Os tempos contemporâneos vêm registrando aumento substancial de divórcios, assim compreendido como rompimento de uma relação afetiva formal ou de fato.
Há apelos diversos no mundo, a impaciência campeia entre as criaturas, os interesses são fugazes, os vínculos superficiais e a fundamental compreensão das circunstâncias que envolvem o par e a prole está cada vez mais distante da racionalidade.
Estamos mais impulsivos, mais egoístas e menos gregários, fatores que põem em xeque a convivência diuturna entre dois seres e os seus descendentes, exatamente porque essa convivência exige renúncias, inclusive de nós mesmos.
Mas não há, em nosso estágio evolutivo, laboratório prático mais valioso do que a convivência em união afetiva, através da qual adestramos o altruísmo, a humildade, o respeito, a cooperação e o amor em sua expressão mais singela, para ampliá-lo no trato com os nossos próximos menos próximos, verdadeiras pontes para a nossa autoiluminação futura.
Se o nosso próximo menos próximo é a meta do porvir, aqueles com os quais convivemos no círculo afetivo íntimo são o nosso objetivo do presente.
Por isso, afastarmo-nos da relação afetiva significa, provavelmente, adiarmos o compromisso assumido.
Importa esclarecer que muito dificilmente encontraremos encarnados se consorciando sem causas anteriores que os motivem. Excepcionalmente, podemos encontrar pares de “primeiras núpcias”, iniciando as suas experiências afetivas, mas, em linhas gerais, aqueles com os quais nos unimos cumprem conosco programação prévia, cujo intuito é o crescimento recíproco, segundo o nosso nível de evolução.
Ali, vê-se os ainda minoritários exemplos onde reinam a comunhão entre os cônjuges, evidenciando que a romagem espiritual de ambos é construída com base na afeição e no apoio mútuo e sinalizando àqueles que os observam que a realização de uma união cooperativa entre dois seres, visando a evolução recíproca, é plenamente possível.
Essas raras uniões são verdadeiros faróis que visam cumprir a valiosa lição dada pelo instrutor Silas, na obra Ação e Reação (Francisco Cândido Xavier/André Luiz, cap. 10), segundo a qual “…O Criador atende à criatura por intermédio das próprias criaturas.”
Porém, acolá, percebe-se os interesses menos felizes relativos às finanças e às oportunidades de natureza eminentemente material, demonstrando a cupidez de um ou de ambos os partícipes, que relegam a união conjugal aos porões úmidos e sombrios, distantes da visão do alvorecer que, em tese, deveriam vislumbrar.
Mais adiante, sente-se o odor da paixão desenfreada que leva ao desejo sexual tiranizante, manifestado por influência do centro de força genésico, e não do cardíaco como deveria ser, mera reprodução confusa dos instintos do passado que privilegiavam a sensorialidade e satisfação pessoal egoísta, realizadas muitas vezes com a dilapidação do psiquismo e da autoestima do outro.
Na primeira hipótese os cônjuges trabalham ainda mais a qualificação dos seus sentimentos. Nas demais, os partícipes defrontam-se com suas deficiências morais visando, através dessas uniões de natureza eminentemente expiatórias, iniciarem a reconstrução de sua intimidade, muitas vezes afundando-se ainda mais nos compromissos que guardam um para com o outro.
Assim é que a satisfação pessoal desenfreada, através da energia sexual, e a busca da matéria pelo prazer da matéria, reúnem os elementos encarnados afins, com vínculos no pretérito, objetivando o triunfo de ambos sobre suas imperfeições.
O casamento, formal ou informal, passa a ser, assim, importante oportunidade através da qual os partícipes poderão melhorar os seus sentimentos ou se reconciliar com o outro, normalmente através de uma encarnação de paciência e renúncia.
Por isso, a indicação é sempre pela manutenção da união, por mais que as relações estejam vergastadas e por mais raros sejam os frutos dela colhidos.
A Lei de causa e efeito faz-nos crer que, no mais das vezes, o esposo autoritário, a esposa superficial e interesseira, o companheiro presunçoso e arrogante, a companheira neuromaníaca, o cônjuge que trai, a cônjuge que se omite, o parceiro que não cuida, a parceira que persegue com ciúmes doentios, o esposo agressivo, a esposa insensível, revelam-se instrumentos valiosos de aprendizado no âmbito de nossa relação doméstica.
