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Na estação em que nos encontramos, instala-se costumeiro nevoeiro, que nos impede distinguir, de pronto, se a locomotiva que se aproxima está nos trilhos certos, se é de socorro ou se traz invasores.

Em virtude dessa visão prejudicada e desconfiados quanto aos reiterados avisos dados pelo chefe da estação de que estaríamos em absoluta segurança, entramos em crise de medo e revolta, somatizamos dores inexistentes e até ameaçamos desistir da viagem.

Mais tarde, desapontados e envergonhados, percebemos que tudo estava sob o mais absoluto controle. Fomos recolhidos em vagões apropriados e conduzidos aos melhores estágios. O tempo de espera pareceu-nos longo. Mas tudo aconteceu tão rapidamente que, melhor examinando, não teria merecido as crises de pânico que sofremos.

A dor que nos acometeu, o mal de toda sorte, os desejos reprimidos, a nebulosidade, tudo o que teve aparência negativa, agora examinados com lucidez, passam a ser interpretados como meros instrumentos de reflexão sadia, deixando-nos a certeza de que, quando passar o trem do resgate, possamos nos regozijar com aquele que previu e organizou nossa viagem.

Esse modesto ensaio filosófico tem sua matriz na advertência de Paulo: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (I Tessalonicenses, 5:18), a qual contém uma vertente pacificadora para a alma constrita ao mesmo tempo em que inspira confiança àquele que crê. Raros os que passam pela existência terrena sem dissabores. A maioria, imersa nas sombras da ignorância sobre suas causas, tropeça em obstáculos onde só existe o favor divino ([i]), isto é, não consegue entender que tudo o que se passa tem um propósito nobre, que a cegueira momentânea encobre, mas que o tempo haverá de curar, abrindo o clarão da verdade ao Espírito.

Todas as aflições têm sua causa, sejam elas atuais ou remotas. Sobre as primeiras, remetemos o paciente leitor ao seguinte texto fruto de estudo aprofundado de Allan Kardec: “As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos endurecidos, ou muito ignorantes para fazerem uma escolha com conhecimento de causa, mas são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Tal é aquele que, tendo feito mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la a fim de não perder o benefício do seu trabalho. Essas tribulações, pois, são, ao mesmo tempo, expiações pelo passado que elas punem e provas para o futuro que elas preparam. Rendamos graças a Deus que, na sua bondade, concede ao homem a faculdade da reparação e não o condena irrevogavelmente pela primeira falta.” ([ii])

Segue-se que o ordenamento vem de Cima (do Alto), das mais variadas formas e por meios menos desejáveis, às vezes com tamanha rigidez, que nos deixam a impressão de ser obra do mal. Contudo, seus efeitos constituem o melhor recurso encontrado pelos obreiros do bem para trazerem à tona o irmão menor que perdeu o fôlego. O exemplo dado pelo notável Instrutor Espiritual Emmanuel serve como uma luva: “…o homem sob o perigo de afogamento, nas águas profundas que cobrem o abismo, por vezes só consegue ser salvo ao preço de rudes golpes”.

Quando a dor profunda se instalar, saibamos: ela não veio para ficar, mas simplesmente para estimular mudanças íntimas. Passado o seu efeito, a cura virá, porque a saúde do filho é o desejo do Pai. Ou seja, o socorro é certo, dando-se o reencontro do Filho Pródigo com o Seu Pai que o acolheu de volta quando ele estava pronto (Lucas, 15:20), qual desfecho conhecido da parábola.

Ilustramos esse pensamento com os subsídios fornecidos por Cairbar Schutel: “Quando a criatura humana, num momento de irreflexão se afasta de Deus, e, dissipando os bens que o Criador a todos doou, se entrega a toda sorte de dissoluções, a dor e a miséria, esses terríveis aguilhões do progresso espiritual ferem rijo a sua alma orgulhosa até que, num momento supremo de angústia, ela possa elevar-se para Deus e deliberar reentrar no caminho da perfectibilidade. É então que, como filho pródigo, o homem transviado, tocado pelo arrependimento, volta-se para o Pai carinhoso e diz: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho…’ E Deus, nosso amoroso Criador, que já o havia visto em caminho para dEle se aproximar e rogar, abre àquele filho as portas da regeneração e lhe faculta todas as dádivas, todos os dons necessários para esse grandioso trabalho da perfeição espiritual”.([iii])

Para arrematar, importa recordar a necessidade de um alicerce psíquico para enfrentamento das vicissitudes. Sustentemo-nos na fé. Reforcemo-nos, usando as pedras do caminho na estrutura sólida da nossa casa mental, alicerçando vontade, razão e sentimento, de forma que ela não venha a ruir frente às tormentas e tempestades. Bendita seja a dor que renova. Que o espírito de renúncia, trazendo em seu bojo o sacrifício crucial dos sonhos acalentados, seja a têmpera de aço na forja do desprendimento e do amor na sua mais completa expansão.

Ao entendermos verdadeiramente a mensagem divina transmitida por Jesus e divulgada incansavelmente pelos seguidores de sua Doutrina, haveremos de reproduzir: Bendita seja a dor que renova! Então, mais do que nunca, daremos graças e combateremos conscientemente as nossas imperfeições.

Marcus Vinicius

([i]) PÃO NOSSO – pelo espírito Emmanuel – psicografia de Chico Xavier – item 100 – FEB.

([ii])EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – CAP. V, item 8 – LAKE Editora.

([iii])PARÁBOLAS E ENSINAMENTOS DE JESUS – Cairbar Schutel – O Clarim – 17ª edição, pág. 125

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