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A mediunidade é atributo do Ser Humano, como o são os sentidos disponíveis ao Espírito para o exercício e desenvolvimento de suas aptidões, com a diferença de nem sempre insinuar, permanecendo em estado latente até que fato relevante e ocasional exija sua eclosão, embora possa revestir-se de ostensividade permanente, como é o caso daqueles que não a podem evitar, ante suas condições psicossomáticas e comprometimento espiritual.  O pensamento corrente de que seria privilégio de pitonisas e profetas de há muito foi defenestrado, graças, principalmente, a estudos sérios e cientificamente elaborados por Allan Kardec, a partir de 1855, quando passou a ter contato direto com Espíritos através do fenômeno das mesas girantes, de início na casa das Senhoras Roger e Plainemaison, mais tarde na da família Boudin, e a outros cientistas e estudiosos que investigaram os fatos espíritas, tais como Alexandre Aksakof, Alfredo Russel Wallace Carl G. Jung, Charles Richet, Ernesto Bozzano, Hernani Guimarães Andrade, William Crookes, dentre muitos.

Posto ser uma faculdade sensorial humana, pode-se manifestar desde tenra idade. Com efeito, crianças ainda em berço veem Espíritos, brincam com eles, são surpreendidas gesticulando para o nada, balbuciando, sorrindo, ou mesmo chorando aparentemente sem explicação, e o fazem justamente porque interagem com aqueles cuja presença os adultos raramente registram.

É comum que esses contatos ocorram até aos sete anos, quando se completa a reencarnação. Mas podem persistir e se qualificar ao longo do trato com essa faculdade, cuja tendência é progredir.  Exemplo expressivo é o de Chico Xavier, que, aos 7 anos, via com notável nitidez o Espírito da genitora desencarnada, recebia seus conselhos, mormente para auxiliá-lo na superação dos maus-tratos que lhe eram impingidos pela madrasta. Alcançada a juventude, ei-lo entregando-se à tarefa mediúnica, para a qual seus Instrutores Espirituais o haviam preparado. Yvonne A. Pereira, aos 4 anos de idade já se comunicava com Espíritos desencarnados e falava com eles supondo-os pessoas da família, dada a nitidez com que se apresentavam [i], e findou por se dedicar plenamente ao mediunismo ao longo de sua vida. A conhecida médium Dora Incontri relata que aos 11 anos passou a psicografar poesias e aos 15 a trabalhar com a psicofonia em reuniões mediúnicas no Centro Espírita Cairbar Schutel, então dirigido por Herculano Pires. Mediunidade ostensiva também apresentaram as irmãs Katherine e Margareth Fox, de 11 e 14 anos de idade, participantes diretas dos experimentos mediúnicos ocorridos a partir de 31 de março de 1848, na cidade de Hydesville, estado de Nova Iorque, EUA. Ermance Dufaux iniciou na psicografia aos 12 anos (1858); aos 16. Aos 16 foi apresentada a Kardec e lhe transmitiu mensagem de São Luiz (Rei Luiz IX) [ii] Divaldo Franco, orador consagrado, comunicava-se com os Espíritos desde os 4 anos de idade e psicografou 300 obras ao longo da vida.

Observados os casos acima, em tese, nada impediria que crianças e jovens trabalhassem com suas mediunidades. Mas não se pode partir desses exemplos para sustentar que qualquer um que possua percepções mediúnicas possa ser introduzido na tarefa.

O Professor Edgard Armond distingue a faculdade mediúnica em duas categorias: a natural, resultante da conquista definitiva do Espírito, autêntico atestado de espiritualização, e a de prova, esta consistindo na oportunidade concedida a alguns para trabalho e provações em benefício coletivo. [iii]

Seja qual for a modalidade, merecem ser sopesados benefícios e riscos de prejuízos efetivos, principalmente para infantes e jovens. Recordemos um caso concreto de obsessão decorrente de vínculo da criança com Espíritos inferiores, com os quais ela se relacionou na erraticidade, e que lhe causou grave desequilíbrio, revelado por Yvonne A. Pereira, com os esclarecimentos adicionais de seu mentor Charles, que bem serve de advertência para os cultivadores de opiniões contrárias. Diz ele: “Ela afinou-se com entidades inferiores durante o estágio no Espaço, antes da reencarnação. Arrependimento sincero, porém, levou-a, a tempo, a se retrair das mesmas, e desejar encaminhar-se para melhores planos. É médium, ou antes, possui faculdades mediúnicas, que futuramente poderão frutificar generosamente, a serviço do próximo, se bem cultivadas. Os antigos companheiros do Invisível assediam-na, tentando reavê-la para o sabor de velhos conluios. Conheceis o remédio para tais desarmonias. Aplicai-o! Sim! O remédio único seria o trabalho de reeducação da menina à base do Evangelho, preces, paciência, vigilância, amor, disciplina rigorosa, sem concessões que redundassem em cumplicidade com caprichos prejudiciais, fraternidade e caridoso interesse para com os infelizes sedutores desencarnados […]”[iv].

Processo obsessivo pode advir igualmente de agentes indutores de natureza perturbadora, cuja fonte está nos maus exemplos fornecidos a mancheia pelos familiares mais próximos, que deveriam zelar pelo aprimoramento da criança. Quando não, basta uma atmosfera fluídica densa reinante no ambiente familiar, atrativa de entidades em desajuste, para causar desequilíbrio à mediunidade, dada a capacidade de assimilação natural de uma criança às influenciações.

