“Em matéria de sexo, com raras exceções, todos trazemos herança dolorosa de existências passadas, dívidas a resgatar e problemas a resolver”. ( 1 )
Os princípios relativos à pluralidade das existências e à Lei de Causa e Efeito que integram a Doutrina Espírita, entreabrem explicações racionais para as questões atinentes à sexualidade que nos toca a todos, Espíritos multimilenares em romagem de evolução.
Nesse sentido, encontramos em O Livro dos Espíritos (2), noção introdutória sobre o fato de que os Espíritos não têm sexo, pois que as manifestações da sexualidade nas polaridades masculina e feminina são exclusivas da constituição orgânica, ou seja, decorrem do processo reencarnatório e, por conseguinte, do corpo físico.
E a vivência nas polaridades masculina e feminina é imperativa para todos nós, a fim de exercitarmos experiências em ambas as potências, colhendo os aprendizados de uma e de outra manifestação sexual.
Daí, “aquele que foi homem poderá renascer mulher, e aquele que foi mulher poderá nascer homem, a fim de realizar os deveres de cada uma dessas posições, e sofrer-lhes as provas”, conforme observamos em Revista Espírita (3), além de menções semelhantes em O Livro dos Espíritos (2.1) e Sexo e Obsessão (4).
É claro que esses aprendizados nas potencialidades feminina e masculina seguem um padrão e, comumente, todos percorremos uma série de existências no mesmo sexo, conforme menções contidas em: Revista Espírita (3.1), Vida e Sexo (5), Ação e Reação (6), Evolução em Dois Mundos (7), repetindo, por várias encarnações, as polaridades feminina ou masculina.
Quer parecer que essas repetições reencarnatórias, na mesma polaridade, têm a finalidade de assegurar a todos uma diretriz mais segura, no sentido de nos propiciar uma espécie de unidade nas condições de aprendizado, dentro das características inerentes ao sexo em que estagiamos.
Pois bem. Cumpridos, com harmonia, os estágios planejados para a aprendizagem em determinada faixa sexual, credenciamo-nos à vivência na polaridade oposta, em cumprimento ao nosso projeto iluminativo.
Na obra Forças Sexuais da Alma (8), Jorge Andréa dos Santos relata a célebre união do compositor Frederic Chopin (1810/1849), com a escritora Amandine Dupin (1804/1876), que adotava o pseudônimo de George Sand. Sugere a possibilidade de preparação de ambos para vivenciarem a polaridade sexual inversa, Chopin mulher e Amandine homem, em um movimento de equilíbrio para a alternância sexual das individualidades – “Completavam-se pela grande atração de suas energias (…) Ela necessitava da profunda sensibilidade que Chopin exteriorizava; ele completava-se na efusão das energias mentais decididas e objetivas de George Sand (Amandine), para os fatos da vida” (…) Assim, Chopin estaria a se preparar para alcançar, dentro de algumas reencarnações, um corpo feminino e, por sua vez, George Sand (Amandine), estaria em preparo para ocupar, de futuro, corpo masculino?”
Na visão do saudoso Jorge Andréa, as características mais sensíveis e delicadas de Chopin, assim como a presença mais ativa de Amandine (George Sand), seriam indicativos do prelúdio da inversão natural das polaridades masculina para feminina e vice-versa.
Essa posição é bastante lógica, considerando que a modificação da potência sexual há de seguir todo um “iter”, um preparo do arcabouço psicológico daqueles que se alistam à condição inversiva natural, decorrente do próprio processo de evolução.
Na mesma obra (8.1), Jorge Andréa denomina os Espíritos que transitam de forma natural de uma polaridade a outra de transexuais de transição reencarnatória.
Transexuais, porque apesar do corpo e genitália bem definidos na nova faixa sexual masculina ou feminina, ainda guardam no arcabouço psicológico os pulsos da polaridade anterior, recém-abandonada.
Mas Jorge Andréa adverte: “os (transexuais) de transição reencarnatória atravessam essa faixa da vida com estoicismo e equilíbrio por excelência. (…) Muitos deles têm diminutas solicitações sexuais de superfície (corpo material), ou as tornam reduzidas de vontade própria (…). Outros tantos desenvolvem funções sexuais com regularidade fisiológica, sem excessos, próprias ao sexo em que se encontram, embora as tendências psicológicas, como já referimos, sejam de polarização inversa; são quase sempre indivíduos incompreendidos, que estão a merecer uma análise bem mais criteriosa, em lugar de uma avaliação superficial…”
É claro que, à medida em que esses Espíritos experimentam outras reencarnações na nova polaridade, os pulsos energéticos do arcabouço psicológico, construído na faixa sexual anterior, diluem-se ante as vivências adquiridas no polo oposto, propiciando um equilíbrio íntimo cada vez maior.
Em linhas gerais, podemos afirmar que os transexuais de transição reencarnatória guardam, em seu passado recente, experiências sexuais hígidas e equilibradas, que lhes propiciam, quando do processo de mudança de uma polaridade para outra, perfeito domínio, por automatismo psíquico, dos apetites decorrentes do sexo de periferia (relativo aos órgãos sexuais).
