Nunca se viu ou ouviu tamanha busca por conforto espiritual quanto o que se observa neste período trevoso de pandemia. Circunscritas ao endereço residencial por força da quarentena, as pessoas assistem assombradas ao avanço de um vírus e pedem com fervor a intervenção divina, seja pela descoberta de uma vacina, seja por acréscimo de misericórdia de nosso Pai .
Claro que estamos na berlinda da vida, a responder por todos os nossos atos e, desta forma, também somos observados se estamos cumprindo a nossa parte, a despeito do que solicitamos ao Alto. O apego ao Pai e a seu Filho, Jesus, é compreensível, na medida em que as propostas no plano terrestre pelo homem, ainda não nos deixam confiantes em solução imediata…
Voltemos, pois, à trajetória de Jesus, que usou bons exemplos de recuperação física e espiritual ao longo de Sua jornada sobre a Terra. Em nenhum momento, Ele deixou de lembrar aos beneficiados que a fé os havia curado, senão o fato de já terem expurgado suas culpas. Disse mesmo que “A cada um será dado conforme suas obras”[1], referindo-se claramente à Lei de Ação e Reação.
Isso não significa que não possamos ou devamos pedir-Lhe auxílio, mas antes é uma reflexão do quanto temos cumprido a parte que nos cabe nesta jornada. Em Mateus, capítulo 7, versículos de sete a doze, Jesus deixa claro aos Seus discípulos que a Lei e os Profetas já asseguram a obtenção de tudo aquilo que pedirmos:
“Pedi e vos será dado! Procurai e achareis! Batei e a porta vos será aberta! Pois todo aquele que pede recebe; quem procura encontra; e a quem bate a porta será aberta.
Quem de vós dá ao filho uma pedra, quando ele pede um pão? Ou lhe dá uma cobra, quando ele pede um peixe? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedirem! Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. Nisto consiste a Lei e os Profetas”.
Assim, ao mesmo tempo em que nos conforta com a redenção, lembra-nos que ela é dada conforme nosso merecimento. Mas o trecho que acabamos de ler em Mateus também nos dá outros ensinamentos. O primeiro deles é a capacidade que a nossa fé tem de nos conectar com o Alto; o segundo é a qualidade de nossa prece.
Em suas passagens, Jesus orienta aos desejosos de alguma cura que, em muitos casos, bastou-lhes ter fé para alcançar a graça. Em outros, o efeito não foi cumprido porque faltou o merecimento. Ou seja, muitos séculos se passaram e nós, viventes da Terra, insistimos em pedir ao Mestre a nossa “cura”, sem sequer nos atentarmos à parte que nos foi confiada nesta missão terrena, pautada pelo nosso aprimoramento moral e intelectual.
Pensemos nas palavras do Mestre: PEDIR é um claro exercício de humildade. Mas não basta pedir, é preciso PROCURAR, porque só encontra algo aquele que de fato procura. BATER (à porta) representa resignar-se, já que não sabemos o que está por trás dela ou sequer se seremos atendidos. A fé com que conjugamos esses verbos é essencial para que conquistemos o que eles nos indicam: que obteremos a graça buscada e que todas as portas serão abertas diante da dificuldade.
Assim, a mensagem que Jesus nos dá com esta passagem também fala das qualidades da prece. Além do merecimento – uma cláusula que poucos conhecem, graças ao esquecimento –, Jesus também atenta para a sinceridade de coração daquele que ora. Mateus cita as palavras de Jesus:
“Quando orardes, não vos assemelheis aos hipócritas, que, afetadamente, oram de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas para serem vistos pelos homens. – Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. – Quando quiserdes orar, entrai para o vosso quarto e, fechada a porta, orai a vosso Pai em secreto; e vosso Pai, que vê o que se passa em secreto, vos dará a recompensa. Não cuideis de pedir muito nas vossas preces, como fazem os pagãos, os quais imaginam que pela multiplicidade das palavras é que serão atendidos. Não vos torneis semelhantes a eles, porque vosso Pai sabe do que é que tendes necessidade, antes que lho peçais. (S. MATEUS, 6:5 a 8.)
Em Marcos (11, 25 e 11,26), Jesus antecipa que não basta pedir algo que o homem já não tenha feito ao próximo, como o perdão:
Quando vos aprestardes para orar, se tiverdes qualquer coisa contra alguém, perdoai-lhe, a fim de que vosso Pai, que está nos céus, também vos perdoe os vossos pecados. – Se não perdoardes, vosso Pai, que está nos ceús, também não vos perdoará os pecados. (S. MARCOS, 11:25 e 26.)
Já em Lucas (18:9 a 14), ao narrar a parábola do Fariseu e do Publicano, relata a postura de um e outro, quando se dirigem ao templo para orar. O fariseu se conserva de pé e ora consigo mesmo; enaltece suas virtudes pessoais de jejuar duas vezes na semana, de dar o dízimo de tudo o que possui e render graças por não ser “como os outros” (ladrões, injustos e adúlteros), “nem mesmo como este publicano”. Já o publicano conserva-se afastado e sequer ergue os olhos ao céu. Apenas bate no peito, dizendo “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou um pecador”. Jesus explica que o publicano voltou para casa justificado, enquanto o outro não. “Porquanto, aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se humilha será elevado”.
A prece, por sua vez, deve ser “em secreto”, pois é desta forma que ao Pai, que nos enxerga , mais vale a simplicidade das palavras sinceras que a multiplicidade das proferidas para por-se o indivíduo em evidência.
Orai, enfim, com humildade, como o publicano, e não com orgulho, como o fariseu. Examinai os vossos defeitos, não as vossas qualidades e, se vos comparardes aos outros, procurai o que há em vós de mau. (Cap. X, nos 7 e 8.)
A confiança de que o pedido é razoável e justo (não basta usar a fé e pedir a conquista de um prêmio de loteria!) é fundamental. Marcos (11:24) orienta:
Seja o que for que peçais na prece, crede que o obtereis e concedido vos será o que pedirdes.
A prece é o fundamento do diálogo entre o Ser terrestre e Jesus. Antes mesmo de usá-la para “pedir”, será fundamental adotá-la para “agradecer”. Muito do que sucede ao homem, em sua estada neste planeta, ocorre porque cumpre mandato das necessidades do Espírito muito antes de sua encarnação. Ainda assim, a despeito de regras claras e imutáveis face a essa jornada de expiação, o homem pode valer-se do livre-arbítrio para buscar uma nova visão frente aos desígnios que enfrenta. Muito menos a evitá-los, e muito mais a compreender o que eles representam e ensinam.
Ao elevar o pensamento a Jesus para formular a prece, deve o homem compreender antes que precisa usar com parcimônia tudo o que lhe foi dado nesta existência terrena (prestígio, carreira, riqueza) e agradecer por tudo o que conquistou. Pedir com humildade o que for necessário, se de fato julgar-se merecedor, mas acima de tudo praticar a caridade e dedicar, ao próximo, o melhor de sua fé.
Vanda Mendonça
[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo, FEB, Capítulo 24, itens 11