“Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus” (Mateus, V:3)
Pobre de espírito é uma expressão que teve o seu significado modificado com o passar dos séculos. Originalmente, o termo foi proferido por Jesus para se referir aos humildes. [1]
Naquela época, os homens cultos e inteligentes tinham um conceito exacerbado de si mesmos. Acreditavam serem o ápice do saber, que ninguém poderia estar acima deles e nada poderia figurar além do seu entendimento; exatamente por isso, negavam a existência de Deus.
Por se julgarem a inteligência suprema, desdenhavam daqueles a quem denominavam “pobres de espírito”, pois que esses acreditavam na existência de um Criador.
Jesus buscava mostrar que apenas uma vida voltada para o amor e para a caridade, e cuja matéria tinha pouca relevância, traria a paz aos corações dos Homens. O “reino dos céus” que Ele prometia era o da consciência tranquila e seus seguidores eram justamente aqueles pobres de espírito, a quem se dirigia em suas preleções.
Ainda hoje, ao olhar ao redor, é possível testemunhar atitudes arrogantes que menosprezam o próximo em favor da exaltação de ilustre estampa. Tais ações pertencem aos chamados orgulhosos.
O dicionário brasileiro define o vocábulo orgulho sob um ponto de vista positivo, relacionado à alegria sentida com o próprio sucesso ou com o de alguém querido, e outro negativo, associado ao sentimento de superioridade sobre outras pessoas, verdadeira origem da palavra e tema deste artigo.
De modo geral, o orgulhoso se julga superior ao outro, tem o amor próprio acentuado, é egoísta e, muitas vezes, também é vaidoso. Ele não aceita críticas, faz prevalecer as próprias opiniões, frequentemente se utiliza da ironia e do deboche, valoriza o prestígio, não se humilha e não se desculpa.
A fragilidade do orgulhoso é querer parecer superior às outras pessoas sob algum aspecto: inteligência, beleza, poder, riqueza… logo, quando se vê contrariado, sente-se em posição de inferioridade e sofre. A crítica fere porque sua imagem é por demais importante para ele. O orgulho o impede de agir com justiça, cedendo à razão e mostrando-se falível, porque isso é justamente o oposto do que quer aparentar.
Porém, a Lei é clara: todo efeito tem uma causa. O sofrimento nada mais é do que consequência das atitudes orgulhosas nessa vida ou nas passadas.
Orgulho e humildade são antônimos. Enquanto o humilde tem o mundo como referência para as suas mudanças, o orgulhoso tenta mudar o mundo tomando a si mesmo como referência.
O humilde vê na crítica uma oportunidade de aprender e evoluir, sabe que a sua imagem reflete a sua boa vontade e cuida para se tornar melhor para o ambiente que o cerca. O orgulhoso se preocupa com o que aparenta para o mundo. Quando se sente desafiado, age defensivamente e arranja desculpas para seus “enganos”. Se não possui argumentos para sustentar sua oratória, age como tolo que é, ardilosamente, desvia a atenção das suas falhas utilizando-se do melindre e, sem remorso faz o seu interlocutor sentir-se injustamente culpado. Ele crê que venceu a discussão quando, na verdade, perdeu a oportunidade de olhar para o seu interior e se desenvolver. Como o doente que recusa o remédio, escolhe agir com superioridade e não compreende que atrasa a própria evolução espiritual ao se preocupar mais em ter razão do que em aprender.
Não há quem não conheça um orgulhoso. Todos podemos apontar ao menos um. O que não percebemos é que, todos os dias, por inúmeras vezes, nós mesmos tomamos atitudes alavancadas pelo nosso orgulho.
Se um desafeto diz algo que nos desagrada, nos aborrecemos, sofremos, mas nem cogitamos refletir sobre a opinião, pois não consideramos o ponto de vista de quem não apreciamos. Não percebemos que o nosso orgulho pode estar nos impedindo de enxergar verdades que apenas os nossos antagonistas têm coragem de expressar e perdemos a oportunidade de evoluir.
Ao guiarmos nosso carro, pedimos passagem para mudarmos de pista, nos irritamos, sofremos ao não termos a nossa solicitação atendida, mas, em seguida, não damos passagem ao outro veículo sob o pretexto de estarmos atrasados, como se tivéssemos mais direito de ter pressa do que o outro. Não conseguimos nos colocar no lugar do próximo, mas queremos tratamento melhor do que aquele que lhe destinamos.
Se um filho se recusa a nos obedecer, sentimos a nossa autoridade questionada, sofremos e nosso orgulho nos diz para esbravejar e punir. Damos vazão à nossa irritação, quando seríamos bem mais eficazes mantendo o auto controle para mostrar, com voz calma e firme, a diferença entre o certo e o errado, e apresentar as consequências de cada atitude. No entanto, desculpamos a nós mesmos dizendo que não temos tempo e paciência para ficar repetindo, quando na verdade, estamos consistentemente negligenciando a nossa maior missão: criar boas pessoas para o mundo e ajudá-las em sua evolução individual.
Ao recebermos uma crítica do nosso cônjuge, sofremos, pois nos sentimos inferiorizados e, frequentemente, nos colocamos na defensiva em lugar de tentarmos entender a mensagem e aproveitarmos a oportunidade de aprimoramento e comunhão. A ingratidão é um dos frutos mais imediatos do orgulho.
São inúmeros os exemplos a serem dados e, em cada um deles, o sofrimento representa o orgulho recebendo as lições da Providência Divina em mais uma oportunidade de evolução. Toda vez que sofre sem ceder à justiça, a criatura rejeita a chance de exercitar a tolerância, a humildade, a caridade, a indulgência e o perdão. Ela permanece estagnada e, muitas vezes, assume novas dívidas morais, quando poderia estar resgatando os compromissos espirituais do passado.
A dor é fruto do orgulho, que não permite que o sujeito pare e avalie seus sentimentos antes de rejeitar o próximo, como se superior fosse. Não é à toa que está em contato com quem o incomoda; os antagonistas são instrumentos Divinos da evolução. A Lei da Reencarnação é inexorável, portanto, não há opção quanto a aprender, pois o Ser Humano é destinado à perfeição. A verdadeira escolha está em quando aprender.
O orgulho é incompatível com a justiça, o amor e a caridade porque não enxerga o próximo, mas tão somente a si mesmo e aos seus, neutralizando todas as outras qualidades. O orgulho apenas se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material.
“Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, será o maior no reino dos céus” (Mateus 18:4)
Não percamos a oportunidade reencarnatória que temos. Reconheçamos que estamos na infância da perfectibilidade, aceitemos as nossas imperfeições, percebamos o quanto podemos melhorar e o quanto as críticas são benéficas para a nossa evolução. Reconhecer que somos falíveis não é se humilhar, mas humildemente constatar que podemos ser filhos melhores para o mundo. Não nos esqueçamos de que “todos os homens são iguais na balança Divina. Somente as virtudes nos distinguem aos olhos de Deus”. (1)
Sugestão de leitura: F.C. Xavier/Waldo Vieira. “O Espírito da verdade”, texto “O filho do orgulho”. http://bibliadocaminho.com/ocaminho/TXavieriano/Livros/Oev/Oev36.htm
Lila
[1] Kardec, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo VII.