Somos mais de 20 bilhões de Espíritos, dos quais 8 bilhões transitam pelo corpo físico, ocupando espaços na atmosfera de um mesmo Planeta, cumprindo seus projetos de vida em busca de alinhamento com a Lei Divina. Cada qual num determinado estágio de compreensão, de educação, de capacitação intelectual, a maioria dotada de poucas virtudes e múltiplos defeitos.
Deparamo-nos com individualidades representativas das mais variadas camadas espirituais. Renascem neste Planeta os renitentes, que ainda se comprazem no mal; outros que já alcançaram algum entendimento sobre a Lei e procuram vencer suas más tendências; e há os que praticam exclusivamente o bem. Entre os graus dessa escala há uma infinidade de situações e a mudança de estágio demanda longo prazo ao preço de muita dor e lágrima. Significa dizer que os que hoje estão numa determinada faixa evolutiva já passaram pelas anteriores e os que nela permanecem haverão de um dia atingir o cume onde poucos se encontram.
Esta é a Lei de Progresso, segundo a qual a Mente Divina cumpre o processo evolutivo dos Seres e realiza a profecia crística: todos serão salvos. Uns se regeneram mais rapidamente, conforme sejam a busca pela verdade e a luta individual.
Se num determinado estágio o erro alheio é crasso ao nosso olhar, o nosso também o é quando analisado por entidade espiritual superior que conosco divide o mesmo quadrante.
Observando Jesus a institucionalizada inversão dessa lógica, fruto da indisciplina e da ignorância do terrícola da época, inspirou a advertência registrada por Tiago: “Tu, porém, quem és, que julgas a outrem?” (Tiago 4:12), advertência essa que encerra a seguinte mensagem específica para os discípulos: “Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei” (4:11). Com isso, pretendia conter o mau hábito da maledicência entre os seguidores da Boa Nova, de molde a sustentar a pureza de seus corações.
Em Mateus (VII: 3-5) Jesus foi mais enfático: Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, e não vês a trave no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão.
Desenganadamente, teimamos em julgar o semelhante, pondo em xeque a própria Lei de Progresso, segundo a qual os Seres se encontram em seus respectivos estágios evolutivos e por isso erram como erramos, sofrem como sofremos, choram como choramos diante dos fracassos, e se alegram como nós quando logram vencer etapas. Mesmo sabendo disso, sentimo-nos no direito de julgar. Não obstante o transcurso do tempo, ainda viceja esse caprichoso vício de se ver o mal alheio antes do próprio, mesmo porque, para julgar-se a si mesmo seria necessário mirar-se num espelho, sair de si para indagar o que pensaria alguém se o visse fazendo o que faz. O orgulho leva o Homem a disfarçar os seus defeitos e superestimar os dos outros.
De se notar que aqueles que se comprazem na maledicência passaram a contar com um excelente canal para o seu exercício. São as redes sociais que, conquanto tenham sua inegável utilidade, permitem que o simples apertar de um botão dissemine inverdades, detone provocações e desafios, criando desarmonia entre pessoas, causando prejuízo. Feito o estrago, a reparação do dano é incerta e sempre demorada, para gaudio dos infratores.
Por força dessa renitência, a norma de conduta editada ao tempo do Cristo, de natureza imutável, posto de procedência divina, rege e haverá de reger para sempre o comportamento humano.
Afirmamos linhas acima ser a maledicência um vício, e o fizemos com suporte numa feliz observação de Emmanuel sobre ser ela um tóxico sutil que tem o poder de envenenar o discípulo. () Assim como a mentira, ela se torna um hábito, altera o comportamento, influencia no caráter, atravanca o progresso de um modo geral, não só dos discípulos. Por isso, deve ser combatida sempre, tal como se dá em relação aos vícios mais conhecidos, até que conquistemos maturidade espiritual.
Se de um lado a maledicência é condenável e deve ser combatida, de outro, a indulgência constitui sentimento fraterno. O indulgente não se preocupa com os maus atos alheios, a menos que seja para prestar um serviço (). Melhor sermos severos conosco do que sairmos a distribuir sentenças condenatórias sobre atos alheios sem conhecermos por completo as causas – o móvel – dessas ações condenáveis. Se observarmos com isenção, talvez tenhamos praticado faltas mais graves do que aquelas que hoje condenamos.
A Hermenêutica filosófica permite a interpretação do sentido das ideias para uma melhor fidelização de seu conteúdo. Se até aqui nos parece inflexível o comando sob análise, no sentido de que devemos nos abster plenamente de analisar o comportamento alheio, observemos a flexibilização que lhe dá o Espiritismo, já a partir da lógica do razoável.
Considerando que cada um deve colaborar para o progresso de todos, sobretudo dos que estão sob nossa tutela, segundo observa o elevado Espírito por nós conhecido pelo nome de São Luís, em nota contida na obra codificadora de Allan Kardec (), e que omissões podem implicar em prejuízo de difícil reparação, reprimir o mal alheio faz todo o sentido. Basta anotar que se um procedimento negativo não for observado, o seu agente permanecerá impune, sem o menor interesse de se corrigir e com probabilidade de reincidir. Por isso que, reprimir o mal pode ser louvável e, em certos casos, torna-se um dever.
Segue-se que devemos interpretar melhor, e não simplesmente aplicar genericamente o comando não julgueis. Isso porque Jesus não poderia proibir de se reprovar o mal, pois Ele mesmo nos deu exemplos disso.
O grande desafio é o de se saber quando e como agir. Paulo recomenda o trato com mansuetude: “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, orientai-o com espírito de mansidão, velando por vós mesmos para que não sejais igualmente tentados” (Gálatas, 6:1). Mais uma vez nos socorremos da lucidez espiritual de Emmanuel () na interpretação desse pensamento, o qual recomenda não fiquemos indiferentes, e sim tratemos o erro do semelhante como quem cogita de afastar a enfermidade de um amigo doente, sempre com compreensão, imparcialidade e boa intenção, na medida em que essa atitude implica em contributo à obra regenerativa.
Restam-nos dois caminhos: se nos enquadramos no rol dos que têm o hábito de reprimir pelo simples prazer o comportamento alheio, cuidemos de nos reeducar para eliminar este vício, a fim de evitar efeitos indesejáveis para o semelhante e para nós mesmos; se nosso desejo é de ajudar, examinemos antes de agir, se estamos sendo sinceros, justos e prudentes e se há nobreza em nossa atitude.
Marcus Vinicius