Amorável Jesus,
Estamos de retorno.
Ontem, nesse passado sempre presente, ouvimos-te nas paisagens formosas da gentil Galileia e fascinamo-nos com os teus sublimes ensinamentos.
Tocados sinceramente no coração, resolvemos seguir-te a distância através dos tempos, vivendo e cantando a tua mensagem libertadora.
No entanto, o mundo que enfrentamos não era semelhante às praias formosas e calmas de Cafarnaum e deixamo-nos vencer pelas ondas encapeladas, pelo tumulto das nossas paixões não apaziguadas, afogando-nos lamentavelmente.
Durante largo período em que procuramos retornar ao teu rebanho de amor, somente complicamos a conduta, cada vez afundando mais nas águas revoltas do desespero íntimo.
Sentíamos saudades de ti e não conseguimos decodificar corretamente. Por isso, fugíamos de nós mesmos, buscando fora o que somente é possível encontrar no interior dos sentimentos profundos.
Enquanto nos ensinava a correr para o deserto, para acalmar a febre das paixões primitivas, atirávamo-nos nas labaredas dos incêndios morais e gozos alucinantes.
Largo tempo transcorreu desde aqueles dias inolvidáveis.
Mas tu não desististe de nós e nos trouxeste as regiões calmantes do teu coração.
Retornamos na condição do homem que foi assaltado na descida de Jerusalém para Jericó e socorrido pelo samaritano.
Com a alma em frangalhos, recebemos o bálsamo e o carinho da misericórdia do Céu em teu nome e nos erguemos.
Agora estamos de volta à tua barca e ouvimos-te outra vez cantando os hinos de eterna beleza de que se enriquecem os nossos corações.
As baladas das bem-aventuranças comovem-nos de maneira muito especial e os teus convites de afeto e alegria de viver e de servir dão-nos resistência para vencermos o mal interno e acompanhar-te na áspera subida e permanência na perversa e imensa Jerusalém da sociedade contemporânea.
O mundo estertora e desejamos acalmá-lo, iniciando a revolução da paz no próprio coração e alongando-a pelas terras desérticas das vidas estioladas, mediante as chuvas de gentilezas e amizades, evocando-te as atitudes e repetindo-as.
Continuamos ouvindo o teu poema de luz e de liberdade total, com a musicalidade sublime do amor que nos enriquece e plenifica.
Direciona o teu olhar para nós e acolhe-nos novamente, sorrindo, como se estivesses a dizer:
─ Sede bem-vindos, filhos diletos de meu Pai!
Amélia Rodrigues