Todos nós já tivemos a oportunidade de ouvir referências sobre a importância e utilidade da meditação. Reservar alguns minutos do nosso tempo para, uma ou duas vezes diárias, exercitarmos a limpeza da mente, libertarmos a alma e capacitarmos os nossos sentidos.
Há cursos, vídeos e áudios que proliferam sobre o assunto, sendo comum às pessoas que meditam perguntarem-nos se já experimentamos os benefícios da prática, inegavelmente útil.
Emmanuel, em expressão felicíssima ao desenvolver o tema “Na meditação” (Caminho, Verdade e Vida, 168), convida-nos: “Vem a um lugar à parte, no país de ti mesmo…”, sugerindo-nos os caminhos da meditação como forma de reação às dores e tribulações que perfilam os caminhos de quase todas as criaturas.
Nossos irmãos orientais, os primeiros iniciados nas vivências das coisas do espírito, prelecionam que a meditação é poderoso instrumento de contenção das tendências e ímpetos que açoitam as almas. Por isso, prescrevem a prática que objetiva, em um primeiro momento, a equalização da energética e do equilíbrio psíquico para, em um segundo passo, credenciar os intercâmbios mentais benfazejos com as correntes espirituais mais qualificadas, tencionando a captação de direcionamentos, sob a forma de intuições, que emanam das fontes espirituais.
Com esses procedimentos bem delineados em nosso íntimo, metódica e disciplinadamente repetidos, passamos a figurar no mundo, não mais como agentes da Lei do Retorno, envoltos em males e dores atrozes, mas sim como artífices do processo de libertação individual que reclama o Ser cósmico, em substituição à criatura telúrica.
A manifestação firme e disciplinada da vontade de se alhear do mundo e ingressar em contato conosco mesmo, através do instrumento da meditação, edifica nosso projeto íntimo de mudança, pondo abaixo os muros acanhados do imobilismo e da apatia que construímos em um passado longínquo, imaginando serem defesas de nossa integridade, quando, na verdade, não mais representam que o signo da condição de cativos das nossas próprias imperfeições.
Joanna de Ângelis, por intermédio de Divaldo Pereira Franco (O Homem Integral – Meditação e Ação, cap. 8), reforça a relevância da meditação como prática habitual a ser seguida pelos encarnados, apresentando-nos considerações que nos permitimos condensar da forma seguinte:
a) A meditação deve ser, inicialmente, breve, até o ponto em que provoque a sensação de que o tempo foi insuficiente;
b) quem medita deve examinar suas carências e problemas, defeitos e soluções, através de uma sincera observação de si mesmo. Estudando um problema de cada vez, surge a clara solução que deve ser aplicada sem pressa, com naturalidade;
c) a meditação há de ser diária, podendo ser repetida por mais de uma vez;
d) com a prática, passa-se do estado de análise para o da tranquilidade, abrindo lugar para a movimentação de recursos úteis para quem a utiliza, e, por extensão, para as demais pessoas;
e) quem medita vence suas más inclinações, adquire sabedoria para a bondade, evitando as paixões consumidoras. Assim, faz-se pacífico e produtivo, não se aborrecendo, nem brigando, antes harmonizando tudo e todos ao seu redor;
f) uma das diferenças entre quem medita e aquele que não o faz, é a atitude mental mediante a qual cada um enfrenta os problemas. O primeiro age com paciência ante a dificuldade e o segundo reage com desesperação.
Observem que a meditação sugerida pela querida mentora espiritual transcende aos estágios de relaxamento e limpeza da mente, convidando-nos ao autoconhecimento progressivo e ativo, de modo a propiciar as modificações que necessitamos empreender em nossa individualidade.
A proposta vai um pouco mais além do mantra “oomm” e de limpar a mente em modo não pensamento. Trata-se de um convite diário para mergulharmos em nós mesmos, através do imperativo atribuído a Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”, e sublinhado pelos Espíritos a Kardec na questão 919 de O Livro dos Espíritos – “Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal? Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
Mas como fazer vicejar em nós essa vontade-adesão, essa disciplina diária que nos impele ao questionamento meditativo e nos agrega às correntes do pensamento superior, empurrando-nos às modificações substantivas em nossa essência?
Responde-nos Emmanuel (O Consolador, questão 254), com a fórmula magna da conduta espiritual: O adágio popular considera que o hábito faz a segunda natureza, e nós devermos aprender que a disciplina antecede a espontaneidade, dentro da qual pode a alma atingir, mais facilmente, o desiderato da sua redenção.
A chave é a disciplina. Eu devo! É o verbo que deve ser conjugado no imperativo por todos os que pretendem estabelecer a rotina diária da meditação em suas vidas.
