Basta existir para ocupar um lugar.
A assertiva, sem dúvida, faz menção a um espaço geográfico, embora possa também subentender ordem na escala evolutiva, por exemplo.
O foco de interesse neste estudo, todavia, prende-se a espaço reservado.
O Espírito inicia sua via sacra nos campos da matéria alojando-se no útero materno. Renascendo para a vida na Terra, se estabelece no lar que o acolhe. Desenvolve sua potencialidade nos Institutos Educacionais e relaciona-se com o mundo à sua volta. Aperfeiçoa-se na profissão escolhida e é inserido no grupo de trabalho. Enfim, nos mais diversos ambientes, desenvolve suas aptidões e cumpre seus compromissos para com a sociedade em que vive, para consigo mesmo, e para com Deus; ajusta-se às circunstâncias e aos companheiros com quem troca experiências, agregando valores responsáveis pela sua evolução.
Até aqui examinamos fatores que condicionam o crescimento do Ser no âmbito material. Os espaços de convivência e aprendizado caracterizam-se por indutores de atuação externa, isto é, agem de fora para dentro moldando-lhe o caráter, a personalidade, interferindo beneficamente, se forem de ordem superior, nos padrões do Cristo.
Enquanto os condicionantes externos obedecerem a linha de conduta estruturada na Lei, felizes os que souberem aproveitar tais espaços. No entanto, quando os padrões diretivos do comportamento humano se desviam da ética e desvirtuam o aprendizado, geram tumulto, confusão de ideias, desperdício de tempo, abusos de toda ordem, os quais, atingindo o campo sensorial do indivíduo, acabam por transviá-lo do caminho projetado para seu progresso.
Numa análise superficial de como se comporta a Humanidade nos dias atuais, percebe-se com clareza que os lugares escolhidos para vivenciar suas emoções, seus desejos de realização, suas construções mentais dignas, nem sempre são os mais aconselháveis. Há tumulto. Há confusão. Há distorção de valores. Há excessivo culto aos deuses de barro identificados no exagerado apego à beleza da forma física, no consumismo do supérfluo, nas bebidas e tóxicos alienantes. Há desentendimento entre as gerações. Conflitos esses que atiram os desavisado a zonas de desconforto moral e espiritual.
O Divino Pastor, porém, distante no tempo e no Espaço, prevendo que no porvir haveria escassez de lugar adequado, para a meditação e recepção de Seus ensinos, aproveitou um momento circunstancial em Sua jornada apostolar, para ensinar aos discípulos a importância da interiorização, e disse-lhes: “Vinde vós aqui, à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco” (Marcos, 6:31), e a lição ficou gravada no Cosmo, tornando-se atemporal.
O Mestre convidou-os para que tomassem assento no barco e atravessassem o lago, a buscar repouso na margem oposta à que se encontravam, longe da ruidosa multidão. Era um ambiente apropriado, capaz de aliviar as tensões do trabalho árduo junto aos sofredores de toda espécie.
O conselho atravessou gerações, permaneceu na acústica do tempo, continua instigante, embora poucos atendam ao convite.
Certamente, diriam alguns: onde o barco singelo a navegar pelas águas mansas do Lago de Genesaré conduzindo ao descanso? Onde o poente das tardes cálidas a se refletir nas águas, propício à meditação? Onde a aragem perfumada provinda dos pomares e jardins que enfeitavam a Galileia? Os pinceis de Deus, efetivamente, tingiram a aridez do deserto com as cores do Céu…, mas, onde o silêncio envolvente provindo das colinas de curvas suaves, a embalar as mentes exaustas? Dispomos, hoje, em meio à azáfama diária, desses lugares radiantes? O convite terá sido apenas para os de então? Será utopia ou ingenuidade, dar crédito às palavras do Cristo?
Tais questionamentos carecem de base.
Leitor amigo! É tempo já, de captarmos com os ouvidos da alma as diretrizes divinas.
O “lugar à parte” da referência cristã é acessível a qualquer que queira nele repousar por instantes, uma vez que se encontra no interior de cada criatura, no santuário do coração. Pode-se estar em meio a grande agitação e, ao mesmo tempo, num espaço particular. Basta que se tenha vontade para isso. Leciona Emmanuel que “o cérebro é o dínamo que produz a energia mental, segundo a capacidade de reflexão que lhe é própria; no entanto, na Vontade temos o controle que a dirige nesse ou naquele rumo, estabelecendo causas que comandam os problemas do destino”.(1) De forma mais clara, o nobre instrutor nos ensina que o cérebro reflete a energia que vem do Espírito, e que essa força é dirigida pela Vontade.
Folheando um livro que tem por título “Longe é um Lugar que não Existe” da autoria de Richard Bach, observei a semelhança da história narrada, com o convite de Jesus. Em síntese apertada o autor relata que Rae Hansen, uma menina às vésperas de seus cinco anos, convida-o para a sua festa de aniversário. Confiante, ela o espera, apesar de saber que sua casa ficava além de desertos, tempestades e montanhas… Richard, então, para chegar até ela, se utiliza do “pensamento e vontade”, e “viaja nas asas da águia, sobre as montanhas, subindo no vento”(2). Aí está o mecanismo pelo qual pode alguém retirar-se, sem sair de onde está… Eduque-se o pensamento, e a vontade nos conduzirá.
Há desgaste físico ou mental? Paralisa o trabalho por breves minutos; silencia a mente atribulada, volte-se para dentro de si mesmo e nas asas de uma prece sentida, busque planar acima das águas encapeladas como fazem as gaivotas em dias de tempestade. Eis aí o “lugar à parte”. Não como o interpretaram os homens, buscando internar-se na Natureza bruta em vida solitária, tornando-se inúteis à sociedade; ou, como fogem outros, do serviço que lhes compete, refugiando-se em mosteiros sombrios, recitando orações intermináveis num verdadeiro exemplo de fé sem obras…
É no silêncio interior da alma que se encontra o Cristo, pronto a revigorar o ânimo dos que se acham exaustos.
De tal forma, amigo leitor, esteja onde estiver, não busque o descanso que se traduz por estagnação imprópria; ao contrário, faça por organizar dentro de si mesmo o ambiente onde o Bom Pastor apascentará suas agruras e tristezas, dúvidas e indecisões conduzindo-o novamente à serenidade, à calma necessária para, gradativamente, percorrer os caminhos que levam ao redil do Pai.
Fonte de inspiração:
O Pão Nosso – Francisco C. Xavier pelo Espírito Emmanuel – cap. 34
(1) Pensamento e Vida – Francisco C. Xavier pelo Espírito Emmanuel cap.02
(2) Longe é um Lugar que não Existe – Richard Bach
Yvone