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No Sermão da Montanha, Jesus procurou despertar o Ser Humano para a necessidade de lutar pela aquisição de virtudes destinadas a sua redenção. Os pobres de espírito, isto é, os humildes, simples, teriam o Reino do Céu; os puros de coração qual uma criança, veriam a Deus; os mansos possuiriam a Terra, enquanto os pacíficos seriam chamados filhos de Deus. Os misericordiosos, portadores de bondade pura, senhores da comiseração e compaixão, alcançariam a misericórdia. Já aos aflitos, aos que choram, aos pobres e miseráveis, prometeu consolação (Mateus, 5: 3 a 11). A todos estes Espíritos arrolados exemplificativamente pela virtude ou pelo sofrimento denominou de bem-aventurados, como se eles fossem ou se tornassem redimidos e merecedores de felicidade plena. Pensamos que essa expressão merece uma interpretação mais restrita e condizente com as respectivas situações, na medida em que a simples passagem do Espírito por essas experiências destinadas a aquisições morais não lhes garante a plenitude, até porque, no dizer de Emmanuel, “…renascemos na Terra com as forças desequilibradas do nosso pretérito para as tarefas de reajuste”.([i])

Fica claro que não se está questionando a palavra do Cristo, nem as traduções dos Evangelhos. Apenas nos permitimos uma interpretação racional, firmes no critério adotado pela Espiritualidade Maior na elaboração dos livros básicos da Codificação Espírita e em obras complementares de inexorável credibilidade. Com efeito, o estudioso da Doutrina não ignora o cuidadoso trabalho realizado pelos exegetas em torno da mensagem do Cristo, para auxiliar a todos no seu correto entendimento, livre das influências dogmáticas que lhe distorceram a sublime essência. Por outro lado, está convicto de que a fé raciocinada, positiva e eficiente é aquela resultante de estudos e pesquisas em busca das versões aceitáveis pelo intelecto e pelo bom senso.

Com essa liberdade, busquemos o sentido da palavra composta BEM-AVENTURANÇA. De princípio, insta entendê-la como expressando o superlativo da evolução espiritual, padrão em que a individualidade se encontra em estado transcendental de tranquilidade, de paz, de harmonia com a Natureza e com a Mente Divina. Nesse estágio, a dor que a todos atormenta já não dói; a alegria que extasia, não produz qualquer sensação, porque o Ser Espiritual está acima desses sentidos e das emoções. O próprio Jesus Cristo, ao transitar em tarefa de amor pela atmosfera densa deste Planeta, foi submetido a intensas dores físicas e morais, mas não as assimilou porque se situava acima delas, integralmente comprometido com sua sublime missão. Teve lucidez e equilíbrio para se dirigir ao condenado Dimas, que ocupava a Cruz a Sua direita, para tranquiliza-lo; para recomendar que João cuidasse de sua genitora; para pedir ao Pai que perdoasse os seus algozes porque não sabiam o que faziam. Este exemplo foi seguido por cristãos como Joana de Cusa, Joana D’Arc, o apóstolo Paulo, dentre vários mártires conhecidos e outros tantos cujos nomes não são do domínio público.

Para chegar a esse padrão é indispensável o afastamento gradativo e penoso das perturbações sensoriais e dos pensamentos atávicos que ressoam na intimidade. Vale dizer, esse processo é dos homens, que nascem simples e ignorantes, competindo-lhes encontrar a seu tempo a consciência da Luz e a responsabilidade de desenvolvê-la por seus próprios méritos. Não é apenas por se tornarem bons, mansos, pacíficos, simples, humildes, terem sede de justiça ou mesmo por enfrentarem as aflições regeneradoras que o Espírito alcança a bem-aventurança. Quando muito, gozará a felicidade relativa, própria de quem atingiu degraus evolutivos no estágio da consciência e quitou algumas dívidas do passado. Para melhor entendimento, recordemos a Escala Espírita transmitida pela Espiritualidade a Allan Kardec ([ii]): Espíritos Imperfeitos – Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão ao mal. Ignorância, orgulho, egoísmo, e todas as más paixões que lhes seguem. Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem; Espíritos bons – Predomínio do Espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e seu poder de fazer o bem estão na razão do grau que atingiram: uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade; os mais adiantados juntam ao seu saber as qualidades morais; Espíritos Puros – classe única – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, em relação aos Espíritos das outras ordens. Percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Havendo atingido a soma de perfeições de que é suscetível a criatura, não têm mais provas nem expiações a sofrer. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, vivem a vida eterna, que desfrutam no seio de Deus.

Por esse motivo, dissentimos de Paramahansa Yogananda, mestre hindu, fundador de Self-Realization Felowship, autor de “A Ciência da Religião” ([iii]), que desenvolveu uma teoria segundo a qual Deus seria a própria Bem-aventurança. A uma, porque os atributos de Deus, conhecidos pelo nosso estágio intelectual e extraídos das Escrituras e igualmente transmitidos pelos Espíritos ([iv]) são: imaterialidade, eternidade, imutabilidade; Ele é todo-poderoso, infinitamente perfeito, soberanamente justo, bom e único. Sendo Pai e Criador de todas as coisas, está acima das bem-aventuranças, pois estas estão reservadas à conquista das criaturas, ao longo das múltiplas experiências no decurso dos milênios e Ele não tem paradigma. A duas, porque, se o homem seria bem-aventurado por haver conquistado virtudes, Deus sempre foi o que é, de sorte que nunca precisou conquistar absolutamente nada. Ele possui, desde sempre, mais do que simples virtudes, posto ser PLENO.

Feitas essas rápidas análises, chegamos à conclusão de que os bem-aventurados referidos por Jesus são aqueles que, por esforço próprio, dominaram suas más tendências, adquiriram virtudes, mas ainda precisam reencarnar, de sorte que a melhor interpretação à expressão utilizada por Jesus é a de que eles são vencedores, relativamente sublimados, mas ainda impuros, devendo-se reservar a verdadeira bem-aventurança para os denominados Espíritos puros.

Isso não será motivo para desânimo àqueles que já despertaram para o processo de autoconhecimento e encaram com seriedade a marcha evolutiva. Ao contrário, ratifica a promessa do Cristo sobre o Reino de Deus.

Marcus Vinicius

 

[i] Fonte Viva – Esp. Emmanuel, através do médium Chico Xavier – FEB – item 110.

[ii] Livro dos Espíritos (O), Allan Karcdec – tradução José Herculano Pires – LAKE, 66ª Ed. Questões 100 a 113, págs.80 a 86.

[iii] Ciência da Religião (A) – Self-Realization Fellowship – 2011 – págs. 42 a 52.

[iv] Livro dos Espíritos (O) idem, ibidem, Questões 10 a 13, págs. 57/58 e Gênese (A) , Allan Kardec – apresentação e notas de Herculano Pires, Ed. FEESP, págs. 69 a 73.

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