Por essa razão e pelo fato dos Benfeitores Espirituais exercerem rígido controle nos processos reencarnatórios, com o fito de propiciar aos reencarnantes a maior chance possível de sucesso, cremos que somente os Espíritos que reúnam condições íntimas suficientes para enfrentar a transição com segurança, vejam admitidos os seus pleitos de mudança de polaridade.
Quanto aos que ainda não atingiram esse estágio, possivelmente a maioria, continuaremos a buscar em nossas polaridades sexuais respectivas o regramento e a sublimação, para que em futuro próximo nos alistemos aos voos que nos levarão à angelitude.
Porém, a grande questão que emerge da sexualidade humana não respeita ao equilíbrio, mas sim aos desajustes decorrentes das práticas abusivas praticadas ao longo dos séculos. E a Doutrina Espírita é pródiga em nos advertir que há na Lei instrumentos de contenção desses abusos.
Em Sexo e Obsessão (4), Vida e Sexo (5), Religião dos Espíritos (9), Loucura e Obsessão (10) e Sexo e Destino (11), encontramos menções desses instrumentos de contenção, quais sejam, as enfermidades e anomalias que acometem o corpo físico, além da condição inversiva compulsória.
Ambos os instrumentos visam inibir a prática sexual desajustada que contempla, tão somente, a satisfação das sensações efêmeras de periferia e seus apetites subalternos, de forma mais ou menos habitual e sem qualquer responsabilidade com os sentimentos mais purificados.
O primeiro desses instrumentos reflete-se no cosmo físico, a partir dos pulsos mentais defeituosos que emanam da mente enfermiça. Daí advém as moléstias que restringem ou mesmo inviabilizam a prática sexual, e até as teratologias como o intersexualismo (genitália ambígua com predominância de polo), e o hermafroditismo (genitália ambígua sem predominância de polo).
No segundo dos instrumentos (condição inversiva compulsória), o Espírito se vê obrigado a vivenciar, de imediato e sem qualquer preparo, polaridade sexual distinta daquela que predomina em seu arcabouço psicológico, com o objetivo da contenção dos seus apetites desajustados.
Também é possível que reencarnem em condição inversiva compulsória, Espíritos que desrespeitaram a condição humana do sexo que lhe é oposto, nas hipóteses em que o homem tiraniza a mulher ou a mulher arrasta o homem à devassidão ou à delinquência. (12).
Cuida-se de tratamento emergencial objetivando o início da estabilização da mente viciada nos instintos mais grosseiros ou no menosprezo ao sexo oposto, mediante a imposição do constrangimento da mudança de polaridade, que é ação muito menos gravosa do que se permitir que a criatura resvale, cada vez mais, com os abismos das suas tendências destrutivas.
Se esses Espíritos triunfarem ante os escolhos das enfermidades constrangedoras e da prática sexual com pessoas do mesmo sexo, agregarão ao psiquismo de profundidade valiosas possibilidades de correção dos rumos de sua energética sexual.
Entretanto, caso não consigam o intento, derivarão para a prática homossexual, podendo realizar mais do mesmo, só que com seres da mesma polaridade sexual.
Não por outro motivo, Chico Xavier (13), prelecionou que “( …) a nossa formação nos leva sempre para o caminho do que já fomos e às vezes nós viemos para não ser mais o que já fomos ,e sim, para aprendermos a considerar o que devemos ser”.
O próprio Chico Xavier (14), ampliou os horizontes relativos às práticas homossexuais ao esclarecer que, na antiguidade, o serralho (haréns) e as guerras de longo curso, estimularam os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, sendo seguido por Américo Domingos Nunes Filho (15), que agregou à manifestação de Chico fatos históricos como a normalidade das práticas homossexuais na Grécia, em Roma, Sodoma e Gomorra, além dos costumes religiosos da clausura e do celibato e a reunião de pessoas do mesmo sexo em prisões, quartéis, navios e internatos, o que de certa maneira contribuiu para a proliferação da prática homossexual.
Porém, nem os terríveis escolhos da condição inversiva compulsória, tampouco os influxos dos fatos sociais pretéritos que arrastaram aos mais frágeis, têm o condão de alocar a prática homossexual na faixa da normalidade.
É disfunção do psiquismo, assim como o são o orgulho, a vaidade, o egoísmo, os vícios, dentre tantos outros equívocos que ainda integram nossas individualidades em evolução.
Por isso Emmanuel (1.1), advertiu que a prática homossexual não é ocorrência natural, complementando, a seguir, que: “Não podemos medir a nossa capacidade de resistência, no lugar do companheiro em crise, e, por isso, é aconselhável caminhar com a misericórdia em quaisquer situações, para que a misericórdia não nos abandone quando a vida nos chame ao testemunho de segurança moral”.
