Leitor amigo! Muitas vezes nos questionamos sobre o modo como Jesus atuou para formar seu apostolado, conseguindo que os convidados O acompanhassem de imediato, sem nada contestar. Os relatos evangélicos atêm-se ao momento em que o convite é feito e à sua aceitação. O que aconteceu a Pedro (Simão) pode nos dar uma ideia do que deva ter se passado com os outros, claro, em circunstâncias diversas. Amélia Rodrigues, em sua obra “Trigo de Deus”, psicografada por Divaldo P. Franco, cap.1, nos presenteia com belíssima narração a nos auxiliar na compreensão do que se passou em época tão distante da nossa realidade. Em síntese, diz ela:
Naqueles tempos era comum surgir, aqui e ali, nas cidades que beiravam o mar da Galileia, homens que se intitulavam profetas, e que quase sempre, em suas pregações, prometiam soluções aos problemas do povo, que, na sua ignorância, acreditava nas promessas e os tinha por salvadores dos pobres e oprimidos.
A gente humilde daqueles povoados era composta em grande parte por pescadores que viviam para atender suas necessidades básicas através da venda dos produtos que o mar lhes ofertava. Era, portanto, uma vida rústica, sem atavios de grandeza nem grandes aspirações. Assim era Simão, irmão de André.
Certa feita, seus amigos se fizeram portadores das notícias que se espalhavam como folhas ao vento, sobre um homem estranho que surgira por aquelas bandas, e que se dizia Filho de Deus. Era um profeta singular que a todos encantava com seus dizeres e feitos. Propagava que viera fundar um reino de amor e de justiça.
Simão era um homem rude. Vivia ali em Cafarnaum como pescador, conhecido por todos, carregando consigo os conflitos comuns àqueles que sofrem e padecem as dificuldades da sobrevivência.Tornara-se cético e pouco caso fizera às notícias do novo Profeta, não demonstrando interesse em ouvi-lO, recusando portanto, o convite dos amigos para irem juntos ao Monte onde o forasteiro iria se pronunciar.
Todavia, a curiosidade acabou vencendo a resistência de Simão. Para lá dirigiu-se e surpreso ficou com o grande número de pessoas que seguiam na mesma direção. Eram criaturas sofridas, cuja tristeza estampava-se nos rostos, que, todavia, deixavam entrever um toque de esperança.
Simão teve por eles um sentimento de piedade mesclado com indignação, pois não se conformava com a facilidade com que esses sofredores se entregavam a qualquer aventureiro que lhes prometesse alívio aos seus males.
Em breve tempo atingiu a colina. Era grande o número que compunha a multidão. O cenário constituído pelo formoso lago, o pontilhado de flores que o ladeavam, o aclive banhado pela luz solar nascente, compunha um quadro digno do talento dos pintores famosos que a História registrou.
Simão postara-se nas primeiras filas para vê-lO de perto. À sua volta o rumor monótono dos que lamentavam suas desditas… De repente Ele surgiu. Emoldurando Seu rosto magro e queimado, os cabelos à nazarena. Seus olhos, portadores de luz sublime, mais pareciam duas estrelas. Sua figura majestosa impôs silêncio, sem que nada precisasse dizer. Em seguida Ele falou:
“Enquanto no mundo, a criatura somente experimenta aflições, porque tudo a quanto se aferra é efêmero. São passageiros os prazeres, o poder, a fortuna, a saúde, o próprio corpo… Essa ilusão de gozo é a geradora de sofrimentos, em razão da transitoriedade dele e de como passam todas as coisas, por mais sejam aguardadas. Quando chegam e começam a ser fruídas, já se encontram em deperecimento, de passagem, deixando memórias, frustrações, ansiedades novas, amarguras…
O homem, prudente e sábio, que pensa no amanhã, reserva-se bens duradouros, que lhe favorecem tranquilidade e repouso. Esses bens imorredouros são as ações do amor, que proporcionam a paz, o esforço para domar as paixões inferiores, que oferecem a felicidade.”
Após breve pausa, quando ia retomar a palavra, uma mulher, carregando nos braços sua filha cega, tomada por um impulso, pediu-Lhe que a curasse, e que ela (mãe) então, O seguiria… Criou-se um clima de expectativa.
Achava-se, a mulher, atrás de Simão, e este, na tentativa de auxiliá-la, tomou-lhe a criança e se dirigiu para Ele. Nesse instante preciso, os olhos de Jesus mergulharam nos de Simão, e este sentiu, emocionado, o poder daqueles olhos, sem que pronunciasse palavra alguma. Entretanto, pareceu-lhe ecoar dentro de si a Voz que dizia: “Eu te conheço, Simão, desde ontem”… Profundamente sensibilizado, viu quando o Mestre tocou com os dedos os olhos apagados da criança e disse: “Vê, filha, em nome de meu Pai”. Deu-se a cura. A criança passou a enxergar. Ao baixar o braço, a manga da túnica roçou o tórax de Simão, que ficou paralisado, alheio ao que acontecia à sua volta. Quando deu por si, todos já haviam se retirado.
Desse instante em diante, Simão nunca mais voltaria a ser o mesmo. Descobriu que O amava, mas, de onde e quando O conhecia? No íntimo ouvia a Voz: “Desde ontem”…
Cabe aqui um parêntesis, para ligeira explicação: referia-se Jesus, às vivências anteriores de Simão, no espaço e no tempo, explicitando ser antigo o relacionamento entre eles… não estavam se vendo pela primeira vez.
Seus amigos notaram a transformação que se operou em Simão e a tristeza que lhe acentuava o semblante. Passou a viver momentos de ansiedade, como que aguardando algo de extrema importância a mudar o rumo de sua vida. Foi assim que, em manhã de sol esplendoroso, ajeitando as redes e o produto da pesca com seu irmão André, o Amigo se fez presente diante dos dois e convida-os a segui-lO.
“Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens” (Mateus, 4:19).
Ambos não se fizeram esperar…
Assim começaram os alicerces do Reino de Deus nos corações.
Também a nós o Mestre conhece “desde ontem”, e embora o tempo decorrido, Ele continua aguardando que aceitemos o convite para segui-lO, pois, ainda hoje, não prescinde de colaboradores na edificação do Reino de Deus na Terra.
Estamos com Ele de longe (admirando seus ensinos), ou de perto (praticando-os)?
Yvone
Fonte de consulta: “Trigo de Deus” – Amélia Rodrigues / Divaldo P. Franco – cap. 1.