Abrem-se as cortinas para um novo tempo. Mas os aparelhos que marcam as horas são insensíveis a qualquer mudança de calendário. Ainda que o Ano Novo se insinue promissor em face de todas as aspirações do Ser Humano, os marcadores dos segundos não lhe dão a mínima importância, porque para estes tudo continua precisamente da mesma forma, ao som do tique-taque para os saudosos analógicos ou ao silêncio dos digitais. Apesar disso, a euforia toma conta das pessoas que vibram com a passagem do ano na vã esperança de que algo mudará definitivamente em suas vidas, para melhor, é claro, como num autêntico passe de mágica.
Mesmo aquele que tem consciência de que as mudanças dependem de sua própria iniciativa, costuma relegar para essa época de transição ânua a concentração de esforços em favor do empreendimento importante de sua existência: cuidar melhor do corpo que já dá sinais de alterações preocupantes; dar atenção à alma em desalinho; investir melhor nos relacionamentos afetivos, de molde a obter equilíbrio; eliminar vícios e hábitos sabidamente prejudiciais ao bem estar físico e moral; mudar de atividade; alterar o comportamento etc. Mas, inexoravelmente, a festa passará, como efetivamente passou, qual ocorreu com todos os eventos da mesma natureza em anos anteriores, e o candidato a reformas não logrou alterar absolutamente nada em seu próprio benefício, a tudo permanecendo insensível como aqueles aparelhos mecânicos.
Considerando que os dias e as noites são os mesmos ao longo dos anos e dos séculos, com alterações somente quanto aos fenômenos meteorológicos, é de se concluir que as mudanças poderiam ser almejadas a cada aurora ou anoitecer, em qualquer horário e hemisfério, ante a ausência de lógica para sua protelação, porque tudo decorre do comando mental.
Mas qual seria o real impedimento para as mudanças conscientemente queridas e necessárias? Por que as iniciativas são adiadas? A resposta vem de pronto: porque falta a principal fonte motivadora, que é o entendimento sobre a verdadeira finalidade da reencarnação. Além disso, concorrem o comodismo e o medo das perdas que fatalmente ocorrerão a cada passo firme dado na escalada evolutiva.
Recordamos que as reencarnações são, de regra, oportunidades dadas ao Espírito para se ajustarem com os atos praticados no passado em desconformidade com a Lei, seja por desafio obstinado, seja por ignorância. Não se trata de um mero automatismo biológico como ainda sustentam os cientistas impermeáveis às revelações espirituais sobre a imortalidade da alma, mas sim de uma realidade intuída pelos antigos e a final difundida pelos Instrutores Espirituais que encontraram em Allan Kardec um verdadeiro investigador determinado em conhecer a verdade e romper a barreira entre o mundo dos Espíritos e o mundo dos Homens ([i]). Em reforço à tese, cabe reproduzir a lição do instrutor Alexandre: “…a reencarnação é o curso repetido de lições necessárias. A esfera da Crosta é uma escola divina. E o amor, por intermédio das atividades ‘intercessórias’, reconduz diariamente ao banco escolar da carne milhões de aprendizes” ([ii]). (destaque nosso). O Espírito André Luiz ([iii]), utilizando linguagem de fácil assimilação, detalha um procedimento dessa natureza que teve por protagonista o reencarnante Segismundo, podendo-se extrair de seu relato que o próprio Espírito serve de molde vivo para o corpo somático. Com efeito, no episódio em destaque, esse irmão em processo reencarnatório foi alvo de uma caridosa advertência no sentido de restaurar sua fé, que no momento era vacilante, para não entrar na corrente material daqueles despreparados que exigem absoluto estado de inconsciência para essa transição. E, permanecendo vigilante, passasse a mentalizar os primórdios de uma condição fetal, formando em sua mente o modelo adequado. Por fim, lembrou-lhe o instrutor que o seu trabalho individual seria muito importante no setor da adaptação e da recepção.
Seguindo na mesma diretriz esclarecedora, recordamos os preciosos ensinamentos de André Luiz ([iv]) ao comentar as revisões das experiências: “É que a mente, no limiar da recomposição de seu próprio veículo, seja no renascimento biológico ou na desencarnação, revisa automaticamente e de modo rápido todas as experiências por ela própria vividas, imprimindo magneticamente às células, que se desdobrarão em unidades físicas e psicossomáticas, no corpo físico e no corpo espiritual, as diretrizes a que estarão sujeitas, dentro do novo ciclo de evolução em que ingressam”.
Enquanto mergulhado na matéria densa, o Espírito tende a esquecer de si mesmo, passando a cuidar quase que exclusivamente dos problemas do corpo físico e de sua melhor acomodação ao meio ambiente terreno. Em virtude disso, os problemas de ordem transitória passam a ter prioridade sobre os interesses permanentes da criatura. “Isso explica – embora não justifique – a morosidade com que se desenvolve o conhecimento da natureza espiritual do homem”, completa Herminio C. Miranda ([v]). Justamente por esse motivo, poucos deslocam seus pensamentos no sentido de descobrirem suas necessidades evolutivas. Ouvem os chamamentos do Cristo, mas não Lhe incorporam a Doutrina salvacionista. Entendem a lógica da reencarnação, mas não assumem a responsabilidade que dela deriva. Olvidam uns, ignoram outros, que as transformações obtidas hoje, em qualquer nível e grandeza, alterarão o molde psíquico do indivíduo para as formatações de sua própria vida futura. Acaso advenha o despertamento teórico, a pouca fé, a claudicância e o temor quanto ao novo obstaculizam as transformações, porque cada passo dado rumo à evolução implica perda de vínculos aos quais se encontram arraigados por anos sem conta e delas fatalmente sentirão falta. Por conta disso, a protelação em assumir mudanças íntimas, em nome da autopiedade, conquanto haja a certeza – senão fortes elementos de convicção – de que uma oportunidade mal aproveitada redundará na repetição do curso, qual ocorre com o aluno pouco aplicado. Paradoxalmente, o indivíduo apresenta fortes razões para repudiar um recomeço nesta mesma escola, que é o planeta Terra, posto haver vivenciado nela uma experiência angustiante, penosa, às vezes monstruosa. Assim é que, embora tenha medo do futuro acaso persista nos mesmos erros e na mesma condição espiritual, nada faz, por ora, para alterar a equação.
Os dias passam, os anos se vão, a presente encarnação avança para o seu término, apresentando um diminuto saldo positivo, embora o Senhor da Vida houvesse provido o indivíduo com os talentos necessários e com todas as oportunidades de fazê-los render em proveito de um rápido avanço para a regeneração. Hoje – qualquer dia – é o melhor tempo para reflexão e para pôr em prática as mudanças que a alma necessita, visando a vida futura plena em alegria e paz. No lugar de promessas, hajam realizações para as quais a Espiritualidade amiga nos fortalecerá.
Marcus Vinicius
[i] O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – Tradução J. Herculano Pires – LAKE, Cap. VIII.
[ii] Missionários da Luz – psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB, 36ª Ed., pág. 199.
[iii] Idem, ibidem, Cap.13.
[iv] Evolução em dois mundos – psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB, 14ª Ed., pág. 93.
[v] Reencarnação e imortalidade – Hermínio C. Miranda – FEB, 6ª ed. pág. 154.