A 5ª temporada da série The Chosen teve os seus dois primeiros capítulos lançados nos cinemas, restando, conforme tem sido a praxe nas últimas temporadas, os demais capítulos para veiculação em uma das plataformas de streamings disponíveis, atendendo aos interesses comercias de seus produtores.
O cuidado na concepção da série é elogiável, mesmo que observemos licenças poéticas e hipérboles que podem ser justificadas pela visão espiritual daqueles que auxiliam o diretor, Dallas Jenkins, sem que resida nesta afirmação crítica de qualquer espécie.
A obra é profundamente oportuna, não só porque torna acessível a todos uma relativa compreensão dos ensinos de Jesus, como também pelo fato de que, ao ganhar escala, vem provocando reflexões e debates construtivos no meio cristão e fora dele. E se não podemos assegurar que era esse o objetivo de seus produtores, somos capazes de afirmar que os Espíritos precursores do projeto buscavam exatamente esse alcance. E é evidente que conseguiram.
Isto posto, voltamos a nossa atenção para os dois primeiros capítulos da quinta temporada da série, que tratam dos preparos e da entrada messiânica de Jesus em Jerusalém, a expulsão dos mercadores do templo e o robustecimento da conspiração dos fariseus. Nos fixaremos no segundo item (a expulsão dos mercadores do templo), dado o impacto causado pelas imagens.
Em providências relativas à viagem a Jerusalém, Jesus determinou que dois dos apóstolos encontrassem um jumento com características definidas. Após finalizados os preparos e obtido o animal, o Mestre, apóstolos e alguns seguidores puseram-se em direção à cidade santa, visando a participação na páscoa judaica. Os portões da entrada principal estavam coalhados de gente que, ao avistarem Jesus sobre um jumentinho, saudaram-no com “Bendito é o Rei que veio em nome do Senhor.” Os apóstolos pareceram lembrar-se da profecia de Zacarias (9:9), sobre a entrada do Messias em Jerusalém montado em um jumento.
Após algumas cenas menos importantes, observamos Jesus e os apóstolos reunidos no pátio dos gentios, dentro do Templo de Jerusalém, presenciando o comércio de animais. Um dos cambistas, um vendedor de pombas, recebe o foco da câmera revelando não só a sua avareza, mas também a corrupção instalada no templo por força do tráfico das coisas santas.
Então Jesus entra em ação de forma enérgica, e na cena seguinte derruba bancas e cadeiras dos cambistas, espalhando moedas, espantando os animais com um chicote feito de pequenas cordas e expulsando os mercadores do pátio dos gentios (átrio do templo), agindo de forma quase colérica, o que, obviamente, gerou discussões acaloradas sobre se, de fato, o meigo Rabi teria se portado daquele modo. Na verdade a discussão é antiga e comporta visões antagônicas, seja dos adversários do Cristianismo que veem no ato uma suposta incoerência entre a caridade pregada e a violência empregada, seja dos cristãos que buscam minorar o acontecido.
Importante esclarecer que havia no templo, no mesmo pátio dos gentios, um local denominado altar do holocausto, onde os animais eram queimados em oferendas a Deus, a fim de que os fiéis recebessem perdão dos seus erros ou mesmo pleiteassem a entrada no Reino do Criador. Esses animais eram vendidos por valores correspondentes ao seu tamanho, e grande parte do montante apurado era direcionado aos dirigentes do templo e aos sacerdotes que presidiam os sacrifícios. O mais inusitado é que os fiéis só podiam transitar pelo pátio dos gentios, sendo-lhes vedado o ingresso na parte alta do templo, exclusiva para os sacerdotes. A estrutura do templo era guarnecida por soldados próprios, assim como pelos romanos, máxime nesse tempo em que havia “no ar” um levante iminente dos zelotas, grupo que pretendia a libertação do povo hebreu da dominação romana através da luta armada e do qual, crê-se, Judas Iscariotes fazia parte.
