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Num mundo cada vez mais voltado à efemeridade das aparências, vemo-nos cercados de recursos tecnológicos que aguçam ainda mais esse aspecto material de nossa existência. Tomemos por exemplo um tema atual: as “selfies”, ou as fotos de nós mesmos, são usadas ora para dizermos onde estamos, ora para parecermos melhores do que realmente somos. Nessa nova ordem de expor o perfeito no corpo – mesmo que os padrões ditados tenham sido obtidos pelo bisturi – fica evidente que a necessidade de expor o nosso exterior só evidencia o quanto não nos preocupamos com nossa essência.

Não que preservar a veste carnal durante nossa estada neste planeta, cuja densidade assim o exige, seja condenável. Pelo contrário, a Lei de Preservação é clara quanto à necessidade de respondermos pela saúde e bem-estar de nosso corpo. Mas se nos lembrarmos de que pertencemos, por origem e destino, à Pátria Espiritual, saberemos que nada desta encarnação levaremos, senão o aprendizado. Assim como não conduziremos em nossa passagem os bens amealhados, também os procedimentos estéticos inseridos em nosso invólucro – adotados pela ditadura da beleza – com certeza não farão qualquer diferença.

O que ocorreria, então, se tivéssemos uma máquina especial capaz de fazer selfies de nossas almas? Possivelmente, esse registro evidenciaria como “somos”, em essência. Em lugar de pálpebras torneadas, registraria o quanto olhamos pelo próximo, ou com que frequência nossos lábios exibiriam um sorriso ou profeririam palavras de conforto. Nossos ouvidos trariam estatísticas do quanto fomos capazes de ouvir. E nossas mãos? Surgiriam, nesse equipamento, sempre dispostas para a caridade? E nossos braços? Mostrariam o quanto estivemos preparados para o consolo? Nossos pés apontariam o quanto caminhamos lado a lado com o irmão mais necessitado? Claro que os registros dessas imagens espirituais dependeriam dos nossos esforços pela reforma íntima e pela evolução moral…

Já que ainda não temos essa máquina aqui na Terra, só podemos dispor de nossa consciência, para compreender as nossas mudanças, e da força do pensamento, para jamais nos desviarmos desse roteiro. Ao menos para avaliar que, embora devamos nos apresentar adequadamente, a beleza física não deve ser uma prioridade. Mas não podemos negar: desde o início da jornada humana, enfrentamos um paradigma da beleza, que privilegia o cidadão muitas vezes por padrões estéticos, e não morais.

Como, então, conduzir nossa jornada sem incorrer na idolatria da superficialidade? Preciso é separar o cuidado de nosso suporte carnal, como preconiza a Lei de Conservação, de todos os seus excessos. Em O Livro dos Espíritos[1], a questão 718 esclarece como a Lei de Conservação nos recomenda a prover as necessidades do corpo. A questão 719 reitera o direito do homem a uma busca de bem-estar, algo não proibido por Deus, e a 720 ainda lembra que as privações voluntárias – notadamente dos prazeres inúteis – têm grande valor. Assim, a conservação do nosso físico deve objetivar a boa saúde da máquina que abriga nosso Espírito. Há que se diferenciar a boa forma física da academia (recomendada inclusive pelos profissionais da saúde) da ditadura dos músculos aparentes.

Portanto, aquela máquina citada para registrar as selfies da alma também nos apontaria para a vaidade que avança além do limite de nossa própria conservação física. O Plano Espiritual pede que atentemos para esse tipo de abuso, norteando-nos para identificar cada um deles. É preciso conhecer o limite entre o supérfluo e o necessário, e a resposta à questão 715 nos diz com clareza: “O sábio o conhece por intuição. Muitos o conhecem por experiência e às suas custas”.

É na lida diária que experimentamos a extensão desse limite e não dependeríamos da engenhoca de selfies para termos essa resposta. Se usarmos como referência trecho de André Luiz, no livro Nos Domínios da Mediunidade[2], cap. 1, pág. 14, “…somente retrataremos a claridade e a beleza, se as instalarmos no espelho de nossa vida íntima. Os reflexos mentais, segundo a sua natureza, favorecem-nos a estagnação ou nos impulsionam a jornada para a frente, porque cada criatura humana vive no céu ou no inferno que edificou para si mesma, nas reentrâncias do coração e da consciência, independentemente do corpo físico, porque, observando a vida em sua essência de eternidade gloriosa, a morte vale apenas como transição entre dois tipos da mesma experiência, no “hoje imperecível”.

Fica ainda mais uma pergunta: como lidar com a decrepitude física imposta pelos anos, já que a ditadura da beleza é implacável com o tempo e traz rugas e cabelos brancos para todos, indistintamente? Cabe ao Ser que avança em idade compreender a amplitude de sua jornada nesta encarnação, valendo-se dos méritos morais que conseguiu atrair para si. Que a palavra amiga e a mão estendida são as melhores recompensas e que, ao retornar à Pátria Espiritual, nenhum avanço tecnológico será mais efetivo que seu olhar de gratidão pelo estágio realizado neste orbe.

A beleza real, segundo Allan Kardec, em Obras Póstumas[3], consiste na “forma que mais se distancia da animalidade e reflete melhor a superioridade intelectual e moral do Espírito”, cabendo a cada um de nós desenvolver esse tipo de beleza. Diz ainda que o envelhecimento é inexorável e que o ser dotado de beleza extraordinária deve ficar atento para a forma como a utiliza. “A mediunidade, tanto quanto a fortuna amoedada ou a beleza física na
Terra, representa doloroso caminho de provação, para aqueles que, transitoriamente, a recebem”. Kardec ainda lembra que a elevação moral conduz à beleza angélica. “O verdadeiro ideal de beleza está intrinsecamente ligado à perfeição moral que Jesus tão bem exemplificou. A insistência em se aceitar parâmetros tão distantes de noções éticas e de justiça básicas em nada contribuem para melhorar a condição espiritual humana.

 

Vanda Mendonça

 

[1] O Livro dos Espíritos, pag. 230, IDE Editora, 182ª. Edição (1974).

[2] Nos Domínios da Mediunidade, cap. I, pag. 14 – FEB, 2014, edição em PDF em http://www.espiritoimortal.com.br/espirito_imortal/nos-dominios-da-mediunidade.pdf

 

[3] Obras Póstumas, A Teoria da Beleza, pag. 124. LAKE Editora, 2ª edição (1979).

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