Nunca duvides do êxito da verdade.
Nuvem alguma pode deter indefinidamente a luminosidade solar, por mais se demore em aparente impedimento.
Foi num desses desertos que, às portas de Damasco, Jesus apareceu a Saulo, triunfante e enganado, que seguia carregado de infausta missão contra um de seus discípulos.
Ao impacto da sua presença derreou da animália ricamente adornada e percebeu a gloriosa figura luminescente, passando a sofrer o horror da cegueira que o tomou, acompanhada do tormentoso arrependimento em torno da terrível conduta que se permitia.
Nesse deserto, a viagem foi para dentro, para a necessidade do autoencontro, do redescobrimento, da reidentificação com a vida e do retorno aos sagrados objetivos existenciais que desprezara até aquele momento.
Ali nasceu o apóstolo das gentes, o desbravador dos desertos humanos, expandindo o reino de Deus em todas as possíveis direções.
A linguagem do tempo é um presente agora, um contínuo suceder que altera todas as paisagens: as agrestes reverdecem-se, as montanhosas são corroídas, as pantanosas abrem-se em valas de liberação dos fluidos pútridos.
A água suave, nesse largo, infinito tempo, vence a rocha, o vento cantante desgasta o granito vigoroso, o fogo altera a floresta…
Também o Ser humano, mesmo quando soberbo e ingrato, arbitrário e dominador, corroído pelas viroses da culpa, necessitando de afeto que não soube despertar pelo caminho, transforma-se, amolda-se, cede ao impositivo das inevitáveis alterações evolutivas.
Ninguém consegue fugir de si mesmo ou viver saudável sem um propósito, um sentido psicológico na sua existência.
O indivíduo mais inflexível nos seus ideais e convicções assim permanece até o momento em que a dor se lhe penetra, insinuante e contínua, passando a habitar-lhe as paisagens dos sentimentos.
Nesse deserto, porém, numa caminhada silenciosa e demorada, surgem os tesouros da reflexão, do entendimento dos valores espirituais, da necessidade de ser pleno.
Não importa quando esse sublime fenômeno venha a acontecer, porquanto o importante é que sucederá.
A bênção do tempo agora é responsável pela edificação do anjo e do holocausto do amor, porque o sofrimento é uma dádiva que Deus confere aos seus eleitos.
Após a visita de Jesus a Saulo, no deserto em Damasco, o prepotente rabino, déspota e criminoso, teve necessidade de três anos em outro deserto, para diluir a construção de ferro do orgulho em que se encarcerava e argamassar a realidade do amor no coração ralado de sofrimentos.
[…] Trabalha o teu deserto interior com os instrumentos do amor e da compaixão e o transformarás em jardim de dádivas, tornando o mundo melhor, de onde o mal fugirá envergonhado.
Joanna de Ângelis