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Dizem que Simeão, o velho Simeão, homem justo e temente a Deus, mencionado no Evangelho de Lucas, após saudar Jesus criança no Templo de Jerusalém, conservou-o nos braços acolhedores de velho, à distância de José e Maria, e dirigiu-lhe a palavra, com discreta emoção:

─ Celeste Menino – perguntou o patriarca – por que preferiste a palha humilde da manjedoura? Já que vens representar os interesses do eterno Senhor na Terra, por que não vestiste a púrpura imperial? Como não nasceste ao lado de Augusto, o divino, para defender o flagelado povo de Israel? Longe dos senhores romanos, como advogarás a causa dos humildes e dos justos? Por que não vieste ao pé daqueles que vestem a toga dos magistrados? Então poderias ombrear com os patrícios ilustres, movimentar-te-ias entre os legionários e tribunos visando a libertação… Por que não chegaste, como Moisés, valendo-se do prestígio da casa do faraó? Quem te preparará, Embaixador Eterno, para o ministério santo? Que será de ti, sem lugar no Sinédrio? Samuel mobilizou a força contra os filisteus, preservando-nos a superioridade; Saul guerreou até a morte, por manter-nos a dominação; David estimava o fausto do poder; Salomão, prestigiado por casamento de significação política, viveu para administrar os bens enormes que lhe cabiam no mundo… Mas… tu? Não te ligaste aos príncipes, nem aos juízes, nem aos sacerdotes!… Não encontrarias outro lugar, além do estábulo singelo?…

Jesus menino escutou-o, mostrou-lhe sublime sorriso, mas o ancião, tomado de angústia, contemplou-o mais nitidamente e continuou:

─ Onde representarás os interesses do Supremo Senhor? Sentar-te-ás entre os poderosos? Escreverás novos livros de sabedoria? Improvisarás discursos que obscureçam os grandes oradores de Atenas e Roma? Amontoarás dinheiro suficiente para redimir os que sofrem? Erguerás novo templo de pedra, onde o rico e o pobre aprendam que são filhos de Deus?

Depois de longo intervalo, indagou em lágrimas:

─ Dize-me, ó Divina Criança, onde representarás os interesses do nosso Supremo Pai!

O menino tenro ergueu, então, a pequenina destra e bateu, muitas vezes, naquele peito envelhecido que se inclinava para o sepulcro…

Nesse instante aproximou-se Maria e o recolheu nos braços maternos.

Somente após a morte do corpo, Simeão veio a saber que o Menino Celeste não o deixara sem resposta.

O Infante Sublime, no gesto silencioso, quisera dizer que não vinha representar os interesses do Céu nas organizações respeitáveis, mas efêmeras da Terra. Vinha da Casa do Pai justamente para representá-lo no coração dos homens.

 

Wallace Leal V. Rodrigues in “Remotos Cânticos de Belém”

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