“(…) Natal! … Prossegue o Mestre, de viagem,
Em vão buscando um quarto de estalagem,
Um ninho pobre, em vão! …
E encontra sempre a cruz ao fim da estrada,
Por não achar socorro, nem pousada
Em nosso coração”. (1)
Nós que guardamos o gérmen da perfeição em estado provisório de mutismo na linguagem das nossas consciências, que somos adestrados na forja do fole e da bigorna pelos roteiros íngremes que vivenciamos na sucessão do tempo e que pressentimos o rumo para onde sopram os ventos libertários de nossa redenção, invariavelmente nos perguntamos as razões pelas quais os nossos corações ainda não se apresentam em termos de abrigar, plenamente, o exemplo vivo deixado pelo Cristo de Deus.
Se é fato que a Doutrina Espírita já nos direcionou no sentido de tirar Jesus da cruz infame, igualmente é certo que continuamos a sacrificá-Lo em nossas ações mais comezinhas, assim como nas entranhas dos nossos pensamentos mais secretos, menoscabando o poder criador da mente em ação continuada. (2)
E ao contemplarmos a nossa própria imagem no espelho d’água da reflexão, nos espantamos com o espectro visto e desacreditamos de nós mesmos, decretando, mesmo que provisoriamente, a inviabilidade do projeto iluminativo que nos está destinado, em manifesta contrariedade a preleção de Jesus segundo a qual nenhum daqueles confiados a Ele perecerá. (3)
Quando esses assaltos niilistas turvarem nossa visão crítica, imobilizando o andar resoluto dos nossos pés calejados, mas suficientemente rijos para o devido cumprimento da jornada, lembremo-nos dos exemplos do Divino Amigo que não condenou àqueles que se opunham à Sua doutrina, que não censurou aos que só se interessavam pelos fenômenos decorrentes do Seu magnetismo, que não lançou anátemas aos que Lhe imolaram a carne, que não repreendeu aos que Lhe seguiam e não compreendiam o alcance de suas preleções éticas, que não admoestou aos que Lhe eram os mais próximos, como a “pedra” da igreja que Lhe virou as costas nos momentos que precederam o suplício atroz ou como o jovem revolucionário que ao trair, menos ao Mestre e mais a si próprio, sentiu o valor amoedado sopesar a sua alma, desde o ato infeliz até os idos do século XV, quando se redimiu perante o tribunal de sua própria consciência. (4)
Sabia Jesus que o fluir do tempo é um dos artífices da obra que modela a personalidade e que mesmo aqueles que Lhe seguiam mais de perto, clamavam pelo martelo dos séculos e pelo cinzel da paciência para a concreção do Belo em si mesmos.
Tudo é processo que se encadeia em uma ordem lógica – o um, depois o dois, quem sabe o três, o quatro e o cinco de uma única vez, jamais o um ou o dois novamente, até atingirmos a expressão do infinito em nossa formatação de angelitude.
Por isso, saibamos respeitar a ação do tempo em nós, sem nos esquecermos de que a dinâmica do progresso exige ação propositiva. Paciência não se confunde com imobilismo e imobilismo não é a conduta mais adequada para quem é cativo das próprias circunstâncias ou recluso de imperfeições íntimas milenares.
Menos lágrimas estéreis, menos muxoxos pueris, menos mágoas e autocomiseração. Mais movimento de superação, sem que isso signifique realizações grandiosas, até porque o progresso genuíno é construído com grânulos de areia e não com lajes pré-fabricadas.
Porém, se a inação do cativo ainda nos compraz a alma, se ainda nos deleitamos com o leite aguado da negativa de mudança, com a comida pastosa e insossa dos hábitos viciosos ou com a cela estreita do orgulho e do egoísmo, saibamos que também é da Lei, paciente e justa, que sejamos arremessados em face das barras de ferro fictícias que nos constrangem provisoriamente a liberdade, para que nos lembremos que o lugar que nos está destinado não é a clausura íntima que restringe as nossas infinitas possibilidades, mas a união inquebrantável com Jesus e todos os Seus projetos futuros, dos quais seremos valorosos cooperadores.
Quando entendermos e vivenciarmos esse truísmo, recepcionaremos o Cristo na palha, no cetim ou no veludo de nossos corações, só importando para Ele a existência do berço acolhedor e não a textura com a qual o mesmo foi preparado para abrigá-Lo.
Que tenhamos todos um Natal banhado no preceito Cristão da paciência, renovando as nossas propostas de movimento contínuo ao longo do ano que se prenuncia.
Cleyton
(1) – Parnaso de além-túmulo, pags 218/219, Carmen Cinira pela psicografia de Francisco Cândido Xavier.
(2) – A Gênese, cap. XXIV, itens 13/21
(3) – João, 6:39/40
(4) – Crônicas de além-túmulo, cap. 5, Francisco Cândido Xavier/ Humberto de Campos.