Ocorrências imprevistas fazem parte da vida das pessoas.
O inusitado, em geral, traz certo desconforto, constrangimento, justamente por não ser esperado.
A falta de preparo para o enfrentamento do fato repentino, exigindo solução imediata e atitude correta, causa desespero e aflição a quem sofreu o impacto da notícia ou do sucedido.
Em se tratando de circunstâncias corriqueiras, próprias do dia-a-dia, a exemplo da chuva que chega de súbito, encharcando os desprevenidos, pouca importância se lhes dá, tornando-se, depois, motivo de riso entre os amigos.
Refiro-me, porém, a outro tipo de imprevisto, diretamente ligado com o processo evolutivo do Ser.
Quando a jornada reencarnatória navega por águas mansas, trazendo deleite e alegria aos que compartilham o barco, tudo é encantamento e felicidade. Basta, porém, que imprevisivelmente aquelas águas se tornem agitadas em vista da tempestade que se avizinha, alcançando fortemente a embarcação e atirando para fora um dos companheiros do grupo, para que as expressões de felicidade se transformem em dor e agonia. Foi tudo tão de repente… tão inesperado… sem explicação…!
Nessa hora, onde estaria a Providência Divina?
Pergunta-se: por que, em geral, Deus é lembrado somente diante do ocasional, do fortuito, do imprevisível?
O grande barco a que denominamos Planeta Terra, carrega em seu bojo, criaturas endividadas com a Lei. Nessa viagem pelos mares da vida todos podem e devem realizar aprendizado intelecto-moral que lhes faculte o ressarcimento dos erros a que se permitiram em existências anteriores. Todavia, poucos se preocupam com isso, afinal, a maioria pensa apenas em se divertir e aproveitar prazerosamente o que o cruzeiro possa lhe oferecer.
Vemos aí que o infortúnio chega sem avisar, provocando reflexão, questinamento, meditação. O sucesso inesperado e infeliz significa sinal de advertência sobre a transitoriedade da vida, chamamento à mudança comportamental; demonstra a fragilidade do corpo em relação ao Espírito imortal.
Em geral o sofrimento tem poder saneador, despertando consciências adormecidas quanto ao real valor da vida.
Muitas vezes, grandes projetos são feitos visando alcançar metas para um futuro feliz, e eis que desencarna o autor das ideias… Outras vezes são negócios que se desarticulam e a empresa fecha as portas… Não raro a afetividade que parecia bem preenchida nos espaços emocionais, sofre abalos e se desestrutura… Enfermidades que surgem de repente, se instalam, desenvolvem e ceifam vidas, deixando desalento e saudade… Conflitos entre amigos de sempre, balançam sólidas amizades.
Todas as criaturas, repito, são visitadas alguma vez por tais ocorrências.
Segundo o princípio de que nada acontece por acaso, ouso dizer que o imprevisto já estava relativamente previsto.
Cada criatura apresenta determinado grau evolutivo, segundo o qual se expressam as ocorrências em sua existência terrena, sempre como resultados de experiências transatas e como recursos de transformação moral. De que forma deverá então, se comportar diante dos infortúnios repentinos? Será o desespero a melhor solução? Obviamente esse comportamento agravaria a situação, pois revela revolta perante a justiça divina. Busque-se, em primeiro lugar, entender a lição que a vida quer ensinar, e em seguida, descobrir os valores que devem ser retificados.
O primeiro deles deve ser o desapego. Esse sentimento desenvolve-se com o auxílio de outros, que, à primeira vista parecem não ter ligação entre si, mas, constituem elos de uma mesma corrente no processo de transformação. Assim é que, desenvolvendo a simplicidade e a fraternidade, o altruísmo começa a imperar, eliminando os excessos e o egoísmo. Libertando-se, a criatura, deste último, os prazeres da matéria e a ânsia pelo poder serão arrefecidos, pois não coadunam com simplicidade e desapego.
É preciso descondicionar o Espírito das necessidades que prendem, acorrentam, escravizam, muitas vezes impostas pelas sociedades modernas, sem que realmente apresentem valores imprescindíveis à evolução do Ser.
Vive-se uma época de inversão onde o secundário ocupa o lugar do essencial.
O fenômeno morte, previsto a todos os seres viventes chega sempre, ou quase sempre, de forma imprevisível, concitando à fé no futuro, à certeza de que a vida não acaba com a falência do corpo, mas continua após o desencarne. Assim, também, não podem ser vistos como desgraça, os imprevistos de consequências dolorosas, pois permitem reflexão e mudança comportamental, embora seja grande a dificuldade que se possa ter na libertação dos apegos que prendem às zonas inferiores da vida. Quem opta por eles continuará sempre sendo ave de voo baixo, fadada a conviver nas baixadas e nos monturos, até que se canse e desperte para voos mais significativos, em altiplanos, descortinando o azul do céu em busca dos prazeres verdadeiros que pertencem ao Espírito e não à matéria.
Eis aí a grande lição dos imprevistos na ascensão espiritual do homem.
Yvone