Dois mil anos atrás, as irmãs Marta e Maria tiveram o privilégio de receber Jesus em sua casa. Como de costume, Ele se acomodou e iniciou o inspirador parlatório. Marta pôs-se a cuidar dos afazeres domésticos, enquanto Maria sentou-se aos pés do amoroso Rabi para ouvi-lo.1
A passagem evangélica contada por Lucas mostra divergência entre as prioridades das irmãs. Um primeiro olhar pode apresentar Marta como uma mulher responsável e prendada, que cuida das obrigações antes do prazer, e Maria, negligente e pouco solidária.
O caráter do Homem se revela no comportamento diligente. A responsabilidade é inestimável virtude e, nos ensinamentos Espíritas, é parte integrante da reforma íntima. No entanto, o Nazareno surpreende quando mostra uma outra forma de pensar, como no diálogo subsequente:
Marta, provavelmente incomodada com o fato de sua irmã não a ajudar, perguntou ao Mestre: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe, pois, que me ajude. Ele, então respondeu: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada. [1]
Com uma advertência simples e humilde, o Cristo ensinou a importância da flexibilidade na rotina diária para que se dê atenção ao que é importante de fato. Sua presença era passageira, seus ensinamentos, inestimáveis. Em breve, Ele partiria e as tarefas do lar continuariam no mesmo lugar, à espera das irmãs.
É sabido que o trabalho edifica o Homem e que apenas as boas obras levam à evolução espiritual. Todavia, aquele que se ocupa somente das tarefas materiais não consegue alimentar o próprio Espírito. Então, não é capaz de refletir sobre o que faz e se mantém refém da mesma rotina, sem que possa ser melhor do que já foi ou que venha a ser mais útil. A nutrição da alma diz respeito ao intelecto, à espiritualidade e às interações humanas.
Frequentemente, dedicamos tanto tempo e esforço ao ganha-pão que, ao chegarmos em casa, acabamos por perceber nossas próprias famílias como mais um encargo do dia. Nesses casos, a rotina nos faz agir sem pensar. Como autômatos, mergulhamos nas tarefas domésticas e temos pressa em terminá-las, pois o corpo pesa. Mal podemos esperar que as crianças durmam para que, finalmente, possamos descansar. Não “deu tempo” de conversar com os filhos e nada sabemos sobre o dia do nosso cônjuge. Talvez ainda consigamos assistir ao restinho do jogo de futebol ou da série televisiva; nossa mente está demasiado cansada para lermos um livro ou para fazermos o Evangelho no Lar. Sentimo-nos exaustos e solitários na expectativa de mais do mesmo, no dia seguinte.
Culpamos o tempo limitado pela rotina pouco inspiradora, mas talvez cada um de nós deva se questionar: Quais são as minhas prioridades? Fazer bom uso do tempo não significa otimizá-lo, mas definir as prioridades de acordo com princípios morais. Um exemplo disso é o fato de que nunca se viu alguém no leito de morte dizer que deveria ter trabalhado mais. Os arrependimentos são sempre relativos aos relacionamentos. Se pararmos para refletir sobre o cotidiano e medir o que fazemos e o que deixamos de fazer, nos surpreenderemos com o que elegemos como importante e o que preterimos, em uma verdadeira inversão de valores.
Por isso, é urgente que nos dediquemos no planejamento do nosso tempo de modo que nos sobre mais dele para o que importa de fato. Podemos incluir a nossa família na confecção dessa programação, onde seus membros conseguirão compreender a necessidade de se ajudarem mutuamente, e definirão as prioridades do grupo. Teremos que ceder em alguns valores para termos outros acatados. Então poderemos partilhar as histórias do dia, celebrar, aconselhar, olhar nos olhos e sorrir. São momentos reparadores, onde resgatamos e cultivamos os nossos relacionamentos.
A essa altura do texto, você já deve estar convencido de que deixar as coisas como estão não é mais uma opção. Talvez você duvide da sua habilidade de afastar os jovens dos equipamentos eletrônicos ou de reunir a família para criar um planejamento. Nesse caso, urge aumentar a sua capacidade de argumentar firme e amorosamente. Para tanto, sugerimos a leitura diária[2] do livro Sinal Verde, de autoria do Espírito André Luiz e psicografado por Chico Xavier. Boa parte de seus textos não têm mais de uma página, a linguagem é simples e nos mostram como lidar com filhos, parentes, amigos, colegas de trabalho, valores, dinheiro, atividades laborais e muito mais! Há, ainda, O Evangelho Segundo o Espiritismo o qual é um verdadeiro consolador para os momentos de dúvida e dor, fonte de inspiração e guia para condução da vida. Nesses momentos de leitura edificante, seremos como Maria aos pés de Jesus.
Aceite, também, o auxílio do Alto. Ao acordar, ore ao Pai e peça ao seu Espírito protetor inspiração; que fortaleça a sua vontade no domínio das más tendências e na direção do bem. À noite, lembre-se de agradecer por mais um dia de vida. A gratidão nos torna conscientes das oportunidades que recebemos. Basta uma oração simples, mas sincera, com vontade. Tenha fé! Alguns instantes de conexão com a espiritualidade proporcionam energia e tranquilidade, poderosos promotores do bem-estar.
Acredite, priorizar as tarefas segundo os valores que o Cristo nos ensinou trará muito mais satisfação para a sua vida. O trabalho de ordem material não mais será um estorvo, pois assumirá outra dimensão dentro de seu íntimo. Você perceberá que o tempo e a energia investidos em sua preparação para o dia, na convivência familiar, na aquisição do conhecimento e na conexão com a espiritualidade são justamente o alimento da alma que lhe permite lidar com as atribulações da vida com maior suavidade e resiliência. Os relacionamentos passarão a ser o seu foco e seus interesses naturalmente se voltarão para o aperfeiçoamento intelectual e moral.
Trata-se de um círculo virtuoso onde você buscará ser sempre uma versão melhor do que foi anteriormente e poderá ser mais útil a quem lhe rodeia. Por fim, estará executando o trabalho que o Mestre nos pediu: amar ao próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas.
Vale experimentar!
Lila
[1] Interpretado a partir do Evangelho de Lucas 10: 38-42.
[2] Além de Sinal Verde, considere as obras de Emmanuel e Chico Xavier, que podem ser utilizadas com a mesma finalidade: Vinha de Luz, Pão Nosso, Fonte Viva, Caminho Verdade e Vida e Palavras de Vida Eterna.