A existência de todo Ser humano é pontuada de acontecimentos marcantes que compõem sua trajetória evolutiva.
Dentre as necessárias experiências inseridas no quadro de planejamento reencarnatório de cada indivíduo, uma delas se revela de singular importância: em geral, é aquela que divide sua existência em antes e depois da relevante ocorrência. Exemplo disso é o próprio Cristo Jesus que dividiu a Humanidade em antes e depois Dele.
Sugestivo, e foco de nosso exame, foi o que se passou com o pescador de Cafarnaum, Simão Pedro.
Façamos uma rápida digressão dos fatos.
Aquele fora um dia em que o Mestre reunira seus companheiros pela derradeira vez (Última Ceia). Durante o jantar de despedida o Divino Pastor advertiu seu pequeno rebanho acenando-lhes nas entrelinhas que era chegada a Sua hora. Fez algumas predições, e no tocante a Pedro, disse-lhe “Esta noite antes de o galo cantar, três vezes me negarás…” (Mt., 26:34). O discípulo rebateu tal afirmativa dizendo-Lhe “Ainda que eu tenha que morrer contigo, não Te negarei”(Mt., 26:25).
Parecia impossível que tal prognóstico viesse a ocorrer, tal o amor e dedicação que Pedro sempre demonstrara pelo Mestre; no entanto, o fato se deu com riqueza de detalhes. O cenário se desenvolveu em três atos:
Por primeiro, não conseguiu ficar “vigilante” enquanto Jesus orava no Horto, e feriu Malco, o servo do sumo sacerdote, no instante do aprisionamento do Mestre.
Em seguida, no pátio da casa do sumo sacerdote, foi reconhecido como um dos discípulos do prisioneiro. Questionado a respeito, negou; e o fez por três vezes.
Por fim, o cantar do galo (marco decisivo da negação predita pelo Mestre). Só então Pedro “caiu em si”, lembrou-se da predição e entrando em conflito íntimo chorou amargamente. Podemos nos atrever a dizer que este último acontecimento estabeleceu o divisor de águas da vida de Pedro.
Mas, o que mais dramaticidade dá ao fato é que no instante da negação o olhar de Jesus encontra o seu “de longe”. Esse “de longe” não se refere somente à distância física, mas é também linguagem simbólica a revelar o quanto Pedro ainda estava distante dos princípios aprendidos com o Mestre. Esse olhar o acompanharia pelo resto de seus dias.
Caro leitor, quando nos dispomos a examinar um fato, não basta termos por base o momento em que o evento se deu e a partir daí estabelecermos julgamentos precipitados. Há que se fazer uma análise a priori e a posteriori da ocorrência.
O psiquismo humano, num intricado e complexo processo de aprendizagem, faz uso no seu dia-a-dia, dos conhecimentos adquiridos, e não raro, age sob a força de impulsos e atitudes desprovidos de ponderação e bom senso. São reações instantâneas, impensadas, que contrariam seus princípios, levando-o a desaguar no mar de lágrimas do arrependimento.
Em face do exposto, temos como objetivo entender melhor a negativa de Pedro por ocasião da prisão de Cristo.
O que o teria feito negar Jesus? Não era ele o discípulo que mais se Lhe afeiçoara? Não era em sua casa que o Mestre se hospedava? Sempre O acompanhara em suas peregrinações…
O cantar do galo, entretanto, penetrou sua mente como se tivesse sido atingido por um raio. Em poucos segundos sua visão se aclarou e os sentimentos “despertos” fizeram-lhe ver o tamanho do estrago cometido.
Sim, Simão, até aquele instante fatal “dormia”. Como homem comum, vivenciava suas experiências conservando hábitos arraigados e adquiridos no largo período de permanência nas faixas primárias do processo da evolução pelo qual passa o Ser no seu crescimento espiritual.
O aprendizado na convivência com Jesus, aparentemente estabelecera mudanças comportamentais, mas é na hora dos testemunhos graves que se pode aferir o real valor das transformações internas, e o pescador de Cafarnaum fraquejou.
Somente após a triste circunstância entendeu o pedido do Cristo “E tu, uma vez arrependido (desperto, convertido), fortalece (confirma) teus irmãos” (Lc, 22:32).).
É preciso conhecer o sofrimento para adquirir resistência à dor e autoridade para o ensino da Verdade.
Com o espinho do arrependimento cravado no coração, o discípulo não mediu sacrifícios para se tornar símbolo da coragem que deveria plantar no solo dos corações alheios. Tornou-se doador pleno do amor. A lembrança amarga da ingratidão para com o Amigo deu-lhe coragem para se levantar sob os açoites vigorosos do arrependimento, e, com fé e sacrifícios sustentar os irmãos com todas as forças da alma.
Se na primeira etapa de sua vida identificamos um Pedro invigilante, fraco, na segunda, a coerência de seus propósitos e ações demonstram a conquista da maturidade.
Desse evento da negação não podemos excluir a culpa que acometeu Pedro. Joanna de Ângelis, através da psicografia de Divaldo P.Franco, no capítulo “Consciência e Culpa”, do livro Sendas Luminosas, afirma:
“Somente um meio existe para alguém liberar-se da consciência de culpa, que é o trabalho de dedicação ao dever, de reconstrução interior mediante o auxílio a si mesmo e à sociedade na qual se encontra”.
Sabemos que, na sequência, foi isso que Pedro fez.
Esse processo de amadurecimento alcançou o clímax, a partir do “cantar do galo”, o divisor de águas da vida do querido e amado apóstolo.
Yvone
Fontes de consulta: :
– Há Flores no Caminho – Amélia Rodrigues/Divaldo P.Franco – cap.14
– Vida: Desafios e Soluções – Joanna de Ângelis/Divaldo P.Franco – cap. 8
– Humano, Demasiado Humano – Denise Lino- Editora Leal – 1ª ed. pág. 109 e 113.