Há quem entenda não ser aconselhável o exercício da mediunidade em crianças, porque: 1) o organismo, débil e em formação, pode sofrer indesejáveis abalos; 2) a imaginação está em grande atividade e pode sofrer sobre-excitação; 3) não têm ainda discernimento suficiente para lidar com os Espíritos nem valorizar sua faculdade e empregá-la com a gravidade necessária. Mas mesmo estes que assim pensam admitem que, se a mediunidade for espontânea e equilibrada, deve-se aceitá-la com naturalidade, sem, contudo, estimular os fenômenos e encaminhar o médium de menor idade a estudo e preparo para o futuro. [v]

Posição mais bem fundamentada adota um grupo seleto de confrades, dentre os quais se destacam José Raul Teixeira, Richard Simonetti, Orson Peter Carrara, Izaura Hart, André Trigueiro, Ney Lobo, Cesar Reis, Nadja do Couto Valle, que se dedicou a responder perguntas recorrentes da mocidade espírita, dentre as quais respostas, a que ora se reproduz: “O aparecimento da mediunidade numa criança costuma fazer dela uma criatura mais sensível do que o comum das crianças. Tudo com ela se passará mais intensamente, o que exigirá maior atenção dos adultos por ela responsáveis, maior dose de compreensão e de paciência. Em virtude de não ser recomendável pela Doutrina Espírita que se leve a criança-médium para qualquer modalidade de prática mediúnica – a imaturidade orgânica e psicológica dificultaria o entendimento e o consequente compromisso sério com os fenômenos  –  o seu atendimento deverá ser feito por meio das orientações espíritas, que estejam ao seu nível de compreensão, nas conhecidas classes de evangelização espírita, ou de espiritização, ao lado de um dedicado, delicado e firme processo educacional por parte da família, no qual se lhe explique, obedecendo-se o seu grau de maturidade, o que com ela se passa, o que ajudará grandemente na manutenção do seu equilíbrio, até que a idade e a maturidade psicológica permitam ao jovem fazer opções, decidindo a respeito do que lhe pareça mais lúcido ou mais apropriado,  a respeito da sua faculdade” [vi]

 Ao se reportarem à recomendação da Doutrina dos Espíritos, certamente os autores consultados louvaram-se na resposta que o Espírito que assistia a Allan Kardec na elaboração de O Livro dos Médiuns lhe deu à pergunta se haveria inconveniente em desenvolver-se a mediunidade nas crianças.  [vii] A conferir: “Certamente (há inconveniente) e sustento mesmo que é muito perigoso, pois que esses organismos débeis e delicados sofreriam por essa forma grande abalos, e as respectivas imaginações, excessiva sobre-excitação. Assim, os pais prudentes devem afastá-las dessas ideias, ou, quando nada, não lhes falar do assunto, senão do ponto de vista das consequências morais”. À insistência de Kardec quanto à mediunidade espontânea e a de efeitos físicos, a bondosa entidade aditou: “Não (não há inconveniente), quando numa criança a faculdade se mostra espontânea, é que está na sua natureza e que a sua constituição se presta a isso. E finaliza enfatizando: “O mesmo não acontece quando é provocada e sobre-excitada. Notai que a criança que tem visões pouco se importa com elas, pois lhe parecem coisas muito naturais, a que dá pouquíssima atenção e quase sempre esquece. Mais tarde, o fato lhe volta à memória e ela o explica facilmente, caso conheça o Espiritismo”.

Do quanto apreciado, as recomendações são as seguintes: não se deve estimular o exercício da mediunidade na fase infantil ou na adolescência; se ela for espontânea, deve ser tratada com naturalidade e orientada segundo os preceitos da Doutrina.  Quanto a eles, entendemos deva haver um tratamento compatível com a idade e as circunstâncias. A convivência familiar dos tempos atuais sofreu brusca alteração, de sorte a se temer pelo desenvolvimento da mediunidade nessa faixa etária, de forma natural e doméstica, como outrora. As crianças dispersam seus interesses para outros canais; os familiares não se reúnem como faziam, porque não há tempo para isso. O imediatismo e o excesso de atividades consomem as horas. Em razão disso, entendemos que tanto o desenvolvimento quanto o acompanhamento mediúnico para aqueles portadores de mediunidade natural e ostensiva, para ser seguro, deve ocorrer, preferentemente, em instituições credenciadas, segundo critério pedagógico que possa aferir as responsabilidades do candidato e melhor aproveitar seus dons, ainda que para isso se ponha em risco a perda de interesse de muitos deles. É que, no nosso entender, salvo casos excepcionalíssimos, como os acima identificados, os portadores de mediunidade, em qualquer idade, especialmente quando jovens, devem ser orientados adequadamente, para garantia de sua estabilidade psíquica e comprometimento com a natureza sublime da atividade de intercâmbio espiritual.

Marcus Vinicius

 

[i] Estudo sistematizado da Doutrina Espírita – Tomo III – FEB – Capítulo: Mediunidade Espontânea nas crianças.

[ii] Souto Maior, Marcel – KARDEC  A BIOGRAFIA – capítulo Minha Risonha Ermance.

[iii] ARMOND, Edgard – Mediunidade – Editora Aliança, 19ª edição, pág. 153.

[iv] PEREIRA, Yvone do Amaral, Devassando o Invisível, 15ª edição, FEB – cap. Mistificadores-obsessores.

OLIVEIRA, Therezinha [v] MEDIUNIDADE – estudos e cursos –– editora EME- mediunidade em crianças, pag. 21.

[vi] O JOVEM ESPÍRITA QUER SABER – Associação Espírita F.V. Lorenzo – 1ª Edição, pág. 197.

[vii] Kardec, Allan – O Livro dos espíritos – 2ª parte, Cap. 18, item 221 – 6ª pergunta.

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