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Perda: ato ou efeito de perder; ser privado de algo ou alguém; sinônimo de agravo, dano, estrago, prejuízo, ausência, falecimento, privação.

Temos vivido momentos de grande incerteza há bastante tempo e as perdas se acumulam: da liberdade de ir e vir, da rotina saudável, do sustento material, do abraço fraterno e da impossibilidade de se despedir dos entes queridos adequadamente. Esse quadro tem se mostrado um desafio à manutenção do equilíbrio.

É verdade que, no plano externo, o conflito gerado pela incerteza pode ser útil na experimentação para o progresso material, mas, no mundo íntimo, a hesitação é capaz de dissolver as nossas melhores energias. A falta de domínio sobre os eventos e suas consequências gera desconfiança, dúvida, medo e, muitas vezes, nos paralisa, sendo capaz de adoecer mente e corpo, e macular o Espírito invigilante. Mas como se resignar e seguir em frente diante de tantas perdas?

A parábola “Jesus caminha sobre as águas”[1] , contida no Evangelho de Mateus, coloca em perspectiva o cenário íntimo em que vivemos, e nos orienta com sabedoria: após falar à multidão, Jesus disse aos discípulos que seguissem viagem no barco, e eles assim o fizeram. Ao longo do trajeto, foram surpreendidos por uma tempestade. Em determinado momento, no meio da noite, viram Jesus caminhando em sua direção, sobre as turbulentas águas do mar. Mal crendo no que viam, os discípulos se assustaram e gritaram de medo. Mas o Mestre disse: Tende bom ânimo, sou eu; não temais. Em busca de uma prova de que aquele era mesmo o Messias, Pedro articulou: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. E a resposta chegou, prontamente: Vem. Pedro, então, desceu do barco e caminhou sobre as águas. Mas, sentindo o vento forte, teve medo, começou a afundar e clamou: Senhor, salva-me. O Redentor, estendendo a mão, segurou-o e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? E, quando subiram no barco, Jesus acalmou o vento.[2]

Os percalços e obstáculos que precisamos transpor ao longo da vida, são como a tempestade, capaz de abalar o ânimo até mesmo dos discípulos mais tenazes. Como Pedro, quando desorientados, recorremos ao Mestre e caminhamos em direção a Ele. Todavia, na maioria das vezes, duvidamos, sucumbimos à turbulência dos sentimentos e soçobramos no desespero. Quantos de nós rogamos pelo auxílio, enquanto nos deixamos consumir pela dúvida?

Todavia, não é a tempestade que nos faz hesitar, mas a incerteza sobre o futuro em decorrência dela. A perda do emprego ou de um ente querido são dois dos nossos maiores temores. Será que conseguiremos honrar os compromissos financeiros? Seremos capazes de pôr o alimento à mesa? Voltaremos a ser felizes sem o abraço fraterno?

Trazemos três pontos importantes para reflexão: o primeiro é relacionado à autolibertação para ações eficazes. Mudanças são inevitáveis em um mundo que passa por constante transformação, algumas bem-vindas, outras nem tanto. Por mais que desejemos agir, precisamos nos conscientizar de que uma série de acontecimentos e escolhas estão completamente fora do nosso controle individual, tais como: a destruição do vírus, a recuperação imediata da economia, a garantia de um contracheque ao final do mês ou ser capaz de salvar a vida de alguém.

Uma vez que estejamos cientes das nossas limitações e nos resignemos com a impossibilidade de atuar de forma efetiva em determinados eventos, é importante reorientar a mente para agir sobre aquilo que está circunscrito ao nosso poder de ação. Resignar-se significa aceitar o que não pode ser mudado, ao menos momentaneamente, para poder se libertar e atuar no que se tem controle.

