Seja qual for a atividade humana, seu executor não prescinde da colaboração alheia, que provém das hostes espirituais em parceria com os simpatizantes da causa, que se acham encarnados. Mesmo Jesus, exemplo de perfeição, acercou-se de apóstolos e discípulos para introduzir neste planeta uma filosofia de vida inovadora, direcionada à evolução espiritual, porque sozinho não o conseguiria. Muitos O antecederam, criando condições favoráveis ao seu advento; outros conviveram com Ele, dando-lhe os suportes materiais necessários; sucedeu-lhe na obra divina um contingente de Espíritos que se revezam ao longo das gerações.
Allan Kardec foi um desses escolhidos para fortalecer os ensinos de Jesus, dando a conhecer à Humanidade o Consolador prometido. Para sua grandiosa obra, o mestre lionês Hippolyte também não poderia fazer diferente. No início, algumas poucas pessoas que se identificaram com sua proposta acercaram-se dele e fizeram toda a diferença para o sucesso de seu empreendimento espiritual.
Um pesquisador francês chamado J. Malgras, encantado com a repercussão mundial do Espiritismo, passou a compilar elementos para a composição de uma obra que agruparia todos os sábios, pensadores, escritores e artistas do mundo inteiro que se ocupassem com as ciências espíritas. Diante das dificuldades então existentes para levantar dados no Exterior, limitou-se às personalidades francesas e a citar alguns poucos americanos, ingleses, alemães, espanhóis, italianos e russos. O resultado dessa pesquisa rendeu-lhe a obra Pionniers du Spiritisme en France (1906), editada no Brasil em 2002 com o título de Os Pioneiros do Espiritismo, na qual ele destaca a participação de 91 (noventa e um) compatriotas, fazendo-o de forma a dedicar a primeira parte da obra aos PRIMOGÊNITOS, isto é, aos que já haviam desencarnado quando a pesquisa iniciou, e a segunda parte aos CONTEMPORÂNOS, os que então permaneciam deste lado da vida.
Um desses personagens arrolados no primeiro grupo é Pierre Gaétan Leymarie, nascido em Tulle, França, no dia 2 de maio de 1827, de família numerosa, de poucos recursos, mas de exemplar formação religiosa. Estabeleceu-se comercialmente em Paris, onde casou-se com Marina. Viu-se obrigado a desfazer-se de seu negócio em virtude de calúnia de concorrentes em torno de sua honestidade, inaugurando-se um período de grandes dificuldades. Estimulado pela esposa a redobrar sua fé, lembrou-se de Kardec. Abriu ao acaso a obra O Evangelho Segundo o Espiritismo e de lá extraiu o impulso de que precisava para iniciar sua tarefa. Seu encontro com o Codificador foi emocionante. Logo tornou-se seu discípulo e grande defensor e divulgador das matérias editadas na Revue Spirite, lançada por Kardec em 1º de janeiro de 1858. Esse periódico teve a finalidade de divulgar a Doutrina Espírita, mas também publicava estudos sobre a psicologia humana, razão de ser de seu subtítulo “Journal D’Études Psychologiques“. Seu conteúdo oferecia oportunidade de debates de ideias muitas delas aproveitadas nos livros da Codificação Espírita. Por isso, sua inegável relevância como fonte inspiradora e a exigir comprometimento de seus diretores.
Kardec também fundou uma Sociedade Anônima para garantir o atendimento a necessitados e nomeou Pierre administrador. Dois anos depois (31-03-1869), Kardec desencarnava, deixando as responsabilidades da redação e direção da Revue Spirite em suas mãos.
Pierre não tardou a encontrar dissidentes no meio espírita quanto ao conteúdo das matérias que divulgava na Revista. Procurando alívio na prece, por recomendação da esposa, viu o mestre lionês e dele ouviu claramente: “Caro amigo, você não está só. São muitos os Espíritos que o ajudam na difusão desta Doutrina de esperanças. Continuemos nessa luta redentora, porque a Verdade deixada por Jesus, jamais se apagará”. Confiante na mensagem e moralmente soerguido, prosseguiu firme em seu posto de comando, neutralizando a cizânia.
Tempos depois, encampou a ideia do amigo Jean Macé e fundou a Liga de Ensinamentos, destinada a difundir as obras kardequianas e formar grupos de estudos da Doutrina. Nessa época, tomou conhecimento dos experimentos fotográficos de William Crookes, na Inglaterra, durante manifestações mediúnicas. Empolgado, intentou reproduzi-los na França, mas isso lhe rendeu mais um violento baque moral. Um fotógrafo chamado Eduard Buguet, ávido por notoriedade, utilizou-se de meios fraudulentos para obter fotografias de sessões de materialização, encaminhando-as a Pierre, que as publicou na Revista sem desconfiar de sua má-fé. Por essa fraude foram condenados o fotógrafo fraudador; Pierre, como sendo o principal autor da fraude; e o médium, todos a um ano de prisão e multa pecuniária. Consciente de sua inocência, Pierre escreveu “Memórias à Corte Suprema”, objetivando reverter o julgamento. Entrementes, Buguet, sentindo o peso da culpa, endereçou correspondência ao Ministro da Justiça testemunhando a própria fraude e pedindo perdão a Deus por haver envolvido os demais nesse episódio. Gabi (Amélie Gabrielle Boudet), como era chamada na intimidade a viúva de Kardec, testemunhou no caso e, a final, a sentença foi anulada. Com esse desfecho, Pierre reassumiu a direção da Revista, contando sempre com a ilimitada confiança de Gabi. Mais tarde, organizou a Sociedade de Estudos Psicológicos, destinada a estudar obras ao tempo conhecidas, sob a ótica da Doutrina.
Dedicou-se, ainda, o Ilustre confrade a traduzir para vários idiomas as obras da Codificação e empreendeu diversas viagens ao Exterior visando divulgar a Doutrina. Participou do Primeiro Congresso Espírita realizado em Bruxelas e ele mesmo realizou o I Congresso Espírita de França, ocorrido 1889. Notabilizou-se como conferencista e escritor espírita. Desencarnou no dia 10 de abril de 1901, isto é, há exatos 120 anos. Em sua lápide, a inscrição: “Morrer é deixar a sombra para entrar na luz”.
Após sua morte, a dedicada Marina escreveu um livro intitulado Procès Des Spirites (Processo dos Espíritos), assinando-se Madame P. G. Leymarie e assumiu a direção da Revista Espírita e da Livraria Espírita até o seu desencarne. Sucederam-na outros não menos ilustres e dedicados colaboradores, dentre eles Jean Meyer, que contou com a participação de León Denis, Hubert Forestier e André Dumas.
Este é o resumo da biografia de um homem de bem, que como qualquer um de nós enfrentou dificuldades para levar avante suas propostas de vida, mas que não esmoreceu. Fez o que dele poderiam esperar as entidades espirituais do bem, e com certeza recebeu delas abraço carinhoso e de agradecimento pela continuidade da obra de Kardec. Um exemplo a ser seguido nesses tempos de enfrentamentos.
Marcus Vinicius
Fontes:
Malgras, J . Os Pioneiros do Espiritismo. 1ª Ed – Editora DPL, 2002.
SEAREIRO – do Núcleo de Estudos Espíritas “Amor e Esperança” ano 19, nº 128.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revue_Spirite