Mas, da admissão desses fatos não decorre, necessariamente, a submissão sacrificial a uma relação que prejudique o psiquismo do Ser e que possa resultar na enfermidade irrecuperável, no suicídio tresloucado, no homicídio raivoso ou em outros casos em que a manutenção tóxica da união desencadeie compromissos ainda mais graves do que aqueles que se pretende superar, sobretudo quando nos defrontamos com a violência verbal e física que campeiam as relações atuais em números assustadores.
Homens e mulheres, muitíssimo mais eles do que elas, assumem a postura insana de verdadeiros gladiadores, com requintes da mais absoluta frieza e crueldade, patrocinadas pelo ego que não admite dissabor ou oposição e pela química que infla os músculos, mas desidrata a inteligência e os sentimentos.
O divórcio, então, é remédio hábil para evitar que o mal agrave os compromissos havidos entre os cônjuges, representando uma salvaguarda à parte mais frágil ou hipossuficiente porque, afinal, ninguém deve se obrigar ao caminho do autossacrifício, considerando a sagrada oportunidade da vida que nos foi assegurada, e com a qual temos obrigações por força do que dispõe a Lei de Conservação (O Livro dos Espíritos, 3ª parte, capítulo V).
É importante lembrar que Deus (A Lei), não se compatibiliza com o vício, com o erro, com a imperfeição, com a cobiça, com a sensualidade que malbarata os sentimentos e com os modos animalizados dos homens.
Não é obra Dele, mas da imaturidade e inexperiência dos homens, o rompimento das relações que não souberam reconhecer a parcela do Divino que continham, para adernarem, sem detença, nas águas escuras do profano.
Por isso o Espiritismo pontua: 2. “Imutável só há o que vem de Deus. Tudo o que é obra dos homens está sujeito a mudança. No casamento, o que é de ordem divina é a união dos sexos para que se opere a substituição dos seres que morrem, mas, as condições que regulam essa união são de tal modo humanas, que não há, no mundo inteiro, nem mesmo na cristandade, dois países onde elas sejam absolutamente idênticas (…) 5. O divórcio é a lei humana que tem por objeto separar o que já, de fato, está separado. Não é contrário à Lei de Deus, pois que reforma o que os homens hão feito e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta a Lei Divina.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXII – O Divórcio)
“Há nas anotações do Apóstolo Mateus (19: 7-8), certa passagem, na qual afirma Jesus que o divórcio na Terra é permitido a nós outros pela dureza dos nossos corações. Aqui, a medida deve ser facultada à maneira de medicação violenta em casos desesperadores de desarmonia orgânica. Na febre alta ou no tumor maligno, por exemplo, a intervenção exige métodos drásticos, a fim de que a crise de sofrimento não culmine com a loucura ou com a morte extemporânea. Nos problemas matrimoniais agravados pela defecção de um dos cônjuges ou mesmo pela deserção de ambos do dever a cumprir, o divórcio é compreensível como providência contra o crime, seja ele o assassinato ou o suicídio… Entretanto, assim como o choque operatório para o tumor e a quinina para certas febres são recursos de emergência, sem capacidade de liquidar as causas profundas das enfermidades, as quais prosseguem reclamando tratamento longo e laborioso, o divórcio não soluciona o problema da redenção, porque ninguém se reúne no casamento humano ou nos empreendimentos de elevação espiritual, no mundo, sem o vínculo do passado, e esse vínculo, quase sempre, significa débito no Espírito ou compromisso vivo e delongado no tempo. O homem ou a mulher, desse modo, podem provocar o divórcio e obtê-lo, como sendo o menor dos piores males que lhes possam acontecer… Ainda assim, não se liberam da dívida em que se acham incursos, cabendo-lhe voltar ao pagamento respectivo, tão logo seja oportuno.” (Ação e Reação – Francisco Cândido Xavier / André Luiz, cap. 14 – Resgate Interrompido)
E antes que o judicioso alerta do Espírito André Luiz, sobre voltarmos ao pagamento da dívida, nos cause verdadeiros calafrios no fundo das nossas almas, lembremo-nos do melhor remédio para todos os males, aquele que quando não cura, certamente alivia.
Prescreveu-nos Pedro: “Antes de tudo, exercei profundo amor fraternal uns para com os outros, porquanto o amor cobre a multidão de pecados.” (1ª carta 4:8).
Cleyton Franco