Pois bem. Saindo da série e buscando o apoio nas escrituras, encontramos o episódio narrado pelos quatro evangelistas. Em Mateus 21:12-13 e Marcos 11: 15-17, Ele virou mesas e cadeiras e expulsou os cambistas do templo. Em Lucas 19:45-46, Ele apenas os expulsou, enquanto em João 2:14:17, Ele fez um chicote de cordéis e afugentou os animais, virando as mesas e derramando o dinheiro dos cambistas (versão adotada pela série), sendo que dos quatro evangelistas, apenas João relatou esse acontecimento no início da vida pública de Jesus, no ano de 28 (31), enquanto os demais situaram o fato em uma sequência que se inicia no dia 02 de abril de 30 (33), com a entrada no Templo de Jerusalém, culminando com a prisão do Mestre no sopé do Monte das Oliveiras, em 06 de abril do mesmo ano.
Tanto João (2:18), quanto Marcos (11:18), reportaram que sacerdotes e escribas presenciaram o fato. Não é demais lembrar que os religiosos buscavam um motivo para prender Jesus e, se caso Ele tivesse exorbitado da força ou agido com violência, muito certamente seria preso por ordem do sumo sacerdote ou mesmo por determinação dos romanos aquartelados na vizinha Fortaleza Antônia.
Assim, parece improvável que Jesus tenha agido com violência em face das pessoas ou dos animais, mas é fato narrado nos Evangelhos que Ele agiu com energia e firmeza, buscando sinalizar aos que Lhe acompanhavam mais de perto (apóstolos e discípulos), a gravidade da situação em que se encontrava o templo. Assim procedendo, fez lembrar episódio semelhante vivido pelo profeta Jeremias no primeiro Templo de Jerusalém, igualmente usurpado por aproveitadores e oportunistas. No capítulo 19:10-11, Jeremias é instruído por Deus nos seguintes termos: “Tu quebrarás o vaso de barro diante dos olhos dos homens que foram contigo, e lhes dirás: Assim disse Iahweh dos Exércitos: Eu quebrarei este povo e esta cidade como se quebra o vaso do oleiro que não pode ser mais consertado.”, em um claro alerta à corrupção que campeou no Templo de Salomão destruído por Nabucodonosor II, assim como à destruição do segundo templo em 70 d.C.
E após a expulsão dos mercadores Ele dirigiu-se aos sacerdotes repetindo a mesma frase dita por Jeremias (7:11) aos salteadores do primeiro templo: “vocês transformaram a casa de Deus em um covil de ladrões.” (Marcos 11:16, Lucas 45:46 e Mateus 21:13).
Há uma intenção deliberada de Jesus, desde o batismo a que docilmente se submeteu sob as mãos de João Batista, até as várias aparições aos apóstolos após a crucificação, em demonstrar que Ele era o Messias, o enviado de Deus a que o Antigo Testamento havia se referido. E para tanto Ele cumpriu predições, reviveu passagens experimentadas pelos profetas e se utilizou de uma variedade de efeitos físicos. Seu objetivo era cristalizar essa verdade nas mentes, sobretudo dos apóstolos, dos multiplicadores da boa nova, pois que se eles não tivessem a mais pura convicção de quem era Jesus, o próprio Cristianismo correria o risco de perecer. Era preciso criar uma convicção tamanha nos corações dessas criaturas, que em nome da verdade eles renunciassem à própria vida, e que transmitissem esse modo de ser, essa cultura espiritual, às gerações futuras.
Por essa razão, Jesus repetiu por algumas vezes a teatralidade exercida pelos profetas, porque uma imagem se fixa muito melhor nas mentes do que mil palavras. Haroldo Dutra Dias relembra que episódios desse naipe, comuns entre os hebreus desde tempos imemorias, são definidos pela expressão encenação profética ou simbólica (https://www.youtube.com/watch?v=JTwUEPcl-Bw) e nós, humildemente, complementamos o pensamento, assemelhando a passagem relativa à expulsão dos mercadores do templo, também conhecida como purificação do templo, com o psicodrama terapêutico, que se traduz em dramatizar uma situação problemática visando a cura, sendo certo que a teatralização é um instrumento muito útil a esse fim.
Indignação e energia? Sim! Cólera e violência? Não! Esse Espírito puro, livre dos sentimentos subalternos de que ainda somos portadores, despido das manifestações reativas que nos tisnam a individualidade, identificou-se, com recato, na belíssima oração sacerdotal (João 17:5), pranteando: “Pai, dá-me a glória que eu tinha junto a ti, antes que houvesse mundo…”
Não pretendamos, portanto, medi-Lo com a nossa régua e tampouco diminuí-Lo à nossa pequenez.
Cleyton