O Espírito de Bezerra de Menezes (10) sugere a abstinência da prática homossexual, “canalizando-se as forças sexuais para outros labores e aspirações.” Chico Xavier (13) adverte que é preciso evitar-se a pederastia e o lesbianismo, enquanto O Livro dos Espíritos (2.2), afirma que o homem pode vencer suas más inclinações e combater o predomínio da natureza corpórea através de esforços e renúncia, esclarecendo que: “Quando o homem crê que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se compraz nelas, em consequência da sua inferioridade.”
Não sabemos o quanto essas preleções são factíveis e reverberam no cosmo de cada criatura encarnada que vivencia a experiência do adestramento afetivo, pois que a densidade que ainda nos inebria os sentidos é robusta.
Porém sabemos que quase todos nós trazemos débitos substantivos no campo da sexualidade, conforme o alerta de Emmanuel na transcrição de introdução deste texto e, sobretudo por essa razão, acolhamos os nossos irmãos que experienciam a homossexualidade com o nosso maior apreço, estimulando-lhes as potencialidades criadoras e sensíveis de que ordinariamente são dotados, para encontrarem o “fio de Ariadne” da própria libertação.
As Sociedades Espíritas, dado o conhecimento que detêm, devem continuar a ocupar a vanguarda dessa iniciativa, franqueando espaços para que nossos irmãos e irmãs homossexuais cresçam em conhecimento e tenham oportunidades de serviços nos mais variados postos dentro das instituições, de modo a otimizarem a sua trajetória evolutiva.
Mas não nos esqueçamos de que os confrades e confreiras heterossexuais carecem das mesmíssimas iniciativas e oportunidades, porque cada um de nós, no fundo das nossas almas, tem uma batalha iminente contra um adversário poderoso que reclama a utilização de todos os recursos legítimos para ser vencido, adversário esse que, invariavelmente, conhecemos como sendo nós mesmos.
Cleyton Franco
(1) Encontro Marcado, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel, cap. 31, pag.101, 4ª ed., 1984, Edt. FEB.
(1.1) Encontro Marcado, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel,cap.31, pag.102, 4ª ed., 1984, Edt. FEB.
(2) O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 200.
(2.1) O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 201.
(2.2) O Livros dos Espíritos, Allan Kardec, questões 909, 911 e 912
(3) Revista Espírita, Allan Kardec, IX, 1866 – As mulheres têm alma?, pag. 16, 2ª ed, 2009, Edt. FEB.
(3.1) Revista Espírita, Allan Kardec, IX, 1866 – As mulheres têm alma?, pag. 17, 2ª ed, 2009, Edt. FEB.
(4) Sexo e Obsessão, Divaldo Pereira Franco, pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, cap. 15, pág. 167/168, 7ª. Ed., 2011, Edt. Leal.
(5) Vida e Sexo, Francisco Cândido Xavier, Espírito Emmanuel, cap. 21, págs.90/91,24ª ed., 2003, Edt. FEB.
(6) Ação e Reação, Francisco Cândido Xavier, Espírito Emmanuel, cap. 15, pág. 209, 15ª ed., 1993, Edt. FEB.
(7) Evolução em Dois Mundos, Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, Espírito André Luiz, cap. XVIII, pág. 141, 13ª. Ed., 1993, Edt. FEB.
(8) Forças Sexuais da Alma, Jorge Andréa dos Santos, cap. II, págs. 78/79, 5ª. ed., 1991, Edt. FEB.
(8.1) Forças Sexuais da Alma, Jorge Andréa dos Santos, cap. IV, págs. 125/126, 5ª. ed., 1991, Edt. FEB.
(8.2) Forças Sexuais da Alma, Jorge Andréa dos Santos, cap. IV, págs. 122/123, 5ª. ed., 1991, Edt. FEB.
(9) Religião dos Espíritos, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Emmanuel, cap. “Sexo e Amor”, pág.134, 16ª ed., 2003, Edt. FEB.
(10) Loucura e Obsessão, Divaldo Pereira Franco, pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, cap. 6, pág. 62, 12ª ed., 2011, Edt. FEB.
(11) Sexo e Destino, Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito André Luiz, cap. 9, pág. 348, 32ª ed., 2007, Edt. FEB.
(11.1) Sexo e Destino, Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito André Luiz, cap. 9, pág. 342, 32ª ed., 2007, Edt. FEB.
(12) Ação e Reação, Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito André Luiz, cap. 15, pág. 209, 15ª ed., 1993, Edt. FEB.
(13) Kardec Prossegue, Adelino da Silveira, Homossexualismo, pag. 96, 4ª ed., 2009, Edt. LEEPP.
(14) Dos Hippies aos Problemas do Mundo, Francisco Cândido Xavier, cap. 25, pág. 111, 3ª ed., 1972, Edt. Lake.
(15) Sexualidade à Luz da Doutrina Espírita, Américo Domingos Nunes Filho, Cap. IV, págs. 66/67, 1ª ed., 2008, Edt Léon Denis.