Nos movemos pelos caminhos da evolução individual como quem trafega em uma estrada sinuosa que exige do condutor atenção, disciplina e responsabilidade de postura, porque o objetivo maior, mais do que a nossa chegada, é o de avaliarmos como nos portamos durante o caminho, diante de cada curva, de cada parada obrigatória para reparos, descanso ou deleite.
Toda dor e toda benção que encontramos na via evolutiva decorrem das nossas escolhas, dos nossos projetos acerca de como trafegamos nessa estrada, e muitos, quiçá a grande maioria, imputa a Deus a experiência de uma ou de outra, como se se tratasse de mera punição ou de um favor atribuído pelo Criador às criaturas.
Os que encontram os buracos traiçoeiros, os trechos sem defensas e os acidentes que lhes ferem os corpos e os sentimentos, reclamam do Todo Poderoso sob o fundamento de que, sendo Ele onisciente e onipotente, deveria antever e evitar o sofrimento das criaturas. Com isso repetem a manifestação pueril do materialismo, segundo a qual se Deus existisse o mundo não seria esse vale de lágrimas que nos banham a quase todos.
E aqueles outros que encontram a via perfeitamente pavimentada, secundada por árvores frutíferas e frondosas cujas copas se unem na criação da sombra que lhes amena a temperatura e lhes qualifica o ar, lançam mão da onisciência e da onipotência de Deus para se autoproclamarem os favoritos do Criador, de quem esperam a manutenção dos benefícios e dos favores que creem receber Dele em regime de excepcionalidade.
Uns e outros estão enganados. Os buracos traiçoeiros de hoje serão sucedidos pelos segmentos pavimentados e sombreados de amanhã, e estes, por sua vez, alcançarão partes mal acabadas da via evolutiva, porque a transitoriedade, a inconstância, a impermanência, são atributos relativos a mundos inferiores, como é este em que nos encontramos.
Mas não é só isso. O Criador não apena com dores, tampouco confere benefícios a quem quer que seja. Segundo o Espiritismo, se a criatura alcançou o estágio da consciência e responsabilidade – a maciça maioria dos Espíritos que gravitam na Terra – passa a ter o direito de escolha em seu planejamento reencarnatório. Em outras palavras: as condições que encontramos em nossa via da evolução são consequências da nossa condução nessa estrada, e isto se denomina livre-arbítrio.
Mas, se o estágio da consciência e da responsabilidade não foi atingido, o próprio Alto planeja os caminhos aos que ainda não são capazes de eleger seus temas de embate íntimo, e a isto se dá o nome de determinismo.
Na obra O Consolador, Francisco Cândido Xavier/ Emmanuel, questão 132, a entidade espiritual esclareceu que o determinismo “é absoluto nas mais baixas camadas evolutivas”, enquanto o livre-arbítrio “amplia-se com os valores da educação e da experiência.” Mais adiante, na questão 136, o mesmo Emmanuel referiu-se aos animais e aos homens quase selvagens “que agem no planeta sob determinação absoluta”, ou seja, aqueles que não reúnem condições de consciência e responsabilidade para optarem pelos próprios caminhos e exercerem o livre-arbítrio.
Segundo o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa determinismo é o “princípio segundo o qual tudo no Universo, até mesmo a vontade humana, está submetido a leis necessárias e imutáveis, de tal forma que o comportamento humano está totalmente predeterminado pela natureza, e o sentimento de liberdade não passa de uma ilusão subjetiva”.
Substituindo o vocábulo natureza por Deus, desembocamos no denominado determinismo teológico, ou fatalismo, onde os acontecimentos são engendrados por Deus independente da vontade das criaturas, sejam elas conscientes e racionais ou não. E, a partir desse conceito, observamos, ainda hoje, certa confusão que alguns fazem entre a onisciência de Deus e a nossa liberdade de escolha.
Já vimos que o divisor de águas entre o determinismo e a nosso livre-arbítrio repousa no binômio: consciência e responsabilidade. Atingido esse estágio estamos, digamos assim, por nossa conta e risco. Podemos escolher os caminhos, certos ou errados, inspirados por nosso arbítrio e pelos impulsos da Lei que se encontra gravada em nossa consciência, segundo a resposta dada à questão 621, de O Livro dos Espíritos. É claro que recebemos orientações prévias de entidades capacitadas na preparação do nosso reencarne, sobretudo no que se refere às consequências das nossas escolhas. Porém, invariavelmente, prevalece a nossa vontade no projeto de percorrermos mais um segmento da nossa via evolutiva.
O fato de Deus conhecer os nossos projetos e as suas consequências, não nos retira o direito de escolha, nem o dever de responsabilidade sobre as nossas condutas. A onisciência é um atributo do Criador, assim como o livre-arbítrio é uma prerrogativa assegurada ao Ser consciente de si mesmo.
Por suas escolhas, as criaturas consolidam seus trajetos na via evolutiva. Por elas, prosseguem certos quilômetros com algum triunfo pela superação das adversidades do caminho ou, de outro modo, paralisam diante dos obstáculos, deixando de percorrer distâncias preciosas na experiência libertadora. Os primeiros, em posição de vanguarda, e sem se sentirem beneficiados por Deus em regime de excepcionalidade, livram-se mais facilmente desses crivos de retenção evolucional, enquanto os últimos, renitentes na retaguarda, neles se detêm por um período mais longo, por força das consequências de suas escolhas inapropriadas.
É curioso observar a via evolutiva daqueles que remanescem na retaguarda. Além da sinuosidade, dos buracos e da falta da sombra hospitaleira, o caminho revela estradas secundárias de terra batida, bifurcações surpreendentes e postos de parada incomuns. Por conseguinte, enumeram-se as probabilidades de escolhas no exercício do livre-arbítrio. A estrada de terra batida pode ser um atalho ou um atraso, a bifurcação pode representar a continuidade ou um desvio inoportuno e o posto de parada pode servir uma refeição que alimente ou que intoxique. Isso significa dizer que quanto mais na retaguarda nos encontrarmos, obviamente dentro do espectro da consciência e da responsabilidade, mais nos são dadas possibilidades de escolhas, representativas dos nossos interesses e tendências menos felizes que ainda não conseguimos neutralizar.
Por outro lado, a via evolutiva daqueles que se encontram na vanguarda é praticamente reta e liga um ponto a outro no menor espaço de tempo possível. Em seu percurso quase não se veem estradas vicinais, bifurcações inoportunas ou postos de parada soturnos, porque os que viajam na vanguarda não se permitem atrair por possibilidades que lhes afastem a atenção do próprio projeto. Estão em outra fase do percurso, sem se defrontarem com tantas possibilidades, exatamente porque os atalhos e os apelos já não mais os atraem. E isto significa dizer que quanto mais avançam em sua via evolutiva, mais reduzem as suas opções de escolha porque, em se aproximando da Verdade, o caminho que leva a Deus passa a ser praticamente único.
A conclusão que se aplica a todos nós, sugere que não devemos ter tanto apreço pela pluralidade de escolhas que atravessam a nossa via evolutiva espiritual, porque referidas escolhas podem ser um sinal de que ainda nos fascinamos com os atalhos tortos e com as ilusões que envenenam os nossos sentimentos e paralisam os nossos passos.
Cleyton Franco