Atento à Lei de Progresso, o discípulo interpretará suas normas visando a dinâmica evolucionista, cuja observância implica na perseguição constante de estágios superiores. Os degraus vencidos haverão de ficar irremediavelmente para trás, até mesmo para neutralizar as imagens de passado penoso, permeado de lutas e tristezas. Estabelecer-se em ambiência espiritual mais amena, fruto de conquistas individuais, implica no merecido desfrute. Ascender a novos estágios passa a ser a meta desejável, agora mais rápida e fácil, máxime diante do vislumbre consciente a respeito da crescente sutilização do pensamento e da menor densidade das energias, tanto mais porque a grosseria ficou para trás e com ela os conflitos, os distúrbios, a turpitude humana. Retroceder seria indesejável.
Todavia, a circunstância de se ampliarem conhecimento e maturidade espiritual implica na equivalente elevação da consciência sobre os deveres para com os semelhantes. Justamente por isso estabelece-se o conflito: trabalhar a evolução constante, aspirando as mais altas virtudes, entregando-se unicamente à ascese, ou demorar-se um pouco mais de tempo junto aos que ainda gravitam no campo da batalha árdua contra si mesmos.
O verdadeiro seguidor de Jesus, recordará o sacrifício descomunal que Ele mesmo programou e realizou em benefício do despertar da Humanidade e não lhe será difícil fazer a opção. O Espírito Ramatis, que fora notável filósofo egípcio contemporâneo de Jesus, transmite-nos, com inigualável brilho, a magnitude desse sacrifício. Habitante das mais altas esferas, o Divino Mestre empreendeu uma “…penosa e indescritível operação milenar durante o descenso espiritual vibratório, para ajustar o seu psiquismo angélico à frequência material do homem terreno. A Lei exige a redução vibratória até para os Espíritos menos credenciados no Espaço, cuja encarnação terrena, às vezes, se apresenta dificultosa nesse auto esforço de ligar-se à carne. Mas Jesus, embora Espírito de uma frequência sideral vibratória a longa distância da matéria, por amor ao homem, não hesitou em suportar as terríveis pressões magnéticas dos planos inferiores que deveria atravessar gradualmente em direção à crosta terráquea” ([i]) .
Magnífico exemplo de renúncia foi relatado pela Dra. Marlene Nobre ([ii]) a partir da experiência de Chico Xavier ocorrida em 1950, ocasião em que, em desdobramento, presenciou o evento no qual cerca de mil Espíritos de médicos e centenas de outros de sublime elevação se concentravam para comemorarem os 50 anos de desencarne do Dr. Bezerra de Menezes. Na oportunidade, a entidade Veneranda, enviada de Maria de Nazaré, anunciara a Bezerra que ele acabava de receber da Espiritualidade Superior a autorização para elevar-se às zonas mais altas do Espírito, não necessitando mais encarnar na Terra ou trabalhar em seu orbe, mesmo que espiritualmente. Libertara-se do peso da matéria. Ao que Dr. Bezerra prostrou-se de joelhos e com os olhos inundados de lágrimas de gratidão, declinou da graduação, dizendo: “…Sei que não mereço as alegrias dessa hora e seria ingratidão de minha parte recusar as possibilidades que o Alto nos reserva. Contudo, peço-lhe (dirigindo-se a Maria, ali representada) que me permita permanecer por mais dois séculos com os irmãos que sofrem nas sombras da Terra, em companhia desses médicos amigos que são meus filhos espirituais. Permita-me voltar a servir!”
Muitos são os Espíritos que, conquanto não habitem nos altiplanos da espiritualidade, deixam suas zonas de conforto para se embrenharem nas esferas densas onde reinam sofrimento e dor, fazendo-o em auxílio a irmãos desconhecidos, pelo simples prazer de exercer o amor-caridade. São os socorristas, esses autênticos auxiliares de Jesus na tarefa de redenção. André Luiz, em incursões dessa natureza, sob a orientação do Instrutor Gubio, relata a necessidade de travessia de várias regiões, “em descida”, com escalas por diversos postos e instituições até que o grupo pudesse penetrar o domínio de regiões sombrias para, em ali estando, sentirem-se como “…homens que, por amor, descessem a operar num imenso lago de lodo para socorrer eficientemente os que se adaptaram a ele…”([iii]).
