paralelo entre a morte da criatura humana e a metamorfose da borboleta.

A larva da borboleta, no período que intermedeia sua transformação, passa por um período de diminuição das atividades orgânicas, evoluindo para a paralisação metabólica e, por conseguinte, dos movimentos.

Após a paralisia, ingressa em estágio de destruição dos tecidos, dos músculos e do aparelho digestivo da velha forma, até que ao final desse ato inicia a transformação dos resquícios musculares em verdadeiras células embrionárias que configurarão a falena-potência.

Concluído o processo a borboleta liberta-se do casulo em forma distinta da larva, não obstante continuar a ser o mesmo indivíduo.

Com a criatura humana ocorre rito semelhante por ocasião da morte. Alcançado o período de redução importante da quantidade de fluido vital, em razão da chegada da senilidade e das moléstias características que acometem os seres em geral, há uma sensível diminuição nas atividades orgânicas.

O encarnado ingressa em uma fase de imobilismo, envolvendo-se nas próprias emanações mentais e preparando-se para o rompimento dos laços que o unem às regiões orgânicas fundamentais.

Com o desligamento do centro mental (3ª fase), as memórias da encarnação recém-finda são repassadas do cérebro físico ao períspirito, incorporando ao corpo diáfano o equivalente energético das vivências mais relevantes e dos pensamentos mais frequentes – daí a pertinência da manutenção da ligação entre o corpo físico morto e o corpo espiritual, que propicia o que poderíamos chamar de uma espécie de transmissão de dados.

Então, ao recepcionar memórias representativas da encarnação finda, o tecido citoplasmático perispiritual retroagirá à condição de células embrionárias das várias formas e especializações que, mediante divisão mitótica (cariocinese), formarão o novo corpo espiritual do desencarnante, já atualizado, digamos assim, com os novos dados transmitidos, fator que autoriza o desligamento definitivo dos corpos.

Desta forma, a conduta da criatura humana ao longo da encarnação não se reveste de um papel meramente facilitador ou complicador no processo de desenlace do carro físico, por ocasião da morte.

A conduta é também o principal elemento formador da plataforma perispiritual humana. Transcende em muito a ética religiosa do julgamento daqueles que praticaram o bem ou o mal, para se firmar como autêntico tijolo biológico que externa, no períspirito, a sentença imediata proferida pelo próprio desencarnante, em movimento automático.

Por isso é imperativo que aproveitemos o tempo que nos resta encarnados, privilegiando as oportunidades iluminativas à mercê dos preceitos cósmicos trazidos pelo Cristo de Deus, sem retermos os nossos pensamentos nos erros cometidos no passado, castigando-nos em lamentações de culpas e remorsos pelo que já está feito.

E assim devemos proceder, a uma, porque, no dizer do apóstolo Pedro (I, 4:8), “…a caridade cobre a multidão dos pecados”, o que significa dizer que a nossa busca por iluminação minora ou mesmo suprime os equívocos do pretérito; a duas, porque ao alimentarmos pensamentos de culpa ou remorso por atos infelizes do passado, não só nos colocamos sob o alcance malicioso de entidades obsessoras, como também, e isso é fundamental, acabamos por inocular em nossos períspiritos os gérmens dos mais variados transtornos que se manifestam nas afecções conhecidas como depressão, bipolaridade, pânico, compulsões, esquizofrenia e outros tantos desajustes que, via de regra, não são mais do que a exteriorização da culpa e do remorso no campo perispiritual daqueles que reencarnam sem concederem a si mesmos o beneplácito do autoperdão.

Quem muito lamenta os erros praticados não encontra tempo para as devidas corrigendas e sucumbe abraçado com as próprias nódoas.

Daí ser imperativo vivermos com sabedoria, admitindo e transformando os nossos equívocos em condutas positivas de reajuste, ao invés de nos imobilizarmos em reiteradas e estéreis autoacusações.

Assim procedendo, arrostaremos a morte no momento devido e nela veremos, apenas, um portal para novas experiências enriquecedoras no caminho da angelitude que se encontra inexoravelmente destinado a todos nós.

 

Cleyton Franco

 

(1) – Parnaso de Além-Túmulo, Francisco Cândido Xavier/Poetas diverso. A Morte, por Castro Alves, pag. 257, 11ª edição, 1982, Edt. FEB.

(2) O Livros dos Espíritos, Allan Kardec, questão 155.

(2.1) Ibidem, questão 164.

(3) O Céu e o Inferno, Allan Kardec, Cap. I, itens 7, 13 e 14.

(4) Obreiros da Vida Eterna, Francisco Cândido Xavier/André Luiz, cap. XIII, pag. 210, 21ª ed., 1995, Edt. FEB

(5) – Evolução em Dois Mundos, Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito André Luiz, caps. XI e XII, págs. 81 a 88, 13ª. edição, 1993, Edt. FEB

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