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Em sua primeira epístola, Pedro exorta a santidade do Cristo e concita as criaturas a serem perfeitas como Ele, esforçando-se para eliminar os hábitos arraigados, adquiridos dos antepassados, voltados para as coisas corruptíveis e os interesses materiais, de tal sorte a permitir a libertação do Espírito. Recomenda aos cristãos que sejam dóceis e fortes para enfrentar a maldade alheia, assim como procedera o próprio Nazareno.

No Capítulo quatro explicita a necessidade de renovação pessoal e constante, ao dizer não bastar o que vivemos segundo a vontade dos gentios no gozo dos prazeres e na idolatria, porque sobre tudo isso haveremos de nos ajustar, seja na carne, seja no Espírito, ao mesmo tempo em que concita os homens a aproveitarem o tempo que lhes resta no corpo físico para não viverem mais segundo a concupiscência dos homens, mas segundo a vontade de Deus, transmitida por Jesus.

Essa lição milenar o Espiritismo denomina de reforma íntima, que consiste na transformação do homem velho. Processo íntimo em busca da maturidade Espiritual, ela não se limita à contenção de impulsos inferiores, mas acalenta a edificação de uma personalidade cristã fértil de qualidades morais. O primeiro passo desse processo consiste no encontro de si mesmo e na coragem de enfrentar as dores do crescimento, que não se confundem com as do martírio. Essa distinção é feita com maestria pela entidade espiritual Ermance Dufaux ([i]), que merece ser reproduzida: “Não existe reforma íntima sem sofrimento, mas martírio é uma forma de autopunição, são penitências psicológicas que nos impomos como se, com isso, estivéssemos melhorando”,  com os esclarecimentos adicionais da própria autora no sentido de que “a melhoria íntima autêntica ocorre pelo processo de conscientização, e não pelas dores decorrentes de cobranças e conflitos interiores, que instalam circuitos fechados e pane na vida mental”.

Em outras palavras, existe o sofrimento natural decorrente da renúncia a atavismos em consequência do processo evolutivo consciente, para o qual o discípulo está preparado. Mas existe o martírio resultante da consciência sobre a incapacidade de gerir o mundo emotivo, muitas vezes em busca de um perfeccionismo por ora inatingível, o que gera desequilíbrio e põe a perder a proposta renovadora.

Prosseguindo na leitura da carta, o aprendiz notará que o apóstolo acrescenta a seguinte orientação: “Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros; porque a caridade cobrirá a multidão de pecados” (versículo 8º), completando o sentido dessa norma de conduta com o “hospedai-vos uns aos outros, sem murmurações”, que se acha no versículo seguinte.

Observamos, de pronto, que não basta a luta interior para modificação de nossos hábitos para que estejamos redimidos porque, importa, mais que tudo, sejamos ardentemente caridosos. De lembrar que o verbo arder significa estar aceso, abrasar-se, brilhar. No sentido espiritual, implica no estado d’alma em que o indivíduo se sente permanentemente vibrátil em benefício do semelhante. Por seu turno, o verbo hospedar nos remete à ideia de abrigar, alojar, comportando dois sentidos: o material, que se realiza através do fornecimento de abrigo e alimento ao corpo físico; e o espiritual, que envolve carinho, entendimento fraterno, auxílio nos momentos de aflição e encaminhamento.

A fonte de todo esse ensinamento está contida na lição de Jesus sobre qual o maior mandamento da Lei: amar ao próximo como a si mesmo, tema que o Evangelho segundo o Espiritismo desenvolve no Capítulo XI, com o auxílio de Espíritos Superiores.

Segundo esclarece Emmanuel ([ii]), em comentário ao destacado versículo, todas as tarefas realizadas pelas criaturas são importantes, de tal sorte a ser descabido o orgulho de uns a pretexto de serem superiores aos demais. Amemos nossa posição no cenário da vida social, por mais simples pareça ser porque a atividade que realizamos será sempre útil a outras tantas, e aprendamos a respeitar o esforço que os demais exercem na realização das suas. Em suma, recomenda que cada qual cuide de suas atribuições, sem murmurações, sem inveja, dando-se assistência recíproca, com ardente amor fraterno, para que todos possamos rumar para a felicidade que nos espera.

Recordamos que fraternidade, como todos os sentimentos, deve ser desenvolvida e cultivada. Seu valor está na essência e não na fachada. Absorvamos de Emmanuel as recomendações adequadas:  “Sejamos compreensivos para com os ignorantes, vigilantes para com os transviados na maldade e nas trevas, pacientes para com os enfermiços, serenos para com os irritados e manifestemos a bondade para com todos aqueles que o Mestre nos confiou para os ensinamentos de cada dia. Não nos detenhamos na piedade teórica. Busquemos o amor fraterno, espontâneo, ardente e puro”. ([iii])

Pedro pontificou que a caridade cobrirá a multidão de pecados. Essa afirmativa permite-nos conjeturar no sentido de que cada ato de caridade nos desperta o prazer do serviço no bem, o que nos aproxima da Mente Divina. Considerando que os erros estão instalados na consciência, a cobrar a devida reparação¸ o Ser não se sente feliz. Mas, à medida que se envolve nas tarefas do bem, modifica seu íntimo e o peso da cobrança se dilui, porque agora outro é o foco de sua vida e servir ao semelhante o felicita. A multidão de pecados estará coberta pela caridade. Ou seja, paga-se com amor no lugar de se pagar com a dor.

Aí estão os componentes do crescimento espiritual a serem observados no processo íntimo, por quem se encontre disposto a atender ao chamamento do Cristo.

 

Marcus Vinicius

 

 

[i] REFORMA ÍNTIMA SEM MARTÍRIO – Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley Oliveira – Editora Dufaux – 2ª edição – Capítulo I – Dores do Martírio, pág. 43.

[ii] FONTE VIVA – Espírito Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier – FEB – cap. 122 – Entendamo-nos.

[iii] PÃO NOSSO – idem, ibidem, cap. 99 – Com ardente amor.

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