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Desde o instante em que aportamos em uma nova reencarnação, a dádiva do oblívio faz com que cheguemos a mais uma etapa do nosso “game” sem quaisquer informações que possam nos dar alguma vantagem. O recurso nos impede de driblar o sistema Divino ou burlar as regras, para nos darmos bem. É como ingressar em novo ano letivo, esforçar-se para compreender a matéria dada e ser capaz de colocar o seu conhecimento em prática, através de atividades didáticas que nos confrontam o saber.

Assim se dá a lapidação do Espírito, que não chega à instância Divina sem antes experimentar todos os caminhos que pavimentam sua reforma íntima. “O Espírito não chega a receber a iluminação Divina sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores entre os quais se elabora lentamente a obra de sua individualização”.[1]

Em cada etapa, somos instados a realizar o que nos foi confiado pelo Plano Espiritual e, para isso, dispomos de diversas ferramentas. Da região do nascimento à família que nos acolhe; da condição socioeconômica às peculiaridades físicas; da capacidade intelectual à elevação moral. Por isso, seguidamente, o novo Ser é exposto a um conjunto de aprendizados e a contínuas avaliações, considerando todos os elementos desse nascimento e, também, os tormentos trazidos na bagagem espiritual. Cada “problema” gravado no perispírito possui uma provação correspondente, mesmo que não possua ainda a capacidade de compreendê-la. Por vezes, se colocará como vítima indefesa dessa realidade.

A jornada e todos os acessórios definidos antes do nascimento, mas adormecidos propositalmente pelo oblívio que antecede o reencarne, também consideram a sua capacidade de compreensão de diversos significados, dentre eles a do livre arbítrio. Alguns o utilizam para tomar decisões que lhes encurtam a rota e os tiram do caminho reto. Outros se quedam aos vícios pretéritos que vieram para combater; outros, ainda, fermentam em seu interior os maus pensamentos que os impedem de avançar, como o ódio, a preguiça e o orgulho.

Ainda que busque respostas às causas de suas imperfeições (todas previstas), esse Espírito por vezes não possui estofo moral, espiritual e intelectual para as compreender – e isso faz parte desse aprendizado. É como a criança, nas primeiras perguntas, incapaz de processar as respostas recebidas, cuja imaturidade pode distorcer o que é dito pelos adultos. Já os mentores (pais, familiares, amigos) nem sempre atentam para essa incapacidade e não se esforçam para propor uma explanação simplificada.

Vários são os exemplos desse aprendizado Divino que respeita nossas limitações. Ao afirmar “sois deuses”, o Mestre confirma que a Lei de Deus está escrita em cada consciência, mas em nenhum momento a impõe aos que não possam compreendê-la. A peregrinação pelas diversas encarnações faz com que esse Espírito possa “aprender” o que deve ser aprendido até que consiga vencer as sabatinas.

O autoconhecimento é a chave de todo o processo. Quando praticamos a máxima socrática do “Conhece-te a ti mesmo”, conseguimos vislumbrar as respostas em nosso interior, mesmo que ainda não saibamos como associá-las às perguntas. Tais informações, cada vez mais seletas, procuram no indivíduo essa capacidade, para que finalmente possa compreender que “o Ensinamento Universal dos Espíritos será o caminho da verdade e da vida”.[2] O diálogo socrático é apenas um exemplo de como é possível alcançar a harmonia interior a partir do domínio completo sobre si mesmo, pois as respostas do mundo exterior já estão disponíveis. Mas só serão acessadas quando estivermos preparados para compreendê-las, a exemplo da criança que não decifra todas as explicações.

O caminho para nossa reeducação, sob o ponto de vista espiritual, tem como parâmetro o estudo da Codificação Espírita. Partamos de uma realidade amplamente difundida e comprovada de que a Terra deixará seu status de planeta de expiação e provas, para tornar-se um planeta de regeneração. Isso significa que a possibilidade dos novos Espíritos (já encarnados ou que se encontram prestes a fazê-lo) desfrutarem da nova condição ainda é remota, considerando-se o tempo de maturação da existência humana.

Mas, por outro lado, esse processo pode ser acelerado na medida em que os já encarnados despertem para seus compromissos e avancem no seu autoconhecimento. Não é uma condição mística ou sobrenatural que abarque todos os seres viventes e os torne melhores. Kardec cita, inúmeras vezes e em diversas obras, que a regeneração da Humanidade depende do avanço de cada indivíduo. “…se a nossa época está designada para a realização de certas coisas, é que estas têm uma razão de ser na marcha do conjunto”.[3]

O autor esclarece que estamos submetidos à Lei do Progresso, que envolve não apenas a transformação física dos elementos, mas a depuração moral dos Espíritos (encarnados e desencarnados) que povoam o planeta. Esse progresso ocorre em duplo processo: lento e gradual, quase imperceptível, ou através de movimento ascensional mais rápido. Nos dois casos, estão subordinados às particularidades das nações e ao livre-arbítrio de cada Ser. “Por isso é que o movimento progressivo se efetua, às vezes, de modo parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, doutras vezes, de modo geral”.[4]

Se, ao longo do seu progresso, a Humanidade teve grande avanço na Ciência, nas Artes e no bem-estar material, resta-lhe ainda outra conquista: a do convívio entre os Seres, fazendo reinar “…a caridade, a fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral”.[5] Essa conquista não é tão difícil, mas exige muito empenho – principalmente porque forças ocultas põem à frente de nosso caminhar os vícios nos quais podemos facilmente tropeçar.

Se possível fosse elaborar uma “receita” para o sucesso encarnatório de cada indivíduo, poderíamos ter como ingredientes a Humildade (se não nascemos com ela, podemos estudar o tema e desenvolver em nós essa capacidade); a Caridade (sabemos que as atribuições materiais são necessárias à sobrevivência; que possamos aprender a dividir aquilo que temos e que, por vezes, nos excede); e a (podemos enfrentar cada dificuldade como um material novo de estudo que nos fará ver a caminhada sob nova perspectiva). O passo a passo da receita está no Evangelho de Jesus. Ensaiemos nossa jornada a partir dessa perspectiva. Temos Deus dentro de nós, portanto, somos capazes de buscar, por mérito, nossa perfeição interior. Basta que acreditemos (e para isso será preciso estudar) e que façamos a nossa parte.

Vanda Mendonça

[1] A Gênese, FEB, 53ª edição (2018), cap. VI, pág. 103,

[2] O Despertar da Consciência, do Átomo ao Anjo, IDC, 7ª edição (2018),pag. 34

[3] A Gênese, pag. 355;

[4] Idem, pag. 356

[5] Ibidem, pag. 357

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