De outra feita, André Luiz compôs pequeno grupo de trabalho socorrista na Crosta Planetária, mas deixou claro que essa incursão também visava o desenvolvimento espiritual da própria equipe ([iv]). Na ocasião, todos os voluntários de várias outras unidades concentradas na Instituição Espiritual, denominada Templo da Paz, que ali se preparavam para suas tarefas, ouviram do Instrutor Albano Metelo a revelação que assim pode ser resumida: em outros tempos, ele estivera obcecado em atingir as culminâncias, fascinado pela luz que provinha do cume da montanha ascensional. Subitamente, percebeu que Espíritos angelicais desciam, céleres, acorrendo a zonas mais baixas. Não demorou a interpelar um desses, que lhe deu resposta breve no sentido de que urgia descer para colaborar com o Mestre de Amor, diminuindo os desastres das quedas morais, amenizando padecimentos, pensando feridas, secando lágrimas, atenuando o mal, e, sobretudo, abrindo horizontes novos à Ciência à Religião, de modo a desfazer a multimilenária noite da ignorância. Albano sentiu-se um autêntico egoísta ao pensar unicamente em sua ascensão isolada, abstraído dos valores que recebera ([v]). Sem demora, inscreveu-se nas fileiras da cooperação!
Inspirado na questão 1.018 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, Emmanuel ditou um capítulo específico intitulado Desce elevando, incluído na obra Religião dos Espíritos ([vi]), contendo casuísticas sobre o auxílio fraterno, conducente à elevação do semelhante, mediante intervenções silenciosas, estendendo-lhes as bênçãos do amor, sempre respeitosamente e sem recriminações desmedidas.
Lembremo-nos de que a “descida” em causa não implica na perda de qualquer dom já desenvolvido ou do padrão espiritual adquirido, porque estes são bens que se agregam ao Espírito, o qual não regride no processo evolutivo, conquanto possa sofrer quedas diante de desafios destinados a impulsionar-lhe a trajetória.
Ao contrário, o auxílio ao próximo constitui o mais nobre exercício de amor em nome da grandiosa obra do Cristo, de sorte que, quanto mais exercitado, mais desenvolve em substância, estimulando o alcandoramento. Ou seja, cada ato de renúncia em auxílio implica no retorno de energia sutil em favor daquele que se entrega em tarefa, tendo tudo a ganhar para seu entesouramento espiritual e nada a perder. Bastas vezes, é necessário descer e até de forma dolorosa para acumulação de créditos para a almejada evolução.
Isso não está circunscrito às atividades exclusivamente espirituais. O socorro ao próximo tem lugar em todos os ambientes, e deve ser exercitado principalmente enquanto estamos encarnados, com as dificuldades e cicatrizes expostas à nossa frente, para que nos qualifiquemos em face delas e cultivemos a índole socorrista onde quer que estejamos. Uma vez mais é oportuna a lição de Gubio: “Em todos os lugares, um grande amor pode socorrer o amor menor, dilatando-lhe as fronteiras e impelindo-o para o Alto, e, em toda parte, a grande fé, vitoriosa e sublime, pode auxiliar a fé pequenina e vacilante, arrebatando-a às culminâncias da vida” ([vii]).
Observemos a realidade. Todos nos encontramos em constante aprendizado em meio a diversos níveis de entendimento e de dificuldade, de tal sorte que sempre haverá espaço para recepção de ajuda e para prestação de auxílio. Cientes disso, tenhamos piedade e compreensão para com aqueles que, a nossos olhos caminham trôpegos e cuidemos de ajudá-los nos limites de nossa capacidade de renúncia, sabido que outros há, e não são poucos, que se encontram em patamares superiores ao nosso, e dos quais gostaríamos de receber o mesmo tipo de tratamento fraternal.
A sensibilidade amorosa é uma virtude latente, que se desenvolve ao longo dos tempos, e como todas as outras, pode ser estimulada. Reflitamos nos bens da vida que a Providência Divina nos reserva sem nada exigir, para desde logo compreendermos que temos muito a retribuir, sendo o auxílio a forma mais eficiente. A alma que se enternece hoje, estará pronta para prosseguir sua jornada amorosa, evoluindo enquanto ajuda.
Marcus Vinicius
[i] O SUBLIME PEREGRINO –Espírito Ramatis, pela mediunidade de Hercílio Maes – Editora do Conhecimento – 17ª edição, Cap 2 – Jesus e sua descida à Terra – págs.. 39/40;
[ii] MEUS PEDAÇOS DO ESPELHO – Marlene Nobre – Cap. Início das AMES no Plano Espiritual – FE Editora.
[iii] LIBERTAÇÃO – Espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB, 22ª Edição, Cap IV – Numa cidade estranha – págs. 52/53.
[iv] OBREIROS DA VIDA ETERNA – Espírito André Luiz – psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB, 21ª edição, pág. 12.
[v] __________, __________ págs. 16/17.
[vi] RELIGIÃO DOS ESPÍRITOS – Espírito Emmanuel – psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB, pág. 71/72.
[vii] LIBERTAÇÃO – ______, ______, pág. 163.