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A Arte de morrer consiste, assim, essencial e exclusivamente em saber viver. Não o viver material, imediatista, anestesiado pela correria louca de quem só deseja o gozo irresponsável e se deixa apanhar pela arapuca da ilusão, mas o viver do Espírito que luta, escorrega, cai e se levanta outra vez, porque deseja caminhar e subir.

A morte é mero incidente entre duas existências, uma na carne e outra fora dela. Não perdemos, com ela, nem a identidade, nem o conhecimento das coisas. Não mergulhamos, por ela, num poço de iniquidades eternas, nem subimos, angelicais, para um céu de beatitude, não menos absurdo.

Morrer é uma extraordinária aventura espiritual, um momento de dramática realidade, depois do qual novos horizontes se abrem diante de nós e à nossa volta, ou então novas angústias se fecham e desabam sobre nós, para nos ensinarem uma verdade que às vezes tanto custamos a aceitar e compreender.

O bem se pratica pelo que traz ele de benefício em si mesmo, qualquer que seja o beneficiário e não porque com ele possamos comprar um lote no céu teológico. Quanto ao mal, permita-me o acacianismo, é contrário aos nossos próprios interesses. Com a sua prática, nos atrasamos espiritualmente, porque assumimos compromissos que teremos inevitavelmente de resgatar, mais cedo ou mais tarde. Temos de evitá-lo a todo custo, mas não porque haja um inferno à nossa espera do outro lado e sim porque não é inteligente, não atende ao objeto de nossa vida, enveredar pelos caminhos do mal. Num mundo de harmonia imperturbável, o mal é transitório e insignificante em relação ao todo; uma pequena dissonância imperceptível numa sinfonia imensa. Ele tem de ser absorvido fatalmente e neutralizado. Logo, para que criar condições para sua eclosão se sabemos que nós mesmos teremos de ser mais adiante instrumentos da ratificação e do restabelecimento do equilíbrio?

Para terminar esta breve conversa, uma palavra de Angelus Silesius: Amigo, que isso seja o suficiente. Se quiser continuar lendo, vá e se torne a letra e o significado…

 

Hermínio C. Miranda in “Os Procuradores de Deus”

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