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Tratar de um assunto delicado, como a morte do corpo físico, transcende nossa capacidade de compreensão dessa finitude: permanecemos no planeta por muitos anos e, por mais que saibamos tratar-se de um fenômeno natural e esperado, nem sempre estamos preparados para enfrentar o desencarne com naturalidade. No capítulo IV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 24, o Espírito de Verdade esclarece não haver limites nitidamente traçados para cada existência, … já que a materialidade desse envoltório diminui à medida que o Espírito se purifica. Em certos mundos mais avançados que a Terra, ele ja é menos compacto[1]

É preciso, primeiro, recordar que a encarnação é uma passagem pela vida corporal para que cada Espírito tenha a oportunidade de cumprir os desígnios a ele confiado por Deus. É, portanto, um estado transitório, no qual faz uso do livre-arbítrio para cumprir a jornada a contento. Ao faze mau uso dessa oportunidade, retarda seu adiantamento moral e espiritual.

O processo encarnatório é definido conforme esse desenvolvimento, podendo ou não contar com a participação do Espírito (em maior ou menor grau, conforme sua evolução). É fato que, ao encarnar, esse Espírito perde a noção quanto a tais decisões – trata-se do oblívio, um esquecimento promovido para que o Espírito, já encarnado, ignore as etapas a serem cumpridas e possa, assim, dar cabo da jornada com base em suas escolhas.

Cada nova encarnação, portanto, compreende um conjunto de oportunidades para que esse Espírito possa evoluir moral, intelectual e espiritualmente. A cada nova jornada encarnatória, há metas e prazos a cumprir. Um desses prazos é justamente aquele que define quando se dará seu retorno à pátria espiritual. O momento e forma de desencarne varia conforme a necessidade de cada Espírito, podendo ocorrer em variadas etapas da sua existência carnal: quando recém-nascido, ainda criança, adolescente, adulto ou já em avançada idade. Seja de causas naturais, seja pelo acometimento de uma doença ou por meio de um acidente fatal.

Portanto, o corpo nada mais é que invólucro apropriado para viabilizar a existência desse Espírito na Terra. Sua finitude está prevista, assim como dos demais seres vivos, e a separação entre corpo físico e Espírito ocorre quando os laços espirituais que os unem são rompidos. A volta à dimensão de origem nada mais é do que uma simples adequação, uma mudança de estado na qual a parte frágil da matéria atinge seu fim e o Espírito, então, consegue retornar à Pátria Espiritual.

Esse rompimento pode se dar de forma brusca ou lenta, conforme o tipo de finitude dado a cada corpo. Desgastes biológicos de órgãos internos levam a um rompimento mais rápido e, geralmente, indolor. Já os Espíritos muito apegados às coisas terrenas enfrentam uma liberação mais lenta e dolorosa, na medida em que não aceitam o fim de seu “corpo”.

A questão de número 149 de O Livro dos Espíritos esclarece que o Espírito, já liberto da matéria, volta ao mundo ao qual pertence e que deixou momentaneamente. Nas questões seguintes, reitera que esse Espírito mantém sua individualidade e que provavelmente mantém o aspecto visual da recente encarnação, pois “tem ainda um fluido que lhe é próprio, tomado da atmosfera de seu planeta, e que representa a aparência de sua última encarnação: seu perispírito”[2].

“No instante da morte física, a alma se liberta gradualmente e não se escapa como um pássaro cativo que ganha subitamente a liberdade”[3]. A morte representa o encerramento dessa etapa física sobre o planeta Terra, e não o fim do Espírito. Este pode permanecer próximo à esfera terrestre, devido ao apego material, mas não mais vinculado ao corpo, cujas moléculas entram em degradação.

No estado de transição (ou de passagem) entre os dois planos (material e espiritual), o Espírito é mantido inconsciente por um período de duração variada, conforme suas condições pessoais. O desencarne pode oferecer algum sofrimento, assim como também a chegada à Pátria Espiritual. Esses fatores dependerão de como esse Espírito conduziu sua encarnação.

Quando o Espírito mantém uma vida terrestre sem apegos à matéria, cultivando uma existência focada em virtudes como bondade, caridade e amor, terá deixado longe de si as ganâncias e excessivas ambições. Neste caso, essa passagem será tão suave quanto possível e indolor. Todas as angústias decorrentes do período de transição, quando existirem, serão breves; a chegada ao Plano Espiritual também será amena, pois esse Espírito saberá lidar adequadamente com os vínculos mantidos em vida, administrando sua saudade sem se prender à matéria.

Ocorre o oposto quando o Espírito está fortemente vinculado aos bens e prazeres materiais: por desconhecer sua imortalidade enquanto Espírito, sua finitude física é vista como perda irreparável; esse Espírito mantém a sensação de destruição de sua existência, angustia-se pelos entes que choram sua perda, mantém-se próximo do corpo em decomposição e terá péssimas experiências do além-túmulo. Nesse período, não compreenderá de imediato o que lhe sucedeu, tentando alertar os encarnados quanto ao sofrimento em curso e, com isso, também comprometendo ainda mais sua passagem.

O apego à matéria traz dificuldades de compreender que o corpo (matéria inerte, sem vida e em processo de decomposição) não lhe atende mais. O  sofrimento poderá ser agravado se o Espírito se mantiver próximo à matéria em decomposição e à vida que se extinguiu. A preocupação desse recém-desencarnado com os familiares que deixa para trás também o prendem à esfera terrestre, comprometendo seu processo de libertação.

Vale lembrar que a concepção primitiva de um “inferno” sem qualquer renovação e qualquer chance de perdão, opõe-se ao conceito de um “céu” no qual estamos livres de qualquer penalidade. Como nos mostra Allan Kardec no livro O Céu e o Inferno[4], a percepção de cada Espírito difere conforme sua visão de certo e errado no plano terrestre. Longe, porém, está o traçado da Justiça Divina: a Terra é o espaço de expiação no qual o Ser encarnado pode depurar-se, enquanto Espírito. Já as diversas moradas para as quais cada um se dirige são definidas conforme sua evolução.

Passado o período de adaptação e de ajuste à nova dimensão, o Espírito desencarnado poderá compreender todo o processo: que sua vida na face deste planeta é apenas um minúsculo passo, diante de sua trajetória; que poderá ter um panorama do que foi realizado conforme o plano encarnatório e verificará, à luz da Lei do Progresso, se sua existência foi condizente com o pretendido.

Sem a oportunidade de sucessivas encarnações, não seria possível ao Espírito livrar-se das questões materiais, paixões e desequilíbrios. A finitude da matéria é apenas uma passagem entre o pequeno trecho da existência na Terra e seu retorno à Pátria Espiritual. Cabe a cada um viver conforme sua decisão para mudar, em si, o que for necessário para viabilizar sua evolução.

 

Vanda Mendonça

 

Bibliografia

O Livro dos Espíritos – 29 ª edição, abril de 1986).

O Evangelho Segundo o Espiritismo – 198ª ediçao (junho de 1996, pág. 67).

O Céu e o Inferno – 51 ª edição (2008, págs. 24 a 42)

[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo,198 ediçao (junho de 1996, pág. 67).

[2] O Livro dos Espíritos, capítulo III, questão 150.

[3] O Livro dos Espíritos, capítulo III, questão 155.

[4] O Céu e o Inferno, 1 ª parte, Cap. IV, V e VI.

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