Como roteiro e exemplo, tomemos a disciplina que imprimimos em nossas vidas materiais. Acordamos cedo, porque temos que trabalhar. Sacrificamos férias e finais de semana, porque devemos entregar determinado projeto ou atender a um prazo específico. Realizamos tarefas que nos desagradam, porque nos exigem o cumprimento de metas.
Enfim, comumente nos colocamos em posição de realizar as nossas obrigações de natureza material pelo simples fato de que o não cumprimento nos gera consequências descompensatórias, pois podemos perder o projeto, o emprego, a remuneração, o conceito social, a autoestima etc. E o homem que descompensa sua vida material é, conceitualmente, uma criatura infeliz, depressiva, não realizada, ao menos na ótica simplista das diretrizes materiais.
Por isso, imprimimos o dever à nossa vontade e acabamos por realizar todas aquelas práticas do mundo sensível ou material que, a princípio, são contrárias aos nossos desejos. Porém, a repetição dessas mesmas práticas nos torna menos refratários a elas e acabamos por nos habituar, e até mesmo a não mais nos incomodar, com as tarefas que considerávamos cansativas ou desagradáveis.
O mesmo senso de obrigação com o qual tratamos os deveres de natureza material, também pode, e deve, ser utilizado nas questões envolvendo os interesses espirituais.
De uma certa maneira é o que fazemos quando abrimos mão de um compromisso social ou daquele evento imperdível que será transmitido na televisão, exatamente no horário programado para estarmos no Centro ouvindo a preleção do Evangelho e aguardando o tratamento dos passes que nos foi designado.
Ou quando enfrentamos os quase invencíveis sono do despertar e o cansaço do final do dia, para realizarmos as nossas preces matutinas e noturnas, combatendo as resistências, muitas vezes confessas, do corpo e da consciência cansados.
E como não lembrar do Evangelho no lar, compromisso que firmamos entusiasmados com o nosso grupo familiar, e que ao longo da sucessão das semanas vai sofrendo baixas e perdendo adesões, até que em torno da mesa apenas se escute a nossa voz solitária dando vida aos textos de apoio, às passagens evangélicas e às preces e irradiações que realizamos no cumprimento daquilo que acreditamos, na justa expectativa que os desertores retornem aos seus assentos, não só participando da prática que eleva, mas também nos alentando a alma com a sua presença.
O descumprimento dessas nossas obrigações espirituais nos descompensa, porque impede que hauramos a energética e o bem estar íntimos que delas decorrem. Então, acionamos a tecla “eu devo” e partimos para o bom combate, colorindo nossa vontade ainda titubeante.
Mas há uma diferença fundamental entre o “tenho” material e o “devo” espiritual. No primeiro, podemos nos habituar em acordar cedo ou executar uma tarefa que não nos agrade, mas comumente não colheremos grandes e definitivos frutos em desempenhar essas atividades. Quando muito, teremos a compensação material que, como tudo que diz respeito à matéria, é absolutamente passageiro.
Porém, quanto ao “eu devo” espiritual, a repetição dos compromissos vai se agregando em nosso íntimo, de sorte que passamos a nos iluminar neles, exatamente porque nos propiciam, em menor ou maior grau, a ligação com o Alto e a absorção das energias superiores, verdadeira terapia que nos complementa e nos eleva.
É nessa química divina, cujo experimento nos compelimos a realizar pelo movimento compulsório de nossa vontade, que nos inebriamos cotidianamente, encontrando motivações para os enfrentamentos e as lides diárias das nossas vidas.
A experiência espiritual que decorre da vontade empurrada para o “eu devo”, naturalmente não resolve, com um estalar de dedos, as incontinências, as tricas e os problemas de nossas vidas. Mas ela tem o condão de nos erguer acima da horizontalidade em que ainda nos obrigamos a viver, para que um pouco mais acima possamos avaliar com justeza a efetiva estatura das nossas questões.
Exercitando-nos nesse processo, passaremos da vontade-coerção para a vontade-reflexiva, quando, por automatismo psíquico, desempenharemos as nossas atividades espirituais com o mais pleno sentimento de prazer e sem qualquer nesga de obrigação, precisamente pela satisfação contínua e profunda que as coisas do espírito nos oferecem.
Por essas razões, a deliberação de incluirmos a meditação no rol de nossas práticas espirituais é providência que há de produzir frutos ao longo do tempo, qualificando-nos mais e mais.
E se, no princípio, o exame das nossas carências e dificuldades revelar-se difícil e desestimulante, como sugerido por Joanna de Ângelis, façamos da prática do encontro conosco mesmo apenas uma oportunidade de realizarmos o silêncio da mente. Meditemos no modo não pensamento que, mais cedo ou mais tarde, teremos a oportunidade dos grandes voos aos cimos da nossa autoiluminação.
Cleyton Franco