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Dentre as divinas recomendações de Jesus em benefício da Humanidade está aquela que contém um preceito aparentemente contraditório e até certo ponto desanimador. Disse Ele: “Sede perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial” (Mateus, 5:48). De pronto, recordemos que esse comando encerra uma série de exortações em torno do comportamento humano ante o despertar do amor ao próximo, no qual se funda a Boa Nova. Por isso, a primeira apreciação merece o abrandamento da retórica.

Ademais, sendo do próprio Mestre a fala soberana sobre a paternidade única e absoluta de Deus sobre todos os seres, qual se vê em Mateus, 12:29: “O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só”, e quando nos ensina a oração dominical: “Pai nosso que estais no céu…”, não dá margem a dúvida de que nenhum filho, por mais especial, chegaria ao Seu grau de pureza. Por isso que, com a proficiência de sempre, Allan Kardec recomenda seja o texto acima interpretado restritivamente, ou seja, a perfeição deve ser entendida como aquela relativa e suscetível de ser atingida pela Humanidade (Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII). Essa perfeição possível não ficou à margem dos ensinamentos. Voltemos ao mesmo Capítulo 5 do Evangelho de Mateus, versículos 44 a 47 – aqueles que antecedem a frase acima negritada – para dali extrair as lições: amar aos inimigos e orar pelos que nos perseguem, porque, a final de contas, Deus não faz distinção quando provê a todos os Seus filhos das fontes de energia, não nos sendo lícito fazê-lo em Seu nome.

Nessa linha de raciocínio, basta sejamos pessoas de bem, que estaremos cumprindo a programação divina contida na Lei de Progresso, a qual nos conduzirá às culminâncias espirituais, em tempo certo, conforme seja o nosso aproveitamento nesta instância. Ninguém se atreverá a afirmar que isso consiste em tarefa de fácil execução, porque são muitas as arestas acumuladas em nossa individualidade ao longo de jornada milenar, e não serão expurgadas ao comando de um impulso abrupto. O novo Ser Humano que se pretende moldar sob a Luz do Evangelho de Jesus dependerá de muita determinação e renúncia. Uma vez mais nos valemos de alguns ensinamentos precisos de Allan Kardec sob o título O HOMEM DE BEM [i]. Diz ele: “O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa Lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa dele, enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem”. Na sequência, discorre sobre várias hipóteses do comportamento humano, que sintetizamos: aceitação das dores, sem murmurações; não fazer distinção entre raças e crenças; não alimentar ódio, rancor, nem ter desejo de vingança; não se comprazer em rebuscar os defeitos alheios; trabalhar incessantemente para combater suas imperfeições; não se envaidecer; não abusar de eventual poder passageiro; não se revoltar quando na subalternidade.

Nesse cenário, há os que se posicionam perigosamente de maneira extremista, escravos do perfeccionismo, seja porque assim foram moldados na infância, seja por aceitação fria da letra, sem uma interpretação racional. Por não admitirem suas próprias imperfeições, sofrem conflitos psicológicos que variam de extensão e sempre causam transtornos comportamentais, em prejuízo do processo evolutivo. Um desses problemas implica na conduta obsessivo-compulsiva. O obsessivo é aquele que pensa e repensa constantemente em torno de uma ideia fixa; o compulsivo avança para a prática de atos repetitivos.[ii] Tais pessoas não conseguem conviver com seus próprios limites. Pensam que nada valem, porque cometem erros incompatíveis com o comportamento de um Ser perfeito. Tudo o que fazem fica aquém do desejável. Resultado: decepção constante consigo mesmo; estado permanente de infelicidade. Alvo perfeito para sintonia com agentes perversos habitantes do Plano Espiritual. Esse distúrbio exige tratamento adequado, tendo por pano de fundo a realidade inexorável de que todos somos aprendizes, vulneráveis, portanto, e temos o direito de errar e aprender com os próprios erros, lobrigando o amadurecimento, que é gradativo e racional.

A propósito, transcrevemos o parecer de Emmanuel: “Deus permitiu que as quedas d’água existissem para que percebêssemos quanta força e renovação podemos extrair de nossas próprias quedas”.[iii]

Procuremos ser melhores a cada dia, combatendo as imperfeições sobre as quais temos consciência hoje e estejamos preparados para aquelas que nossa visão ainda não despertou, conscientes de que todas elas são as chagas que produzimos e que devemos curar por nós mesmos, sempre com a ajuda dos mensageiros de Jesus e a permissão do Pai.

 

Marcus Vinicius

 

[i] Evangelho Segundo o Espiritismo (O) – Kardec, Allan – Tradução Guillon Ribeiro, FEB, 131ª edição, págs. 132/134.

[ii] Reformador – janeiro 2008 – Os riscos do perfeccionismo.

[iii] Companheiro, 23ª Edição, IDE, cap. 12.

 

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