Deus e fé são intrínsecos aos Seres inteligentes desde o princípio da existência humana. Até meados do século passado, a fé era quase exclusivamente derivada dos dogmas religiosos, os quais inibiam qualquer forma de questionamento ou comprovação. Ao longo de milênios essa credulidade cega vem sendo utilizada como instrumento de manobra das massas e de subjugação.
No século XX, a evolução tecnológica permitiu a democratização da informação e as sociedades começaram a questionar alguns aspectos religiosos que a razão não sustentava. A carência de fundamentação dos preceitos sagrados e a oferta abundante de bens de consumo iniciaram um processo de substituição dos valores morais pelos materiais. Significativa parcela da população mundial abandonou as suas religiões e muitos perderam a fé por completo.
A Doutrina Espírita está fundamentada nas Leis Naturais e no que pode ser comprovado cientificamente, afastando integralmente o misticismo. Não por acaso, após a segunda metade do século XX, observou-se maior adesão ao Consolador[1], que trouxe explicações lógicas para os mistérios religiosos antes sem resposta.
Sob o ponto de vista espiritual, a crença em uma alma mortal ou em apenas uma vida desestimula o trabalho voltado para o próximo, pois é razoável pensar que o período de uma vida humana não concederia a motivação e nem o tempo necessários para que fosse factível operar a transformação que O Cristo propôs. O desconhecimento da imortalidade do Espírito acabou por oportunizar a valorização exacerbada dos bens materiais.
A espiritualidade, através de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, orienta que enquanto se encontrar apegado aos bens materiais, aos vícios e aos maus hábitos, o Homem manter-se-á prisioneiro do medo de perder o que possui e de não conseguir obter além daquilo que já desfruta. Seu espólio não seguirá consigo após o desencarne e é natural que tema a penúria e a abstinência. Esse sentimento só existe porque seus valores são exclusivamente terrenos.
Desvendado pelo Espiritismo, o entendimento do processo reencarnatório se mostrou um alento. A confiança de que cada Ser é alocado onde é capaz de obter maior aproveitamento em sua estada pela Terra e que a existência corpórea é uma breve passagem, torna o tempo um amigo inestimável.[2] A construção de um futuro além da mortalidade é motivação suficiente para empreendimento pessoal.
Na medida em que persistentemente se dedica à pratica do bem, o Homem passa a ter, em seu íntimo, a certeza de estar trilhando o melhor caminho dentre as alternativas que seu livre-arbítrio lhe concede. Essa certeza é chamada de fé raciocinada. Ela proporciona a paz interior de quem sabe que não importam os desafios postados à frente, a escolha da sua conduta não deve ser outra senão aquela pautada na caridade, na gentileza, na tolerância e na paciência.
“A fé raciocinada, que se apoia nos fatos e na lógica, não deixa nenhuma obscuridade: crê-se, porque se tem a certeza, e só se está certo quando se compreendeu. Eis porque ela não se dobra: porque só é inabalável a fé que pode enfrentar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XIX, item 7)
Tal certeza vem da compreensão de que quando os valores humanos estão centrados no Amor, a recompensa é imperecível, pois as conquistas estarão relacionadas à própria evolução e ao cultivo de uma família espiritual, instrumento Divino de orientação e socorro.
A fé auxilia ao Ser Humano galgar os degraus da moral, pois habilita escolhas edificantes que inibem os maus hábitos e vícios, e coloca em perspectiva adequada os valores materiais. Os bens passam a ser entendidos como recursos para viver e para realizar, e não o fim em si mesmo.
É importante não confundir fé com presunção. Enquanto a primeira é calma, paciente e voltada para o bem, a segunda tem pressa e agressividade, e também pode ser voltada para o mal. Enquanto aquela produz os melhores resultados dentro das condições e do merecimento de cada um, esta leva a efeitos diversos que podem ou não estar em conformidade com a harmonia universal.
A fé não é uma blindagem contra os males, posto que a Terra é um planeta de provas e expiações e cada Espírito aqui reencarnado tem provas pelas quais deve passar para ter a oportunidade de evoluir. Mas, se não livra do infortúnio, confere coragem para superar os maiores obstáculos, pois quem crê sabe que, ao trabalhar conforme os ensinamentos de Jesus, colherá os melhores frutos para o seu desenvolvimento espiritual.
“(…) se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta montanha: Transporta-te daí para ali e ela se transportaria, e nada vos seria impossível”. (Mateus, XVII, 14:20.)
Além de atuar como transformadora moral e proporcionar segurança e paz interior, a fé tem imenso poder de ação magnética. Quando vigorosa, é capaz de operar fenômenos de cura[3], antes chamados de milagres, hoje entendidos como resultados de uma Lei Natural. Isso ocorre porque a energia empregada, aliada ao intenso desejo de realizar o bem, atua sobre o fluido universal, que passa a desempenhar o papel de agente terapêutico capaz de provocar efeitos que a própria razão não consideraria ser possível, mas que a ciência explica.[4]
“A fé viva não é patrimônio transferível. É conquista pessoal”[5] oriunda da autoiluminação, da reflexão, e da verossimilhança. Aquele que tem fé, possui maior força interior para transpor obstáculos; é capaz de trabalhar pacientemente; e conhece a paz de quem entende ser parte do propósito Divino, de quem recebe do Pai os cuidados necessários à sua evolução.
“Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer eu creio, mas afirmar eu sei, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento”.[6]
Lila
[1] Ao Espiritismo é dado o nome de Consolador, considerado a terceira revelação: “Se me amais, guardai meus mandamentos. E rogarei a meu Pai e ele vos dará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: o Espírito da Verdade que o mundo não pode receber, porque não o vê e absolutamente não o conhece. Mas, quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós” (João, 14:15 a 17).
[2] “Tens, assim, a tua obra particular e intransferível na execução do Plano Universal de Deus “ F.C.Xaviel, pelo espírito de Emmanuel em “Palavras de Vida Eterna”, capítulo 82.
[3] Leia mais sobre o processo de cura através do magnetismo no livro “A Gênese”, Allan Kardec, capítulo XIII, Curas.
[4] Allan Kardec em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo XIX, item 5.
[5] F.C. Xavier, pelo Espírito André Luiz em “Agenda Cristã”, capítulo 43. FEB .
[6] F.C.Xavier, pelo Espírito Emmanuel em “O Consolador”, pergunta 354.