O segundo apontamento é relativo ao planejamento encarnatório. Não é por acaso que nascemos em um planeta de expiação e provas. Precisamos da tempestade para revelar a nossa verdadeira natureza. É fácil amar enquanto estamos felizes, doar na abundância material e emocional, perdoar quando não somos nós os injustiçados. É nos momentos de incerteza e dor que somos testados em nossa capacidade de resiliência, de doação, de tolerância, de humildade. É quando temos a oportunidade de colocar em prática a fé, mostrando que entendemos que o Senhor nos dá exatamente o que podemos suportar e o que necessitamos para evoluir. Não é o que pedimos em nossas orações diárias? O pão nosso de cada dia dai-nos hoje.[3]

O terceiro ponto de atenção é: a morte do corpo não é o fim, mas um “até logo”. Estamos na carne, mas somos Espírito. Nossa verdadeira morada é a pátria espiritual. Quando cumprimos com o planejamento encarnatório, para lá regressamos e recebemos o auxílio necessário até que estejamos aptos a novos desafios evolutivos. Espíritos afins têm, então, nova oportunidade para reencontro, seja no mundo material ou no imaterial.

Ainda assim, é natural sentir a dor da separação, principalmente no que concerne à perda de crianças e jovens. Não olvidemos, todavia, que o Espírito que parte é bem mais antigo do que a aparência denota. O chamamento prematuro faz parte da programação individual e é uma necessidade para a sua evolução.[4] A compreensão dos mecanismos da justiça de Deus[5] pode ser de grande utilidade para que cumpramos da melhor forma a missão terrena e para que obtenhamos o almejado consolo.

Assim como Pedro, em ocasiões de grande aflição, só obteremos a sustentação necessária se mantivermos a confiança, ainda que tudo pareça obscuro e que o solo não seja firme. Nos momentos de incerteza e de insegurança, quando precisamos nos resignar e seguir em frente, a fé é o único sustentáculo sólido para a alma.

Ao longo da vida, teremos inúmeros dias de mau tempo, em que o sentimento de impotência nos ameaçará. Nas palavras do Espírito Emmanuel, quem duvida de si próprio, perturba o auxílio divino em si mesmo. Ninguém pode ajudar àquele que se desajuda.[6] Então, façamos dentro de nós o silêncio preciso, emudecendo qualquer indisciplina mental. Sintonizemos o pensamento na Infinita Sabedoria, tendo o cuidado imprescindível para que a estática de nossas paixões e sensações não interfira na recepção da bênção que nos advirá da Divina Bondade.[7]

Muitos obstáculos ainda sobrevirão até que aprendamos a nos dominar, a nos educar e a vencer, serenamente, com as lições recebidas.[8] Tenhamos fé!

Lila

 

[1] Mateus, 14:22-32

[2] A parábola “Jesus caminha sobre as águas” nos traz dois fenômenos que são perfeitamente explicáveis pelo Espiritismo: a aparição tangível do Mestre caminhando sobre as águas, e sua habilidade para acalmar a tempestade. Tais prodígios podem causar curiosidade ao leitor, mas, como não são o objeto do tema do informativo, deixamos algumas fontes para pesquisa:

KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. 15, item 42.

XAVIER, F.C, pelo Espírito André Luiz: Mecanismos da mediunidade, cap. 26, item: Divina mediunidade – Efeitos físicos.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Segunda parte, cap. 4, item. 77; Cap. 6, item 102; Item 111.

PERALVA, Martins. Estudando a mediunidade. Cap. 42 – Materialização-I

[3] Verso contido na Oração Dominical.

[4] Leia mais sobre o tema em: KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 199, 199-a e comentário.

[5] O “Livro dos Espíritos” e “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, são as obras mais indicadas para a aquisição dessa espécie de conhecimento.

[6] XAVIER, F.C., pelo Espírito Emmanuel. Fonte Viva. Capítulo 165 – Não duvides.

[7] Parafraseado de: XAVIER, F. C., pelo Espírito Emmanuel. Segue-me Item: Confiaremos, p. 34.

[8] XAVIER, Francisco Cândido, pelo Espírito Emmanuel. Caminho, Verdade e Vida. Capítulo 40.

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